{"id":208384,"date":"2025-03-23T11:02:48","date_gmt":"2025-03-23T14:02:48","guid":{"rendered":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/agencia5jf\/208384"},"modified":"2025-03-23T11:02:48","modified_gmt":"2025-03-23T14:02:48","slug":"o-orcamento-entre-anoes-e-gigantes-por-gustavo-krause","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/agencia5jf\/208384","title":{"rendered":"O or\u00e7amento entre an\u00f5es e gigantes (por Gustavo Krause)"},"content":{"rendered":"
Sempre tive um certo fasc\u00ednio pelo Parlamento, a despeito da crise de confian\u00e7a do Poder Legislativo perante a opini\u00e3o p\u00fablica. E explico. Depois de sucessivas experi\u00eancias no Executivo (Secretaria da Fazenda, Vice e Governador), decidi, me candidatar a Vereador (1988), contrariando pondera\u00e7\u00f5es sinceras que apontavam para uma prov\u00e1vel elei\u00e7\u00e3o para C\u00e2mara Federal em 1990.<\/p>\n
Respeitosamente, contra-argumentava que n\u00e3o havia hierarquia entre mandatos populares: que a aproxima\u00e7\u00e3o do poder local com a popula\u00e7\u00e3o era um precioso aprendizado e que a qualidade da representa\u00e7\u00e3o tinha quatro anos de prazo de validade.<\/p>\n
Deu certo. Um velho amigo de meu pai, experiente vereador, me deu alguns conselhos que recebi e, dois deles, guardei, para sempre: \u201caqui GK todos s\u00e3o iguais perante os votos recebidos e suficientes para obter o mandato; aqui ningu\u00e9m acerta sozinho nem \u00e9 sabich\u00e3o, enfatizava, ou acertamos todos ou erramos todos\u201d. Aplicou, assim, uma dose cavalar de vacina contra a doen\u00e7a do individualismo e da perigosa vaidade, enfermidade ocupacional dos pol\u00edticos. Em s\u00edntese, ensinava: divida a colheita das boas ideias; elas servem para todos, sobretudo, para os eleitores, ju\u00edzes da nossa conduta.<\/p>\n
A chegar a Bras\u00edlia, 1991, do\u00eda no meu costado de ne\u00f3fito a afiada ironia de um grande personagem da pol\u00edtica brasileira, ainda em voga: \u2013 Voc\u00ea achou a legislatura passada ruim? Ent\u00e3o espere pela pr\u00f3xima. Assustado, pensava eu: praga ou profecia? Em qualquer hip\u00f3tese, j\u00e1 estava no preju\u00edzo. A\u00ed me lembrei do dito popular: \u201ccachorro novo n\u00e3o entra muito mato\u201d. Pedi o socorro \u00e0 experi\u00eancia de alguns amigos que conheciam o of\u00edcio.<\/p>\n
O primeiro foi curto e grosso: humildade no trato, firmeza nas ideias; escutar mais do que falar: o idioma \u00e9 o di\u00e1logo, o caminho, a busca de consensos; se junte com boas companhias que t\u00eam sempre algo a acrescentar. N\u00e3o esque\u00e7a que o antagonismo \u00e9 fecundo; e a harmonia das contradi\u00e7\u00f5es o final feliz de uma conviv\u00eancia civilizada.<\/p>\n
In\u00edcio de legislatura, a defini\u00e7\u00e3o de parlamentares para comiss\u00f5es tem\u00e1ticas \u00e9 o assunto dominante e deve refletir o poder dos partidos e de quadros habilitados para exercer um papel tecnicamente qualificado. Curiosamente, fui procurado, mais da conta, achava eu, por colegas me estimulando a ocupar uma das cadeiras da Comiss\u00e3o Mista do Or\u00e7amento.<\/p>\n
Intrigado com o ass\u00e9dio, fui \u00e0 procura de um dos meus colegas mais experientes, relatei o fato e ouvi uma gentil, por\u00e9m, inflex\u00edvel opini\u00e3o: \u2013 GK, agrade\u00e7a a distin\u00e7\u00e3o. Alegue que \u00e9 um assunto partidariamente resolvido e, delicadamente, aconselhou, fa\u00e7a um esfor\u00e7o para evitar que no seu curr\u00edculo de parlamentar conste a passagem pela Comiss\u00e3o Mista do Or\u00e7amento.<\/p>\n
