{"id":217636,"date":"2025-04-05T11:03:16","date_gmt":"2025-04-05T14:03:16","guid":{"rendered":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/agencia5jf\/217636"},"modified":"2025-04-05T11:03:16","modified_gmt":"2025-04-05T14:03:16","slug":"adolescencia-o-odio-as-mulheres-por-bruna-camilo-e-camila-galetti","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/agencia5jf\/217636","title":{"rendered":"Adolesc\u00eancia \u2013 O \u00f3dio \u00e0s mulheres (Por Bruna Camilo e Camila Galetti)"},"content":{"rendered":"
\n

A s\u00e9rie brit\u00e2nica\u00a0Adolesc\u00eancia\u00a0tem sido amplamente elogiada por sua abordagem realista dos temas que se prop\u00f5e a discutir. O uso de tomadas cont\u00ednuas cria uma sensa\u00e7\u00e3o de imediaticidade, aumentando o impacto emocional da hist\u00f3ria. Cr\u00edticos e espectadores a consideram um divisor de \u00e1guas nas plataformas de\u00a0streaming,\u00a0com elogios \u00e0 sua narrativa envolvente, t\u00e9cnicas de grava\u00e7\u00e3o e atua\u00e7\u00f5es convincentes. No entanto, para al\u00e9m das t\u00e9cnicas e interpreta\u00e7\u00f5es, o conte\u00fado dos epis\u00f3dios denuncia uma epidemia que tem invadido a vida dos meninos e homens: o \u00f3dio contra meninas e mulheres. Embora n\u00e3o seja \u00e9 poss\u00edvel datar quando masculinistas e outros grupos mis\u00f3ginos come\u00e7aram a se organizar, fato \u00e9 que, com a internet, inauguramos outra forma de acesso \u00e0 informa\u00e7\u00e3o, organiza\u00e7\u00e3o de pessoas e, tamb\u00e9m, de \u00f3dio e desinforma\u00e7\u00e3o. Contudo, precisamos compreender algo que \u00e9 anterior \u00e0 internet: a socializa\u00e7\u00e3o masculina.<\/p>\n

\n
<\/div>\n<\/div>\n

A socializa\u00e7\u00e3o masculina \u00e9 carregada de viol\u00eancia, performances cis e heteronormativas. Desde o momento em que se descobre que o beb\u00ea possui um p\u00eanis, a sociedade projeta sobre ele expectativas e comportamentos que refor\u00e7am a masculinidade hegem\u00f4nica, como se a genit\u00e1lia determinasse, de forma incontest\u00e1vel, sua identidade de g\u00eanero. O que chamamos aqui de masculinidade hegem\u00f4nica \u00e9 um conjunto de comportamentos e caracter\u00edsticas comuns perpetuadas por meio da estrutura patriarcal. Assim, homens s\u00e3o socializados a n\u00e3o chorar, expor agressividade, reafirmar constantemente uma postura de for\u00e7a e controle e muito menos expor seus sentimentos e fragilidades, consolidando um modelo de masculinidade que oprime tanto a eles pr\u00f3prios como \u00e0queles ao seu redor.<\/p>\n

\n
<\/div>\n<\/div>\n

Embora o personagem principal n\u00e3o esbo\u00e7asse nenhuma a\u00e7\u00e3o violenta, a internet mostrou a ele um espa\u00e7o de organiza\u00e7\u00e3o do ressentimento por meninas e, posteriormente, a viol\u00eancia foi escancarada e, ao mesmo tempo, silenciosa. Essa pr\u00e1tica contra si e contra os \u201cinimigos\u201d \u00e9 uma forma, se n\u00e3o a principal, de demonstrar sua virilidade, pot\u00eancia, pertencimento a grupo, mas, principalmente, vingan\u00e7a contra quem n\u00e3o se submete. O soci\u00f3logo Daniel Welzer-Lang apontou que a legitimidade de um homem em seu grupo n\u00e3o se restringe \u00e0 nega\u00e7\u00e3o da feminilidade, mas tamb\u00e9m em sua contundente deprecia\u00e7\u00e3o. Diante disso, \u00e9 poss\u00edvel afirmar que o homem, em busca de seu espa\u00e7o de pertencimento, performe misoginia como passaporte de aceita\u00e7\u00e3o, socializa\u00e7\u00e3o e respeito perante os demais. A forma como os homens socializam e constroem suas identidades afeta n\u00e3o somente a si, mas, sobretudo, as mulheres, que se submetem ao masculino por meio da viol\u00eancia.<\/p>\n

