Golpes do Pix: prejuízo médio das vítimas é maior que um salário mínimo

“Uma idiota”, foi a primeira coisa que a técnica de enfermagem Sônia (54)* pensou quando se deu conta que havia caído em um golpe por meio do Pix em 2023. Era fim de tarde quando ela recebeu um SMS dizendo que uma compra havia sido efetivada em seu cartão e que, para conferir o valor, era preciso acessar um link e fazer uma ligação. Depois disso, passaram-se poucos minutos até que R$ 5 mil fossem roubados de sua conta. 

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Na fraude, Sônia sofreu uma perda duas vezes maior em comparação à média do prejuízo das vítimas através de golpes de Pix, de R$ 2.100, que por sua vez supera o valor do salário mínimo atual (R$ 1.412). Além disso, sua despesa foi quase o triplo do valor médio dos danos das classes D e E, de R$ 1.500. 

É o que mostram os dados do “Estudo Golpe de Pix” feito pela Silvergard, fintech de proteção financeira digital e fundadora do SOS Golpe, uma instituição que faz a conexão gratuita entre vítima e sistema financeiro. Os números coletados foram dos atendimentos feitos pela entidade em 2023 e divulgados no fim de 2024. 


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R$ 5 mil perdidos após mensagem falsa

O caso de Sônia, relatado ao Canaltech, ocorreu depois de receber uma mensagem de texto que se assemelhava às notificações de bancos para informar que uma compra foi efetivada com o cartão de crédito ou débito.

Na abordagem, não havia o nome da loja nem o valor onde a suposta compra foi feita. Apenas um aviso que solicitava uma ligação para um número 0800 de uma suposta central de atendimento. “Você sente que precisa clicar para ver, conferir de que loja e qual o preço dessa tal compra”, explica a técnica de enfermagem.

Depois de clicar no número de telefone, a vítima foi direcionada para uma central de atendimento falsa que repetia uma mensagem automática sobre a compra feita. “Quando vi, eles tiraram tudo que tinha na minha conta mais o limite especial do banco. Fiquei sem rumo, me senti uma idiota”, conta Sônia, que recebe pouco mais de um salário mínimo por mês.

Com o golpe feito no final da tarde da véspera de um feriado em sua cidade no interior de São Paulo, ela não conseguiu ir até uma agência do banco de imediato. Sônia precisou se locomover até a cidade mais próxima para conseguir abrir um boletim de ocorrência para o caso. 

“Chegando lá quase não me atenderam devido ao horário e à falta de pessoal. Quando foram ver, a conta destinatária das transações era de um laranja que perdeu o documento ainda em 2020”, relembra. 

Produtos e serviços falsos lideram o ranking dos golpes

A fraude que Sônia sofreu entra para uma série de casos registrados no Brasil, com abordagens que utilizam o Pix para desviar dinheiro das vítimas através de golpes envolvendo ataques de phishing, táticas de engenharia social e afins.

Por outro lado, a fraude vivenciada por Sônia não chega a ser a mais recorrente. De acordo com a pesquisa “Estudo Golpe de Pix”, a categoria “Mensagem da central de atendimento/gerente”, quando há ligações envolvendo falsos atendentes de instituições financeiras, ocupa apenas 5% dos casos acompanhados em 2023. 

a modalidade “Produto/serviço da loja/perfil falso” se concentra na liderança. Neste caso, a vítima se depara com alguma oferta atraente em rede sociais e demais canais e efetua uma compra. No entanto, a pessoa não recebe o produto ou serviço adquirido mesmo após o pagamento e nem há um canal para receber o dinheiro de volta. 

Infográfico que mostra os golpes por pix por tipo e classe social
Golpes por classe social e idade (Infográfico: Danilo Berti/Canaltech)

Anna Carolina Tenguan (22) é universitária e foi vítima de um golpe do Pix em relação à divulgação de produtos e serviços fraudulentos. À reportagem, ela explica que ofereceram uma mala de mão e outra bolsa que era “impossível não clicar e comprar” em um anúncio com deepfake que apareceu em seu celular enquanto jogava.

“O anúncio mostrava a Gisele Bündchen falando sobre uma promoção de uma mala de mão de graça da Farm. Como eu não tinha noção dos preços dessa marca, eu fui comprar porque achei incrível”, conta. 

O golpe em questão foi gerado com o auxílio de uma ferramenta de inteligência artificial (IA) para manipular imagens de famosos e criar deepfakes, como ocorreu em situações anteriores no Instagram e no YouTube. A promessa era que, a partir da resposta de uma enquete que solicitava dados sensíveis, como o CPF e a numeração do cartão de crédito, a aquisição seria efetivada. Para finalizá-la, seria cobrada apenas uma taxa de frete.

