Project 2025 e Trump: plano conservador provoca controvérsias

Project 2025: Plano ultraconservador do futuro governo Trump não é bem recebido pela sociedade americana

Tatiana Teixeira, Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU); Andressa Mendes, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e Thiago Oliveira, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas

Publicado em 2022 e detalhado na última versão do Mandato para Liderança do Partido Republicano, as ideias propostas para o futuro governo Trump contidas no chamado Project 2025 não têm sido bem recebidas pela sociedade americana. Por conta disso, o futuro presidente tem se mantido distante do projeto – ao menos no âmbito discursivo.

Diante da reação negativa ao conjunto das propostas, Trump negou ter qualquer envolvimento com a autoria do documento, chegando a afirmar em sua rede social, a Truth Social, não ter ideia de quem estava por trás do plano, além de declarar que algumas das propostas seriam “absolutamente ridículas e abismais”.

Apesar disso, ao menos 140 pessoas ligadas ao plano foram funcionários, ou tiveram envolvimento com o republicano, em seu primeiro mandato (2017-2021), como Christopher Miller (secretário da Defesa, 2020-2021), Kiron K. Skinner (diretora de Planejamento de Políticas do Departamento de Estado, 2018-2019) e Peter Navarro (diretor do Conselho Nacional de Comércio da Casa Branca, 2017-2021).

Donald Trump - Foto: Shaleah Craighead
Donald Trump – Foto: Shaleah Craighead

Essa expressa ligação entre Trump e os colaboradores do Project 2025, como aliados, conselheiros e ex-membros de sua equipe, dificulta os esforços adotados pela campanha do presidente eleito de se desvincular da iniciativa. Nomes indicados até o momento para o novo governo mostram uma adoção, direta e indireta, de pessoal e propostas contidas no Mandato para Liderança.

Uma figura importante nesse contexto é Russell Vought, chave no Project 2025 e autor de parte da Segunda Seção do Mandato de Liderança. Vought foi escolhido para liderar o Escritório de Administração e Orçamento. Como o presidente da Heritage Foundation, Kevin D. Roberts, disse ao jornal The New York Times, o papel da Heritage e do Project 2025 é o de “institucionalizar o trumpismo” e consolidá-lo como um aspecto perene da política americana. Também há uma sobreposição significativa entre o manuale os planos articulados por Trump em discursos e em sua agenda da campanha de 2024, a Agenda 47.

As quatro promessas conservadoras do Project 2025

Em suas 887 páginas, o Mandato para Liderança é subdividido em cinco áreas essenciais de atuação para 2025:

(1) “Assumindo as rédeas do Governo”, com enfoque no gabinete da Casa Branca e no time do Executivo diretamente ligado ao próximo presidente;

(2) “A Defesa Comum”, com recomendações para os Departamentos de Defesa (DoD), Segurança Interna (DHS), de Estado (DoS), agências de mídia governamental e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID);

(3) “O Bem-Estar Geral”, englobando os Departamentos de Agricultura, Educação, Energia, Trabalho, Transporte, Assuntos de Veteranos, Moradia e Desenvolvimento Urbano, e do Interior, além da Agência de Proteção Ambiental (EPA) e do Departamento de Justiça (DoJ);

(4) “A Economia”, contendo recomendações para o Fed (Federal Reserve System), a Administração de Pequenos Negócios (Small Business Administration), os Departamentos de Comércio e do Tesouro e para o Export-Import Bank (agência oficial de crédito para a exportação);

(5) “Agências Reguladoras Independentes”, como a Comissão Federal de Comunicações (FEC), a Eleitoral e a de Comércio.

Project 2025 - Foto: Wikimedia Commons
Project 2025 – Foto: Wikimedia Commons

Ao longo do documento, podem ser encontradas quatro grandes promessas elaboradas para conquistar corações e mentes conservadoras. A primeira delas tem por objetivo “restaurar a família como o ponto central da vida americana e proteger as crianças”, para combater uma centralização do poder político que substitui “o amor e lealdades naturais” de pessoas por “amores não-naturais” e “subverte a família”.

Essa promessa postula, ainda, a eliminação de termos como “orientação sexual”, “identidade de gênero”, “diversidade equidade e inclusão” (conhecidas como práticas de DEI), “igualdade de gênero”, “conscientização de gênero”, “sensibilidade ao gênero”, “aborto”, “saúde reprodutiva”, “direitos reprodutivos” e outros que privem indivíduos de seus direitos de livre-expressão de ideias.

Na mesma linha, a pornografia – descrita como um “produto mais viciante que drogas ilícitas” – deve ser colocada na ilegalidade, com aqueles que a produzem e disseminam. Teorias socioeducativas que busquem abordar temáticas como racismo e inclusividade LGBTQIAPN+ devem ser retiradas do currículo escolar por “envenenar as crianças”. Além disso, a derrubada do acesso ao aborto sem restrições governamentais em 2022 deve ser comemorada e expandida, promulgando proteções robustas para os não nascidos e cortando o financiamento federal ao aborto legal.

A segunda promessa busca “desmantelar o Estado administrativo e devolver a autogovernança ao povo americano”. Classifica o atual orçamento federal como corrupto e não transparente, denuncia a presença de burocratas da “cultura woke” que auxiliam ativamente, por exemplo, na entrada de imigrantes em situação ilegal ao país e na promoção de uma propaganda histórica racista e antiamericana nas escolas, e ordenam distritos escolares a minarem os esportes femininos e os direitos parentais para satisfazer “extremistas transgêneros”. Para restabelecer a soberania nacional, limites fiscais e responsabilização constitucional do governo serão colocados em prática.