A socializa\u00e7\u00e3o mis\u00f3gina entre adolescentes homens \u00e9 um tema complexo e preocupante, especialmente quando associado \u00e0 cultura incel e \u00e0 chamada \u201cmachosfera\u201d. Essas comunidades online promovem ideologias que frequentemente justificam o \u00f3dio contra as mulheres e refor\u00e7am estere\u00f3tipos de masculinidade tradicional, que podem levar a comportamentos perigosos e violentos. A cultura incel, ou seja, os celibat\u00e1rios involunt\u00e1rios, \u00e9 composta por homens ditos heterossexuais, majoritariamente jovens, que se sentem infelizes e frustrados por causa da falta de rela\u00e7\u00f5es sexuais ou rom\u00e2nticas com meninas e mulheres. Eles frequentemente se re\u00fanem em f\u00f3runs online, onde discutem temas mis\u00f3ginos e a ideia de que s\u00e3o v\u00edtimas de uma sociedade que lhes nega o direito ao sexo. Ou seja, conforme o pensamento incel, \u00e9 responsabilidade das mulheres a dificuldade em socializar.<\/p>\n

\n
\n
<\/div>\n<\/div>\n<\/div>\n

A s\u00e9rie n\u00e3o apenas denuncia a ascens\u00e3o do \u00f3dio contra meninas e mulheres, mas tamb\u00e9m nos leva a questionar suas ra\u00edzes. Para entender como esse fen\u00f4meno se estrutura e se perpetua, \u00e9 essencial voltar ao ponto de partida: a forma como os meninos s\u00e3o socializados.<\/p>\n

A rela\u00e7\u00e3o entre a internet e a misoginia cometida por jovens \u00e9 marcada pela\u00a0amplifica\u00e7\u00e3o de discursos de \u00f3dio,\u00a0normaliza\u00e7\u00e3o de estere\u00f3tipos de g\u00eanero\u00a0e\u00a0monetiza\u00e7\u00e3o de conte\u00fados t\u00f3xicos, fatores que refor\u00e7am a viol\u00eancia simb\u00f3lica e f\u00edsica contra mulheres. Redes sociais, plataformas de v\u00eddeos e de mensagens se tornaram ferramentas fundamentais para a amplifica\u00e7\u00e3o da misoginia facilitando a dissemina\u00e7\u00e3o de ideias que violam os direitos das mulheres. A misoginia tem se tornado um produto rent\u00e1vel por meio de cursos, canais monetizados e comunidades que espalham a narrativa de vitimiza\u00e7\u00e3o masculina. Algoritmos t\u00eam entregado conte\u00fados mis\u00f3ginos para meninos e jovens, seja em formato de humor, informa\u00e7\u00f5es que geram curiosidade ou que despertam algum sentimento. Dessa forma, s\u00e3o alimentados por uma enxurrada de v\u00eddeos e postagens que os fazem se sentirem acolhidos, compreendidos e pertencentes a um grupo, nesse caso, de homens e meninos ressentidos.<\/p>\n

