Jogar parado (Por Hubert Alquéres)

A estratégia de Tarcísio Freitas para momento é evitar gestos que indiquem sua aquiescência com uma possível candidatura a presidente, em 2026. Isso explica, em grande medida, sua declaração deste final de semana, segundo a qual permanece imutável seu plano de disputar a reeleição para governador de São Paulo e que ninguém fala por ele. Suas palavras são uma espécie de vacina para não parecer que vem incentivando a onda sobre seu nome e, assim não pôr sob suspeita sua lealdade a Jair Bolsonaro. Trata-se de um jogo político refinado, no qual a alteração de rota para 2026 só acontecerá com o aval do ex-presidente.

As pressões para o governador paulista ser candidato vem de fora para dentro do Palácio dos Bandeirantes, como um movimento externo de setores da sociedade civil e do mundo político. Elas ganharam amplitude a partir de duas alterações no cenário político ocorridas em fevereiro: a erosão da aprovação do governo Lula – constatada na última pesquisa do DataFolha – e a denúncia pela PGR de Bolsonaro como líder da tentativa de golpe após sua derrota na eleição de 2022. Bolsonaro já é inelegível. Se condenado pelo STF, sua chance de participar da próxima disputa presidencial será inexistente.

O plano inicial de Tarcísio de disputar a reeleição em São Paulo tinha como base a leitura acurada de Gilberto Kassab naquele momento, segundo a qual Lula seria praticamente imbatível na próxima eleição. Assim, conviria ao governador paulista focar em uma reeleição praticamente garantida e disputar a presidência só em 2030. Kassab, reconhecidamente o político brasileiro que mais sabe interpretar a conjuntura política e daí extrair as devidas consequências, não prega, no presente momento, a alteração do objetivo para 2026. Mas já não enxerga Lula como imbatível.

Estratégias não são cláusulas pétreas. Elas precisam se ajustar sempre que o cenário se transforma. E o ambiente político para 2026 mudou de forma drástica. As chances de alternância de poder cresceram exponencialmente, impulsionadas por dois fatores principais: a queda vertiginosa da popularidade do governo Lula, fruto da ausência de um projeto claro para o país e da falta de sintonia com as tendências globais; e a ascensão global da direita radical — com vitórias como a de Javier Milei na Argentina ou a volta de Donald Trump nos EUA.

Nesse novo cenário, a direita radical brasileira tem chances concretas de retornar ao poder, especialmente se conseguir articular o mesmo discurso de ruptura, mais voltado ao confronto e à contestação das instituições estabelecidas do que à apresentação de modelos novos e sustentáveis. O eleitorado anda cansado e os poderes da República não ajudam a mudar a percepção.

Para evitar essa ameaça, Tarcísio desponta como nome mais promissor. Equilibrado e moderado, ele se apresenta como uma alternativa viável à radicalização da direita, com um perfil reconhecido positivamente por setores da sociedade civil e do mundo político. Sua capacidade de unir a direita e dialogar com o centro o posiciona como o candidato com maior potencial de competitividade em um cenário polarizado. Até mesmo alas mais radicais do bolsonarismo, como a liderada pelo deputado Nikolas Ferreira, reconhecem que Tarcísio é o nome com maiores chances reais de derrotar Lula em 2026.

Esse seu poder aglutinador aparece com todas as letras nas palavras de Gilberto Kassab publicadas no Estadão: “Se o Tarcísio fosse candidato, mas não será, o Caiado já me disse que não sairia candidato, Ratinho, Tereza (Cristina, senadora), Zema (também apoiariam) (…) O Tarcísio não saindo, eu entendo que muito provavelmente cada partido de centro-direita vai lançar seu candidato.”

Kassab faz política de forma fiorentina, sutil. Primeiro reafirma que Tarcísio não será candidato – e esse tem de ser o discurso de quem é o principal conselheiro do governador paulista – para em seguida alertar para o risco do campo em que se encontram ficar pulverizado em diversas candidaturas, fenômeno do qual Lula poderia ser o principal beneficiário. No caso da fragmentação desse campo, o próprio PSD lançará a candidatura do atual governador do Paraná, Ratinho Jr.

Esse sentimento de Tarcísio como elemento agregador de um vasto campo encontra eco entre o empresariado, o agronegócio, em parte importante do universo evangélico e em lideranças de diversos partidos políticos. Se é assim, por que ela ainda não se concretizou e o governador paulista se comporta de forma cautelosa de modo a não queimar na largada?

O obstáculo chama-se Jair Bolsonaro, cuja estratégia é levar sua candidatura até a undécima hora e só quando seu registro for negado lançar um nome de sua confiança. É a reprodução do que fez Lula em 2018, numa estratégia de marcar posição para “preservar seu legado”, mesmo que isso custe uma derrota eleitoral.

Mas as circunstâncias hoje são outras. Em 2018, por contar com um partido estruturado com capilaridade, Lula pôs o seu preposto eleitoral Fernando Haddad no segundo turno. Não há garantias de que Bolsonaro repetirá a façanha. Essa estratégia embute o risco de queimar seu capital político e definhar como líder da direita.

Tudo tem seu timing. Hoje se colocar como opção de candidatura da direita é heresia. Se isto for feito de forma pública, soará como traição, pecha que não se aplica a Tarcísio Freitas dado a sua fidelidade ao ex-presidente que o lançou na política.

O que pode levar Bolsonaro a mudar de estratégia? Certamente terá peso o surgimento de um movimento de fora para dentro do bolsonarismo, surgido a partir de setores da sociedade civil e dos partidos políticos em torno de uma candidatura unitária em oposição a Lula. Bolsonaro é um político mercurial, que não houve ninguém e desconfia que todos conspiram contra ele. Mas pode ser convencido do risco de sua estratégia diante da possibilidade de ficar absolutamente isolado, com sua tropa tendo um desempenho eleitoral vexaminoso e correr o ônus de ser o responsável pela divisão da direita.

Um outro fator pode falar mais alto. Diante de uma pena rigorosa, Bolsonaro pode ser condenado a ficar anos na prisão. Nessa hipótese, pode ouvir o conselho de que a única maneira de se beneficiar de um indulto mais à frente é tendo na presidência da República um aliado. Sem dúvida isso entrará em seus cálculos, após o julgamento no STF.

Tarcísio acerta em jogar parado e respeitar o timing político de Bolsonaro. Tem a vantagem ainda de não antecipar a polarização com Lula, não ficando desnecessariamente exposto ao fogo das forças governistas.

Por isso deixa as águas seguirem seu curso em direção ao mar e espera o tempo da decantação da política. É a postura mais sábia. Ao menos, até o final do ano.

Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

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