Está claro que azedou o relacionamento do establishment político e econômico com o governo Lula. O azedume já provoca a desancoragem das expectativas. Sinais de crise e instabilidade.
Como conversar com o establishment? Como conversar com a sociedade? Eis o dilema estrutural da Política no Brasil de 2024.
É urgente a busca do consenso. Iniciativa que precisa ser conduzida pelo presidente Lula. A Febraban declarou apoio ao ministro Fernando Haddad. Mas o gesto não é suficiente.
É preciso novos gestos e iniciativas do presidente Lula, seguido de abertura de nova pactuação democrática com o establisment e com a sociedade. Lula já sinalizou na CBN que não tem vetos ao trabalho de Haddad e Simone Tebet na revisão das despesas. É um gesto de pragmatismo necessário.
O azedume tem raízes em duas causas estruturais. O vespeiro do conflito distributivo. E a instabilidade político-institucional. Este é o busílis.
Taxa de juros, déficit público, conflito distributivo, governabilidade, governança, crescimento. Esta agenda não conseguirá ser endereçada sem que o Brasil encare o dragão dos seus dilemas institucionais. Por “Brasil”, entendamos: governo e sociedade civil. Elites políticas e elites econômicas.
Mas o presidente Lula precisa tomar as iniciativas. Outra vez: consenso pressupõe pactuação democrática.
O que causa mais tensão no momento é o gargalo fiscal. Ele mexe com o conflito distributivo. Precisa ser equacionado também do lado das despesas, e não apenas das receitas.
A equação do gargalo requer força política e consenso político para fazer o que tem que ser feito. Para começar, a multiplicação dos benefícios fiscais é um calcanhar de Aquiles. Chegou a 4,78% do PIB. O TCU sugere um limite prudencial: redução de renúncias em até 2% do PIB em 2029. É claro que isto mexe com setores empresariais, portanto, requer força política para ser feito.
O TCU também chama a atenção para o déficit previdenciário de R$ 428 bilhões. Nova reforma da previdência já é inevitável. Incluindo o sistema de proteção dos militares, com uma despesa de R$ 59 bilhões em 2023.
Além disto, é preciso reformar o RH do setor público, incluindo o executivo o legislativo e o judiciário. Votar as propostas de respeito ao teto salarial. E racionalizar o plano de cargos e salário. Por último, é inevitável modificar a regra de gastos em educação e saúde. Mantendo as duas prioridades fundamentais, mas trocando a rigidez do percentual mínimo em relação às receitas pela correção monetária.
Estes quatro ítens – benefícios fiscais, previdência, RH e rigidez de gastos – são as causas estruturais da equação fiscal. São eles, principalmente, que provocam o crescimento da dívida pública. A dívida, por sua vez, retroalimenta gastos com juros e estimula o rentismo, e não os investimentos produtivos. Um círculo vicioso.
Haverá consenso para enfrentar estes elefantes da equação fiscal? De qualquer forma, a ênfase apenas na arrecadação mexe com a memória da elevada carga tributária. Gastos que não cabem no PIB.
Assim, levam à tensão e à exacerbação do conflito distributivo.
Na medida em que enfrenta a equação da despesa, o país deve também enfrentar a equação da arrecadação. Tratar a questão da riqueza social. O debate do IR sobre lucros e dividendos precisa ser “casado” com o debate da produção da riqueza social: a produção de emprego, renda e prosperidade.
Que tal pactuar com a iniciativa privada uma meta de investimentos públicos e privados? A taxa de investimentos no Brasil precisa ultrapassar a casa dos 20% do PIB. Isto não virá sem estabilidade jurídica e política.
Para além da questão fiscal, está claro que a produção do consenso passa pela melhoria da governança no governo Lula. É preciso governar o governo. A sua ação errática e morosa atiça as tensões, diminui as entregas e piora a governabilidade.
A governança está atrelada à melhoria da governabilidade. Por isto, o presidente Lula precisa articular uma reforma ministerial que leve a formação do ministério a representar a mediana da conformação partidária no Congresso. Hoje, o ministério não reflete a mediana.
Neste contexto, o governo Lula precisa retomar a aliança com a frente de partidos que o elegeu. Retomar a construção de uma Frente Ampla.
Esta Frente Ampla precisa ser alicerçada em um programa de desenvolvimento espelhado em novo projeto de país, a ser construído com diálogo com os diferentes setores da sociedade: empresariado, trabalhadores, classes médias e lideranças da academia.
São três os eixos fundamentais deste programa: o “Nova Indústria Brasil”, pilotado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin; o “PAC”, pilotado pelo ministro Rui Costa; e o “Plano de Transformação Ecológica”, pilotado pelo ministro Fernando Haddad.
É preciso conter a escalada da tensão e da instabilidade. Está aceso um sinal de alerta.
*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.