HÁ VINTE ANOS – Torturados mais uma vez

Conversei longamente no fim de semana com o padre canadense Leopold B’Astoir e com a ex-freira Terezinha. Ele foi confundido com o jornalista Vladimir Herzog em três fotografias publicadas inicialmente pelo Correio Braziliense nos dias 17 e 18 de outubro passado. Ela aparece em uma das fotografias.

No final de 1973, os dois foram detidos por agentes do Serviço Nacional de Informações, espancados e obrigados a posarem nus em uma cabana em Caldas Novas, interior de Goiás. Padre Leopold era pároco de uma igreja em Brasília, e a freira Terezinha ligada à arquidiocese de Goiânia.

Os dois davam cursos para jovens e estavam em Caldas Novas para dar mais um. As fotografias publicadas pelo Correio, e republicadas pela maioria dos jornais brasileiros, haviam sido aproveitadas nos anos 80 em panfletos apócrifos distribuídos em Brasília com o objetivo de desmoralizar o padre e a freira.

Na época, os dois deram parte do seu sofrimento à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nada foi feito por eles – talvez porque naquele momento nada se pudesse fazer. A ditadura ainda estava de pé, embora enfraquecida.

O padre se aposentou e passou a viver entre o Canadá e o Brasil.
A freira largou o hábito e passou a viver reclusa em um apartamento em Brasília. Ainda carrega no corpo marcas da tortura. A publicação de fotografias que jaziam esquecidas nos arquivos da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados fez Leopold e Terezinha reviverem o que sofreram.

O fato de o governo ter mostrado outras fotografias deles a jornalistas e à viúva do jornalista Vladimir Herzog foi entendido pelos dois como uma nova e injustificável invasão de sua privacidade. “Senti-me torturada novamente”, observou Terezinha. E novamente ela e Leopold sentiram-se desamparados.

A CNBB não saiu em defesa da preservação da imagem dos dois. Nem a OAB. Nem ninguém.  Alguns jornais chegaram a insinuar que Leopold e Terezinha eram amantes. E que haviam sido flagrados durante um encontro amoroso em Caldas Novas.

Leopold estava no Canadá quando o episódio das falsas fotografias de Herzog estourou no Brasil. Terezinha estava em Brasília e, durante semanas, não pôde sair de casa. Foi fortemente assediada por jornalistas. Leopold ainda concedeu entrevistas no Canadá, mas se arrependeu depois. Acha que suas declarações não foram reproduzidas com fidelidade.

Terezinha fez voto de silêncio e não parece disposta a quebrá-lo.
Eles se reencontraram em Brasília há 15 dias. E desde então só foram vistos na casa de amigos e numa igreja onde padre Leopold celebrou na semana retrasada.

 

(Publicado aqui em 13 de dezembro de 2004)

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