Quando o Presidente Biden ponderar a pol\u00edtica americana em rela\u00e7\u00e3o a Gaza, pense num acad\u00eamico gentil chamado Mohammed Alshannat.<\/p>\n
Alshannat \u00e9 um palestino em Gaza que, no in\u00edcio da guerra, trabalhava remotamente em seu doutorado. Disserta\u00e7\u00e3o em lingu\u00edstica pela Universidade de Rhodes, na \u00c1frica do Sul. Ele \u00e9 o oposto do Hamas, pois nos seus escritos criticou os atentados suicidas e os lan\u00e7amentos de foguetes. Ele admira a democracia europeia e defende que \u00e1rabes e judeus podem viver em harmonia.<\/p>\n
Tenho enviado mensagens de texto para ele durante a guerra, mas seu principal contato externo tem sido Lindsay Houghton, uma colega de doutorado em Rhodes.\u00a0Com a permiss\u00e3o de Alshannat, estou citando seus textos. N\u00e3o posso verificar de forma independente o que ele escreve, mas combina com o que os trabalhadores humanit\u00e1rios descrevem.\u00a0Cortei o comprimento, mas ele escreveu em ingl\u00eas e estas s\u00e3o suas palavras:<\/p>\n
11 de outubro<\/strong>: A situa\u00e7\u00e3o em Gaza \u00e9 muito grave.\u00a0Perdoe-me porque n\u00e3o pude responder antes.\u00a0Eu estava correndo para salvar minha vida.\u00a0Ore por n\u00f3s, por favor!<\/p>\n 25 de outubro<\/strong>: Meus filhos est\u00e3o muito, muito doentes.\u00a0Eles est\u00e3o doentes, com fome, com sede e com medo.\u00a0Meu rem\u00e9dio para pedra nos rins acabou e tenho bebido \u00e1gua salgada.\u00a0Por favor, ore por meus filhos!<\/p>\n 26 de outubro<\/strong>: Ontem \u00e0 noite, houve fortes bombardeios em nossa \u00e1rea.\u00a0Corremos para salvar nossas vidas e perdi dois dos meus filhos no escuro.\u00a0Eu e minha esposa passamos a noite toda procurando por eles em meio a centenas de ataques a\u00e9reos.\u00a0Sobrevivemos milagrosamente a um ataque a\u00e9reo e os encontramos desmaiados pela manh\u00e3.\u00a0Por favor, ore por n\u00f3s!<\/p>\n 4 de novembro<\/strong>: Por favor, perdoe-me por n\u00e3o poder responder \u00e0s suas mensagens, pois estamos constantemente correndo de um lugar para outro.\u00a0A conex\u00e3o com a Internet n\u00e3o \u00e9 est\u00e1vel e \u00e9 preciso esperar tr\u00eas dias s\u00f3 para carregar o celular.\u00a0Meus filhos n\u00e3o conseguem se movimentar muito porque s\u00f3 comemos meia refei\u00e7\u00e3o por dia e n\u00e3o consigo mais carreg\u00e1-los.\u00a0Defecamos ao ar livre e meus filhos defecam sozinhos e n\u00e3o h\u00e1 \u00e1gua para limp\u00e1-los.<\/p>\n 14 de novembro<\/strong>: Estamos comendo folhas de \u00e1rvores.<\/p>\n 30 de novembro:<\/strong>\u00a0Ficamos completamente isolados do mundo nos \u00faltimos 15 dias.\u00a0Minha irm\u00e3 precisa de uma cirurgia urgente.\u00a0Ela est\u00e1 morrendo lentamente diante de nossos olhos e n\u00e3o podemos fazer nada a respeito.\u00a0O nome dela \u00e9 Fatemah e ela \u00e9 m\u00e3e de quatro filhos.\u00a0Ore por ela e por n\u00f3s!<\/p>\n 1\u00ba de dezembro<\/strong>\u00a0[depois de uma pausa de uma semana na luta]: Consegui um pouco de farinha, g\u00e1s e azeite.\u00a0Isso nos sustentar\u00e1 pelas pr\u00f3ximas duas semanas.\u00a0Temos \u00e1gua limpa agora.\u00a0Dormimos nos \u00faltimos sete dias.\u00a0Ore por n\u00f3s, por favor!\u00a0A guerra recome\u00e7ou \u00e0s 7h de hoje.<\/p>\n 4 de dezembro<\/strong>: Fatemah ainda n\u00e3o fez sua cirurgia urgente.\u00a0O mundo nos abandonou.\u00a0Ore por n\u00f3s, por favor!<\/p>\n 27 de janeiro<\/strong>: Meu filho ficou gravemente ferido em 22 de dezembro. Um grande estilha\u00e7o atingiu seu flanco direito.\u00a0Ele tem 13 anos e se machucou enquanto corr\u00edamos para salvar nossas vidas.\u00a0Os hospitais est\u00e3o fora de servi\u00e7o e tive que carreg\u00e1-lo sangrando sob forte bombardeio de artilharia por duas horas.\u00a0Encontrei um m\u00e9dico que estava abrigado em uma escola, ele se arriscou e salvou a vida do meu filho.\u00a0Ele passou por uma cirurgia complicada mais tarde e ainda n\u00e3o consegue andar.\u00a0Ele est\u00e1 muito doente e sofre de desnutri\u00e7\u00e3o.\u00a0Estou com medo e cansado at\u00e9 os ossos.