A terceira promessa, “defender a soberania, as fronteiras e a generosidade do país contra as ameaças globais”, denuncia o poder colocado nas mãos de uma elite altamente intelectualizada. Essa elite (de “esquerda”) defenderia o fim de fronteiras, do Estado-nação, a subjugação dos EUA por meio de tratados internacionais e a defesa de uma globalização que serve aos interesses do “genocida” Partido Comunista Chinês (PCC), sendo necessário pôr fim ao engajamento econômico bilateral.

Para isso, o “extremismo ambiental” da “esquerda” – alcançado pelo controle populacional e regressão da economia – deve ser combatido; as fronteiras, fechadas; o parque industrial do país, restaurado; organizações ligadas aos chineses, banidas do país (incluindo os Institutos Confúcio e o TikTok); e universidades que recebem dinheiro do PCC devem perder o credenciamento, a qualificação para receber fundos federais e suas cartas constitutivas – que reconhecem e permitem o funcionamento da instituição.

A última promessa visa a “garantir direitos individuais de viver livremente”, promovendo um retorno ao direito de “buscar a felicidade”, idealizado pelos Pais Fundadores. O governo Trump 2.0 deve defender a dinâmica da livre-iniciativa contra as “sombrias misérias do socialismo dirigido pela elite”, pois todas as experiências socialistas levam à pobreza e tirania. Logo, economias livres e liberdades individuais são a melhor forma de preservar esse direito.

Longe de serem apenas uma lista de desejos, essas promessas são a base ideológica do Projeto e são elementos essenciais do nacionalismo cristão: uma modalidade de nacionalismo, cuja identidade nacional de uma nação (e da população) deve obedecer a princípios e ideais cristãos. Contudo, a supremacia branca se faz presente nessa ideologia, perseguindo grupos minoritários sob justificativas religiosas.

Ao longo das cinco áreas de ação, o projeto é justamente denunciado por pesquisadores e centros de pesquisa por marginalizar ainda mais grupos minoritários no país, buscar desestabilizar as instituições, centralizando o poder no Executivo, atacar sistematicamente direitos reprodutivos e criminalizar o aborto.

Mesmo que algumas das propostas sejam abandonadas, a realidade do contexto político atual preocupa, assim como o fato de essas pautas estarem sendo retomadas e/ou naturalizadas e absorvidas pelo debate político e pela própria sociedade. Com maioria no Congresso, uma Suprema Corte bem mais conservadora e as recentes indicações controversas de nomes para o próximo governo, há uma crescente percepção de que boa parte do Projeto poderá ser implementada, mesmo que isso se dê de forma limitada, ou adaptada. Apesar de Trump negar qualquer relação com o Projeto, a realidade difere do discurso, assim como de sua recepção pela população do país.

Projeto impopular

A opinião da sociedade estadunidense tem se mostrado bastante desfavorável ao Project 2025. Ao longo de 2024, o número de cidadãos familiarizados com o Projeto aumentou, principalmente, devido à cobertura realizada pela mídia tradicional sobre ele. Quase metade dos entrevistados em pesquisa do Navigator Research viu, leu ou ouviu algo sobre o Projeto até outubro de 2024.

Segundo pesquisa do YouGov de julho de 2024, 48% dos entrevistados à época não sabiam dizer se tinham opinião favorável ou desfavorável sobre o Projeto, enquanto 39% eram-lhe desfavoráveis. Entre os democratas, 64% tinham opinião desfavorável e, entre os republicanos, o número era de apenas 12%. Quanto ao posicionamento sobre as propostas do Mandato para Liderança, a maioria dos democratas se opôs a oito das nove propostas apresentadas na enquete. Do lado republicano, das nove propostas, sete receberam suporte.

Em outubro de 2024, a percepção negativa não apenas permanece, como registrou ligeiro avanço, conforme pesquisa do Navigator Research, com 52% contra 13% favoráveis e 35% sem certeza da resposta (76% dos entrevistados democratas, 40% dos independentes, 35% dos republicanos não-MAGA e 24% dos republicanos MAGA).

Por fim, uma maioria (48%) dos cidadãos estadunidenses acredita que o Project 2025 descreve com precisão o que Trump representa. Similarmente, 47% concordam que o Project 2025 descreve com precisão o que os republicanos no Congresso defendem. Em uma pergunta aberta para os que leram, viram ou ouviram sobre o projeto, as palavras “Trump” e “aborto” foram as mais citadas.

O ponto que merece futuras reflexões é que, apesar da clara intersecção da plataforma de Trump com as ideias impopulares do Projeto, o republicano foi eleito. Baseadas no nacionalismo cristão e, consequentemente, em uma concepção supremacista branca, as promessas do Projeto resultariam em perdas de direitos para grande parte da população, em especial grupos minoritários, além de uma mudança drástica no corpo das instituições do país.

Se considerarmos que, neste ciclo eleitoral, Trump atraiu eleitores de perfil historicamente democrata, como homens afro-americanos, homens latinos e jovens, o quanto eles se identificam com as propostas do Project 2025, ou apenas votaram no republicano por outros motivos – por exemplo, econômicos –, é algo a ser analisado.

Tatiana Teixeira, Pesquisadora de pós-doutorado (INCT-INEU/CNPq) e editora-chefe, Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU); Andressa Mendes, Doutoranda em Relações Internacionais, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e Thiago Oliveira, Pesquisador colaborador do INCT-INEU/OPEU e doutorando, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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