E o cidadão que se lixe! (por Ricardo Guedes) 

Estado e o cidadão têm sido objeto de vários Cientistas Sociais e artigos, como no trabalho de Robert Nisbet, “The Quest for Community”, onde o individualismo deixou as pessoas sem abrigo contra o poder centralizador do Estado. O exacerbo do Estado sobre o cidadão é bem simbolizado no livro 1984 de George Orwell, onde o Estado massacra o indivíduo. Ferdinand Tonnies dizia que a passagem da Gemeinschaft para a Gesellschaft, da comunidade para a sociedade, quebrou as amarras sociais. No individualismo decadente de Adam Smith, e na anomia social de Durkheim.

Em São Paulo, Tarcísio de Freitas, eleito Governador com 38,9% do total do eleitorado, faz do uso policial o que quer. “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça ou no raio que o parta, que eu não estou nem aí”, diz. No primeiro trimestre de 2024, o número de mortes por ação policial aumentou de 75 para 179, 180% a mais do que no primeiro trimestre de 2023. Deve-se apoiar as políticas contra a criminalidade, mas as políticas públicas não devem, indiscriminadamente, poder atingir também a inocentes como efeito colateral.

No Rio de Janeiro, Eduardo Paes fechou a Avenida Rio Branco para dar lugar à circulação dos trens do VLT, que ligam o Aeroporto Santos Dumont à Rodoviária, subutilizados, acabando com a funcionalidade do Centro, fazendo o comércio e o preço dos imóveis despencar. No recente show de Madona na Praia de Copacabana, resolveu edificar um muro de dois metros para separar a “elite” do “povo”, no que voltou atrás, pelo aviso da população de que o muro poderia ser derrubado, com o show felizmente então transcorrendo em normalidade.

Em Minas Gerais, o Governo Zema, juntamente com a FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, manifestou a intenção de assinar um acordo para transformar a Sala Minas Gerais, onde se apresenta a nossa Filarmônica, orgulho de nossa cidade juntamente com a nossa Sinfônica, em um espaço para futebol de salão, somente contido pela forte reação de importantes lideranças da sociedade. Em Belo Horizonte, o Prefeito Fuad Noman, candidato à reeleição, decide introduzir na Avenida Afonso Pena, em região montanhosa, uma pista para ciclistas, congestionando ainda mais o trânsito já congestionado. Quem consegue encontrar um ciclista por ali, ganha um prêmio. Ainda, o Aeroporto de Confins em Belo Horizonte, concessionária de serviço público, cede espaço do estacionamento para as locadoras de automóveis, diminuindo significativamente o estacionamento para os passageiros. Sem falar na ineficiência da entrega das malas em voos internacionais, há anos. O desrespeito é geral.

E o “cidadão”? Ou melhor, não podemos, no Brasil, falar em “cidadão”, o que implica em um conjunto de direitos e deveres. Melhor falarmos no “povo”, a massa disforme sem rosto social, que aparece nas fotografias de fundo dos campos de futebol de domingo à tarde, usurpada em tudo do que deveria e poderia ser. E o cidadão? Que se lixe!

Ricardo Guedes é formado em Física pela UFRJ, Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, e Ph.D. em Ciências Políticas pela Universidade de Chicago

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