Na conclusão da “compra”, Anna ainda pôde escolher outros produtos, como uma bolsa e uma garrafinha de água. “Só que, para finalizar tudo realmente, eu ainda precisava pagar uma taxa para emissão de nota fiscal. Eu não sabia que ela era gratuita e acabei pagando”, relembra.  

Ao todo, a estudante perdeu R$ 200 com o golpe. Diante da alta incidência desses casos, a própria grife publicou um aviso em seu perfil oficial do Instagram para informar que “não existe nenhuma ação oficial oficial oferecendo mala ou outro produto FARM”. A empresa orienta os consumidores abrir denúncias no caso de ser impactado por um desses anúncios falsos.

Jovens na faixa etária de Anna são as maiores vítimas de golpes de produtos falsos. Segundo a pesquisa, 52% das pessoas com idade entre 18 e 29 anos caíram em fraudes desse tipo em 2023. 

Para título de comparação, a faixa etária de Sônia, de 50 a 59 anos, soma 32% de vítimas nessa modalidade. 

Jovens entre 18 e 29 são uma das maiores vitimas dos golpes de produtos e serviços falsos (Imagem: Talles de Souza/Canaltech)
Jovens entre 18 e 29 são uma das maiores vitimas dos golpes de produtos e serviços falsos (Imagem: Talles de Souza/Canaltech)

R$ 25 bi em prejuízos no Brasil 

Até abril de 2024, o Brasil reuniu um valor de R$ 25,5 bilhões de prejuízo de golpes com Pix e boletos falsos, segundo dados reunidos pelo Datafolha Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A quantia é superior ao acumulado de roubos e furtos de celulares, assim como a fraudes com cartão de crédito. 

Para a CEO da Silvergard, Márcia Netto, as fraudes em menores valores são as mais comuns. “A gente vê os supergolpes em que a pessoa perde R$ 100 mil ou R$ 200 mil, mas o mais frequentes são aqueles feitos em grande escala, onde a vítima perde R$ 200 ou R$ 300”, explica. 

Com essa abordagem, criminosos conseguem acumular grandes quantias. Por exemplo, em fraudes que desviam R$ 50 por pessoa, os golpistas podem acumular R$ 1 mil ao alcançar 20 vítimas com apenas uma campanha dessa natureza.

A pesquisa “Estudo Golpe de Pix” ainda agrupou os estados que apresentam os maiores valores médios de prejuízo com as fraudes. Confira os três primeiros:

  • Rio Grande do Norte: R$ 4,5 mil;
  • Paraná: R$ 3,3 mil;
  • Tocantins: R$ 3,1 mil. 
Infográfico dos valores do prejuízo dos golpe de Pix por crimes de roubo e furto
Prejuízo de golpes com Pix e boletos falsos em bilhões (Infográfico: Danilo Berti/Canaltech)

MED ainda é desconhecido e pouco efetivo

Quando Sônia foi tentar resolver a situação no banco presencialmente, precisou escrever uma carta a punho para relatar o ocorrido e solicitar a devolução do valor subtraído de sua conta. “A gerente do banco já tinha me avisado que o valor poderia não retornar porque tinha-se passado mais de 24 horas do golpe”, relembra. 

A aposentada e nem sua família tiveram a ideia de acionar o Mecanismo Especial de Devolução (MED), procedimento que pode ser feito por telefone, pois não o conheciam e preferiram ir direto para a agência bancária para resolver o problema. “Quando tive o retorno da gerente [sobre a solicitação], o banco avisou que não teria o dinheiro de volta. Isso porque já haviam retirado todo o valor da conta destinatária”, conta. 

O levantamento da Silvergard também joga uma luz sobre problemas no MED, uma vez que o mecanismo tem uma taxa de sucesso de apenas 9%. Além disso, os atendimentos analisados para o levantamento indicam que 68% das vítimas nunca ouviram falar sobre a modalidade.

A diretora executiva de risco da Visa do Brasil, Adriana Umeda, explica que, a partir da reclamação de golpe, inicia-se um processo de disputa das transações. “Existem regras claras que regem este processo. No caso do Pix, a vítima tem o direito de reclamar e disputar o valor de volta. Mas tudo isso fica à mercê de critérios específicos para cada caso”, salienta.