\n
<\/div>\n<\/div>\n

A internet enquanto um campo de disputa sem sido uma arena de batalhas nesse sentido. De um lado grupos mis\u00f3ginos e masculinistas cooptando meninos e homens, do outro a busca pela dissemina\u00e7\u00e3o de informa\u00e7\u00f5es sobre educa\u00e7\u00e3o, direitos humanos, combate \u00e0s viol\u00eancias e desinforma\u00e7\u00f5es. Mas, afinal, existe ganhador nessa batalha? O perdedor j\u00e1 temos, a sociedade. Viver em uma sociedade patriarcal estruturada no racismo, machismo e outras viol\u00eancias \u00e9 secularmente um desafio. Quando essa estrutura recebe o apoio das tecnologias, nos deparamos com desafios ainda mais dif\u00edceis de lidar. Como monitorar nossos jovens sem sufoc\u00e1-los? Tudo \u00e9 responsabilidade da escola e da fam\u00edlia?<\/p>\n

bell hooks nos lembra que para criar uma crian\u00e7a precisamos de toda uma comunidade. Sim, \u00e9 necess\u00e1rio compreendermos que viver em coletivo \u00e9 nos responsabilizarmos coletivamente por todos e todas, para al\u00e9m dos n\u00facleos familiares. No entanto, o neoliberalismo mina essa perspectiva ao promover o individualismo como ideal, levando \u00e0 precariza\u00e7\u00e3o das vidas sob a falsa promessa de uma prosperidade alcan\u00e7ada unicamente pelo esfor\u00e7o pessoal. Essa l\u00f3gica ignora as desigualdades estruturais e desresponsabiliza o coletivo, tornando cada indiv\u00edduo o \u00fanico respons\u00e1vel por seu sucesso ou fracasso.<\/p>\n

\n
<\/div>\n<\/div>\n

Vemos essa din\u00e2mica refletida nas escolas retratadas em \u201cAdolesc\u00eancia\u201d: professores exaustos e sobrecarregados, alunos ansiosos, agitados e frequentemente rotulados como \u201ccasos perdidos\u201d. O sistema educacional, operando dentro da l\u00f3gica neoliberal, n\u00e3o oferece suporte adequado para docentes nem para estudantes, priorizando desempenho e produtividade em detrimento do bem-estar e da forma\u00e7\u00e3o humana. Dessa forma, educar jovens nesse contexto significa prepar\u00e1-los para uma vida adulta marcada pelo esgotamento, pelo ressentimento e, muitas vezes, pela viol\u00eancia. Pensar em solu\u00e7\u00f5es, portanto, exige muito mais do que ajustes pontuais; requer uma reflex\u00e3o profunda sobre o modelo de sociedade que queremos construir. Uma sociedade verdadeiramente comprometida com o bem-estar coletivo deve superar a l\u00f3gica neoliberal e recuperar a no\u00e7\u00e3o de responsabilidade compartilhada na educa\u00e7\u00e3o e na vida em comunidade.<\/p>\n

\u00a0<\/p>\n

Bruna Camilo \u00e9 doutora em Sociologia pela PUC-Minas. Camila Galetti\u00a0\u00e9 doutora em Sociologia pela Universidade de Bras\u00edlia<\/em><\/p>\n

\n
<\/div>\n<\/div>\n

Artigo transcrito do Le Monde Diplomatique Brasil +<\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

A s\u00e9rie brit\u00e2nica\u00a0Adolesc\u00eancia\u00a0tem sido amplamente elogiada por sua abordagem realista dos temas que se prop\u00f5e a discutir. O uso de tomadas cont\u00ednuas cria uma sensa\u00e7\u00e3o de imediaticidade, aumentando o impacto emocional da hist\u00f3ria. Cr\u00edticos e espectadores a consideram um divisor de \u00e1guas nas plataformas de\u00a0streaming,\u00a0com elogios \u00e0 sua narrativa envolvente,… Continue lendo → <\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"class_list":["post-217636","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-sem-categoria"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/217636","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=217636"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/217636\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=217636"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=217636"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia5.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=217636"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}