Homem contradiz ciência ao negar importância da Amazônia para o clima

Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.

Conteúdo investigado: Vídeo no qual um homem que se apresenta como pesquisador afirma que a Amazônia representa apenas 1% da superfície global do planeta e, por isso, “não muda, não equilibra, não altera e não faz nada em relação ao clima do mundo”. Em seu discurso, ele defende o uso de recursos naturais da floresta sul-americana.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Diferentemente do que afirma post enganoso, a Amazônia contribui, sim, para estabilizar o clima do planeta, segundo especialistas consultados pelo Comprova e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em publicação de outubro deste ano.

A gravação analisada foi feita durante o 62º Encontro Ruralista do Pará, chamado de COP30 do Agro, e as declarações são atribuídas a um pesquisador. O discurso se tornou viral e foi publicado, inclusive, nas redes sociais da Associação de Produtores Rurais Independentes da Amazônia (Apria) em 4 de dezembro.

Flávia Regina Capellotto Costa, pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), explicou que o sistema climático global é complexo e conectado em cadeias, por isso mudanças em uma parte do mundo impactam outros locais.

“A afirmação de que a Amazônia não pode ter efeito relevante no clima não é correta”, diz. “Estudos de climatologia mostram que alterações em um local do planeta afetam outras partes. O sistema atmosférico e as águas do oceano estão todos conectados”.

Doutora em ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Kauane Bordin fez considerações semelhantes e citou que as alegações do vídeo analisado não têm base científica e são infundadas.

“A floresta sul-americana tem um grande papel na regulação climática global, contribuindo com uma larga parcela da absorção de CO² (gás carbônico) emitido para a atmosfera”, explica. “Ela também atua no regime de chuvas do país como um todo, através dos rios voadores, que trazem umidade para o sul do Brasil”.

De acordo com as pesquisadoras, a floresta amazônica atua como um “sumidouro de carbono” no mundo, absorvendo o elemento da atmosfera e fixando-o nas árvores. “Isso tem consequências para a regulação da temperatura, já que o CO² é um dos principais gases que geram o efeito estufa”, diz Flávia Costa.

A Amazônia também tem a função de circulação das águas recebidas dos oceanos (pelas chuvas), garantindo padrões climáticos e de ecossistemas na América do Sul. “A reconfiguração da vegetação deste continente acaba por modificar o clima de todo o globo, já que a atmosfera terrestre é conectada”, explica a pesquisadora.

Pesquisador da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, o doutor em ecologia Bernardo Flores também afirmou ao Comprova que é consenso da comunidade científica global que a floresta amazônica é responsável pela regulação climática do planeta, possuindo o maior reservatório de biodiversidade do mundo.

“Atividades econômicas que causam efeitos negativos na Amazônia, a médio e longo prazo, levarão a mudanças catastróficas na qualidade de vida das pessoas em todo o continente”, ressalta. Segundo ele, os danos ao bioma ainda prejudicam a produção agrícola brasileira.

O físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), já explicou como a Amazônia regula o clima do planeta, com imagens ilustrativas desse processo, em uma publicação divulgada em 2021 no perfil Pesquisa Fapesp do Facebook.

No vídeo analisado pelo Comprova, ainda são citados dados sobre a proporção da Amazônia em relação ao planeta. A floresta tem cerca 6,92 km² de extensão na América do Sul, sendo 5 milhões de km² no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Já a superfície da Terra é de 510 milhões de km², sendo 149,4 milhões de km² de continentes. Dessa forma, a Amazônia corresponde a 1,3% do total do globo e 4,6% da área continental, aproximadamente.

O Comprova tentou contato com o pesquisador mencionado nas postagens por meio da Universidade Federal do Pará (UFPA), pois consta, em seu perfil do Lattes, que ele é professor aposentado da instituição.

Também enviamos uma mensagem para a Apria, que publicou o discurso. A reportagem não recebeu retorno em nenhuma das tentativas. O perfil que fez a publicação viral no X também foi contatado e não respondeu.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 12 de dezembro, a publicação alcançou 104,4 mil visualizações no X.

Fontes que consultamos: Pesquisamos sobre o tema no Google e consultamos o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e os cientistas da área ambiental Flávia Regina Capellotto Costa, pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Kauane Bordin, doutora em ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o pesquisador da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, o doutor em ecologia Bernardo Flores. Tentamos contato com a Associação de Produtores Rurais Independentes da Amazônia (Apria), mas não obtivemos retorno.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez outras verificações relacionadas à Amazônia como a que explicou o funcionamento do fundo usado para preservação da floresta, que era alvo de desinformação. Recentemente, também esclareceu que o governo federal não vendeu a maior reserva de urânio do Brasil para a China.

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