O diretor de risco e prevenção à fraude do MagaluPay, Kahuê Cardoso, explica como as ocorrências de golpe de Pix são atendidas:

“A área de atendimento é responsável por receber os relatos dos clientes, apoiá-los e direcioná-los para o devido tratamento. Já a área de prevenção a fraudes atua criando ações de prevenção e detecção dessas situações, e quando elas acontecem, tomam as medidas necessárias como a investigação e a implementação de soluções que minimizem riscos futuros“, completa.

Além do desconhecimento, a CEO da Silvergard adiciona que medidas de recuperação de valores do cartão de crédito e Pix ficam confusas para os usuários, assim como para os atendentes das solicitações. 

“Na nossa análise percebemos que a palavra ‘contestação’ é ingrata. Isso porque, nos casos de cartão de crédito, a contestação vale para coisas que a pessoa não fez. No Pix, a pessoa realmente fez a transação ao ser ludibriada por alguém. Isso causa má interpretação, porque os atendentes foram treinados durante anos para contestações de cartão de crédito”, explica. 

Crimes online cresceram e offline diminuíram

De acordo com o Anuário de Segurança Pública 2024, crimes virtuais, como estelionato, superaram os roubos no Brasil. Somente as práticas online cresceram cerca de 14% entre 2022 e 2023, frente a um crescimento de 8,2% no estelionato geral e 0,7% nos furtos de celulares. 

Demais modalidades, como roubos a bancos e outras instituições financeiras, registraram uma queda de quase 30% no mesmo período. 

Infográfico que mostra a variação das taxas dos golpes contra o patrimônio no Brasil entre 2022 e 2023
 Crimes contra o patrimônio no Brasil (Infográfico: Danilo Berti/Canaltech)

O golpe que Sônia sofreu, apesar de ter sido finalizado e realizado online, tem suas raízes offline: começa com o roubo do documento de identificação de alguém para abrir uma conta no banco no nome da vítima

Depois, o criminoso estabelece um sistema de golpe complexo, que envolve uma abordagem de engenharia social – método usado para enganar e manipular a confiança das pessoas –, capaz de ludibriar o usuário a ligar para um número que direciona para uma central de atendimento falsa. 

Assim, durante a ligação, o golpista consegue invadir o aplicativo do banco e fazer a transferência para a conta laranja, aberta com os documentos roubados anteriormente

De acordo com a advogada e membro da Comissão Nacional de Proteção de Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Patrícia Peck, a maioria dos crimes de golpe de Pix começa pela falsa identidade e pode chegar até a falsidade documental. 

A primeira refere-se a uma declaração falsa a partir de um documento legítimo, com uma pena de três meses a um ano. Já na outra modalidade de fraude, o próprio material é falsificado, seja público ou privado, e a pena varia entre 1 a 6 anos de reclusão. 

“Depois da atualização [da legislação] feita em 2021 que passou a considerar o delito de estelionato virtual, a pena que antes tinha reclusão de cinco anos e multa passou a ter de quatro a oito anos”, acrescenta Peck. 

A advogada explica que essa mudança na lei aconteceu porque os crimes praticados pela internet, por terem maior poder de alcance e velocidade, podem causar mais danos. Por isso, precisam ser tratados com penalidades maiores.

Peck salienta que ainda é preciso trazer melhorias para a normativa: “se a vítima é vulnerável como um idoso, por exemplo, a justiça pode acrescentar um agravante à pena porque o criminoso estaria agindo de forma covarde”, observa.  

WhatsApp é o principal canal dos golpistas

O “Estudo Golpe de Pix” aponta que o WhatsApp é um dos canais principais para o início do contato antes de realizar o golpe. Outros aplicativos da Meta, como o Instagram e o Facebook, também aparecem entre os mais comuns na hora da primeira interação que leva ao golpe. 

A maioria das vítimas por meio do mensageiro são idosos com mais de 60 anos. “O público idoso está tendo acesso aos meios digitais, mas ele não é um grupo nascido digital”, adiciona Patrícia Peck. 

Infográfico que mostra os apps mais usados para dar início em golpe de Pix
 (Infográfico: Danilo Berti/Canaltech

O golpe que mais atinge essa faixa etária envolve um impostor pedindo dinheiro enquanto se passa por algum parente próximo. De acordo com a pesquisa da Silvergard, esse tipo de fraude atinge 48% das vítimas, seguida pela venda de produtos ou serviços por lojas falsas. 