\u00a0Levei 36 dias s\u00f3 para conseguir essa conex\u00e3o com a internet para enviar uma mensagem pelo WhatsApp.\u00a0Por favor, ore por n\u00f3s!<\/p>\n 6 de fevereiro<\/strong>: Minha irm\u00e3 Fatemah ainda n\u00e3o fez a cirurgia e ainda est\u00e1 esperando no hospital no sul.\u00a0Os filhos dela est\u00e3o conosco no norte e continuam perguntando pela m\u00e3e.\u00a0Fatemah quer voltar para o norte, mas Israel n\u00e3o permite que os do sul voltem para o norte.\u00a0Ela n\u00e3o quer morrer sozinha no hospital.\u00a0Ela quer morrer cercada por seus filhos e fam\u00edlia.\u00a0N\u00e3o h\u00e1 ningu\u00e9m que nos ajude a lev\u00e1-la para o norte para morrer e ser enterrada aqui.<\/p>\n Ainda estou no norte com minha fam\u00edlia.\u00a0Estamos passando por uma grande fome.\u00a0A sa\u00fade do meu filho ferido est\u00e1 a deteriorar-se devido \u00e0 fome.\u00a0N\u00e3o h\u00e1 leite, carne, vegetais, frutas ou qualquer coisa para aliment\u00e1-lo.\u00a0Ele perdeu a maior parte do peso.\u00a0Os medicamentos e outras coisas desapareceram completamente dos mercados.\u00a0O rem\u00e9dio para diabetes da minha m\u00e3e acabou e ela est\u00e1 muito, muito doente.\u00a0Meus filhos choram de fome o tempo todo.\u00a0As pessoas esperam que Israel nos destrua com armas nucleares para que nos livremos desta dor.<\/p>\n 11 de fevereiro<\/strong>: O arroz, do qual temos vivido nos \u00faltimos quatro meses, desapareceu completamente dos mercados.\u00a0Eu e minha esposa decidimos fazer uma refei\u00e7\u00e3o a cada dois dias apenas para manter nossos filhos vivos o m\u00e1ximo que pudermos.\u00a0O que nos resta \u00e9 feno.\u00a0Come\u00e7amos a moer, assar e comer.\u00a0Como come\u00e7amos a comer p\u00e3o de feno, agora defecamos sangue misturado com feno.<\/p>\n Perdi minha casa, meu carro e minha fazenda de oliveiras.\u00a0Ontem minha prima perdeu o beb\u00ea de 2 meses porque n\u00e3o tem leite para amamentar, porque n\u00e3o tem nada para ela comer.\u00a0Ele era apenas ela e ela tem 45 anos.\u00a0Ela tamb\u00e9m perdeu a casa e o marido em dezembro.\u00a0Ela \u00e9 uma neurocirurgi\u00e3 brilhante.\u00a0Ela est\u00e1 recusando comida e n\u00e3o disse uma palavra desde ent\u00e3o.<\/p>\n 29 de fevereiro<\/strong>: Quando o ex\u00e9rcito israelense invade uma \u00e1rea, corremos para locais mais seguros.\u00a0Quando eles se retiram, permanecem algumas sobras dos soldados israelenses, como latas de atum, p\u00e3o, etc.\u00a0Meu primo, Esa, pensou que eles haviam se retirado e correu rapidamente na esperan\u00e7a de encontrar sobras para comer.<\/p>\n Depois que o ex\u00e9rcito israelense finalmente se retirou, n\u00f3s o encontramos morto, podre e meio comido por c\u00e3es selvagens.\u00a0Ele parecia estar carregando algumas latas de atum.\u00a0N\u00e3o pudemos enterr\u00e1-lo porque seu corpo estava muito decomposto.\u00a0Cobrimos ele com areia e o deixamos.<\/p>\n Seu nome \u00e9 Esa Alshannat.\u00a0Ele tinha 20 anos.\u00a0Ele era um estudante do segundo ano do departamento de ci\u00eancia da computa\u00e7\u00e3o da Universidade de Gaza.\u00a0Ele era um pianista brilhante que queria se formar em m\u00fasica na It\u00e1lia.\u00a0Ainda me lembro do meu \u00faltimo encontro com ele.\u00a0Ele tinha grandes sonhos e estava cheio de esperan\u00e7a, paz e amor.\u00a0Ele estava com muita fome e muito magro.\u00a0Est\u00e1vamos dizendo um ao outro que, apesar do que nos est\u00e1 sendo infligido, n\u00e3o temos nada contra os israelenses, a n\u00e3o ser o amor.<\/p>\n ***<\/strong><\/p>\n Essa foi a \u00faltima mensagem de Alshannat.<\/p>\n Cerca de\u00a01%\u00a0da popula\u00e7\u00e3o de Gaza hoje \u00e9 combatente do Hamas.\u00a0Para compreender o que os outros 99% por cento est\u00e3o a suportar, enquanto os Estados Unidos fornecem armas para esta guerra e vetam resolu\u00e7\u00f5es de cessar-fogo nas Na\u00e7\u00f5es Unidas, pense em Alshannat e multiplique-o por dois milh\u00f5es.<\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Quando o Presidente Biden ponderar a pol\u00edtica americana em rela\u00e7\u00e3o a Gaza, pense num acad\u00eamico gentil chamado Mohammed Alshannat. 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