O desafio brasileiro no G 20 (por Marcos Magalhães)

Uma grave crise climática, que se espelha nas águas do rio Guaíba, no Rio Grande do Sul. Duas guerras que ameaçam espalhar-se, no Oriente Médio e no leste europeu. E um conflito comercial entre as duas superpotências. Como lidar com esse novo mundo?

A pergunta será frequentemente colocada sobre a mesa, no futuro próximo, em poderosos e influentes gabinetes de Washington, Beijing e Moscou, os centros de poder das três potências mais evidentes dessa ordem multipolar que se desenha.

Estará igualmente em foco na Índia, que vem sendo apontada – juntamente com a China – como uma das principais potências emergentes. Assim como nas maiores capitais da velha Europa, que vê escapar pelos dedos muito do poder que acumularam no passado.

Da mesma forma, a pergunta sobre como lidar com esse novo mundo começa a movimentar debates, ainda que timidamente, no Brasil.

Um país que, mesmo longe dos principais centros de poder econômico e militar, receberá no final do ano representantes das maiores economias do mundo para a cúpula do G 20.

As águas plácidas da Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar estarão à frente das grandes janelas do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que vai sediar as reuniões mais importantes dos líderes mundiais.

Em 1992, a 36 quilômetros, no Riocentro, a cidade recebeu a maior conferência mundial sobre o meio ambiente, onde foram esboçados documentos e princípios que até hoje servem de base aos debates globais sobre o tema.

O Brasil terá chance de obter sucesso semelhante? Ainda é cedo para dizer, mas convém ser desde já modesto. O grau de boa vontade para o entendimento entre os líderes mundiais parece menor agora do que nos anos 1990.

Por isso talvez seja importante definir logo o que seria um sucesso. Um primeiro passo seria a obtenção de um diálogo civilizado sobre temas tão amplos como a economia, o meio ambiente e a paz mundial.

O segundo passo seria incluir na pauta – ainda que não como questões principais – temas caros a países emergentes, como o combate à pobreza e o financiamento às ações urgentes e necessárias para responder à crise climática.

Esses temas estão fora do radar das principais potências. Seus principais sensores medem a temperatura dos conflitos geopolíticos do chamado Norte Global.

A guerra na Ucrânia é um exemplo. Os países europeus se perguntam onde vão parar as tropas russas, que até aqui avançam sobre posições no país vizinho. Especialmente se Donald Trump vencer as eleições nos Estados Unidos em novembro.

A guerra entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza, também preocupa pelo potencial de se espalhar pelo Oriente Médio, causando ainda maior instabilidade global.

Enquanto isso, os Estados Unidos inauguram nova etapa na guerra comercial com a China, elevando para 100% as tarifas sobre carros elétricos produzidos no país asiático.

Todos esses países – e o resto do mundo, na verdade – enfrentam ainda a ameaça comum da mudança climática. Que mostra a sua face justamente no país sede da cúpula – nas águas que inundaram Porto Alegre e muitas outras cidades gaúchas.

O que ocorre hoje em Porto Alegre poderá ocorrer em muitas outras cidades e muitos outros países – desde que não tenhamos juízo. E por juízo, nesse caso, entende-se um mínimo de entendimento dos principais líderes globais sobre o tema.

O G 20 não é, naturalmente, o foro especializado para se debater a crise climática. Mas é um importante foro político onde se pode recuperar a relevância do debate. Mesmo em um mundo marcado por disputas geopolíticas, guerras e conflitos comerciais.

O mesmo se pode dizer sobre a necessidade de se colocar sobre a mesa a persistente ameaça da pobreza e da fome em diversos países do Sul Global.

Seis meses antes da cúpula, o Brasil começa a fazer a sua parte.

Não por caso, a mudança climática e combate à fome e à desigualdade são os temas de dois, dos quatro painéis em que será dividido, nesta semana, o seminário “Brasil-África, novas pontes sobre o rio chamado Atlântico”, no Ministério das Relações Exteriores.

Soluções para as guerras em andamento e para os conflitos comerciais que se desenham podem estar fora do alcance dos esforços brasileiros de persuasão. Mas o Brasil tem algo a oferecer ao mundo quando se trata de meio ambiente e de combate à pobreza.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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