A advogada explica que a rapidez com que as ferramentas online se atualizam não acompanha o processo de aprendizado de pessoas mais velhas. “Antes, idosos iam até o banco para fazer suas transações. Agora o banco está na casa. É preciso ter um local de atendimento seguro que priorize a inclusão e educação desse grupo”, salienta Peck. 

Instagram é o segundo meio mais frequente no início do golpe

Depois do WhatsApp, o Instagram se posiciona na segunda colocação da lista de aplicativos mais usados para o início de golpes

Entre as vítimas dessa abordagem, está a administradora Mayara Dourado (34), que se deparou com um anúncio atraente na rede social em um perfil falso que divulgava roupas de marca. “A moça [suposta vendedora] me convenceu a fazer um Pix de mais ou menos R$ 2 mil”, relembra.

Ela conta que planejava efetivar a compra através do cartão de crédito, mas que a interação feita com a vendedora falsa a convenceu de realizar o pagamento por Pix. “A loja me ofereceu mais descontos se eu pagasse pelo Pix. Depois que a transação foi feita, o site caiu e eu não consegui mais contato”, relembra. 

Márcia Netto, CEO da Silvergard, alerta que perfis novos na plataforma que possuem uma grande quantidade de seguidores e apenas alguns comentários bons, em sua maioria, têm por trás uma loja virtual fraudulenta. 

“Já vimos golpes com perfis com mais de 170 seguidores, com verificação e são todos comprados. É preciso estar alerta ao tempo de criação do perfil e à procedência dos seguidores e daqueles que comentam as publicações, porque podem ser bots”, ressalta. 

É preciso reforço em todas as pontas 

Na resolução de seu caso, Sônia, que perdeu R$ 5 mil no golpe da falsa central telefônica, optou por pedir um empréstimo a um parente próximo ao invés do banco. “Eu ficaria anos para pagar essa dívida, além dos juros das parcelas. Com um familiar, eu pago aos poucos e consigo retomar minha vida e quitar outras contas”, explica. 

Seu caso não teve um desfecho policial até a publicação desta reportagem e a vítima paga aos poucos sua nova dívida contraída devido ao golpe. Mayara também não conseguiu ter seu dinheiro de volta e não acionou o mecanismo de devolução do Banco Central. Já Anna Carolina conseguiu reaver a quantia graças ao MED.  

A CEO da Silvergard salienta que ferramentas que auxiliem no processo interno das intercorrências dos casos de golpe de Pix são necessárias. 

“Consigo separar isso em três pontos: o desconhecimento do MED, que tem a ver com a vítima. O banco de origem [da vítima] não abrir a ocorrência para o MED e cair no fluxo do cartão de crédito. E o banco B [para qual o dinheiro foi] não ter informações o suficiente e declarar uma ‘autofraude’, uma tentativa de fraudar o Pix”, elenca. 

Ainda sobre o MED, o diretor de risco e prevenção à fraude do MagaluPay adiciona que medidas, como o compartilhamento de informações sobre fraudes entre instituições, conforme prática regulada que siga as regulações do Banco Central, são fundamentais para mitigar reincidências e dificultar a atuação dos fraudadores.

Patrícia Peck complementa que a capacitação da força policial para poder agir rápido nos casos de golpe de Pix é outra ponta importante nesse processo. 

“Ainda há pouca vazão para esses casos que podem envolver gangues de fraude. Para além da segurança comportamental, que educa e alerta as pessoas, é preciso uma segurança institucional da polícia que carece de investimento e capital técnico para esses casos”, explica a advogada. 

Como se proteger de golpes do Pix

Além da falsa central telefônica, há uma série de golpes que exploram o Pix para desviar dinheiro das vítimas. Em comum, todas essas tentativas podem ser evitadas ao adotar um fator fundamental para qualquer tipo de transação no meio digital: a desconfiança.

Confira dicas para se proteger de golpes envolvendo Pix:

  • Verifique os detalhes da transação antes de confirmar o pagamento;
  • Desconfie de ofertas que parecem boas demais para ser verdade e de mensagens que prometem dinheiro fácil ou retornos financeiros imediatos;
  • Utilize apenas plataformas de pagamentos confiáveis e o site ou app oficial do seu banco para realizar transações;
  • Evite clicar em links suspeitos ou fornecer dados em sites não verificados.

Caso tenha caído em um golpe, é importante entrar em contato imediatamente com o banco para acionar o MED e registrar um boletim de ocorrência. Caso necessário, procure um advogado para lhe orientar nesse processo.

*A vítima optou por não ter sua identidade revelada na matéria

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VÍDEO: GOLPE PIX ERRADO | Dicas | #Shorts

 

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