N\u00e3o entendi. N\u00e3o perguntei o porqu\u00ea. Como o tempo \u00e9 senhor da raz\u00e3o, a legislatura, ficou marcada pelo esc\u00e2ndalo dos An\u00f5es do Or\u00e7amento que favorecia com emendas parlamentares entidades filantr\u00f3picas, empresas laranjas, empreiteiros ligados a deputados, cujo chefe, Jo\u00e3o Alves justificou seus ganhos pelo acerto na loteria 56 vezes no ano de 1993.<\/p>\n
Em junho de 2025, completa 810 anos o documento (1215) que deu origem ao or\u00e7amento baseado no princ\u00edpio de que \u201csem representa\u00e7\u00e3o, n\u00e3o h\u00e1 taxa\u00e7\u00e3o\u201d e que \u201cnenhum homem livre seria punido sem que fosse submetido \u00e0s leis da \u00e9poca\u201d, o princ\u00edpio do devido processo legal. O Rei Jo\u00e3o Sem Serra, a contragosto, assinou a Carta Magna que passou a vigorar no ano seguinte \u00e0 sua morte (1216).<\/p>\n
Quase milenares, os fundamentos da Carta Magna significam limita\u00e7\u00f5es ao exerc\u00edcio do poder. Nem por isto est\u00e3o a salvo do desrespeito dos d\u00e9spotas e dos governantes corruptos.<\/p>\n
No Brasil, o or\u00e7amento vem sendo erodido, nas duas \u00faltimas d\u00e9cadas, por um conflito de interesse cuja magnitude afeta o equil\u00edbrio dos poderes e, vai mais al\u00e9m, aprofunda as disfuncionalidades dos sistemas pol\u00edtico e eleitoral de tal forma que compromete a governabilidade.<\/p>\n
Recorro \u00e0 arguta observa\u00e7\u00e3o de Nelson Jobim, raro pol\u00edtico e pensador que viveu a experi\u00eancia nas tr\u00eas esferas de poder: \u201cPor detr\u00e1s da disfuncionalidade est\u00e1 a supremacia do individualismo que torna o parlamentar mais importante do que o partido e o Ministro do STF, mais importante do que o Supremo. O resultado \u00e9 um imbr\u00f3glio que compromete as atribui\u00e7\u00f5es prec\u00edpuas de cada poder. Isto se agrava com os desarranjos circunstanciais, como \u00e9 o caso do Executivo\u201d.<\/p>\n
Enfim, n\u00e3o h\u00e1 mais \u201can\u00f5es do or\u00e7amento\u201d; existem os \u201cgigantes das emendas parlamentares\u201d, devidamente institucionalizados.<\/p>\n
\u00a0<\/p>\n
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda\u00a0<\/em><\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Sempre tive um certo fasc\u00ednio pelo Parlamento, a despeito da crise de confian\u00e7a do Poder Legislativo perante a opini\u00e3o p\u00fablica. E explico. Depois de sucessivas experi\u00eancias no Executivo (Secretaria da Fazenda, Vice e Governador), decidi, me candidatar a Vereador (1988), contrariando pondera\u00e7\u00f5es sinceras que apontavam para uma prov\u00e1vel elei\u00e7\u00e3o para… Continue lendo → <\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"class_list":["post-208384","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-sem-categoria"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/208384","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=208384"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/208384\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=208384"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=208384"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=208384"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}