USP lidera e inspira ações em prol de mais igualdade e inclusão nas ciências exatas

USP lidera e inspira ações em prol de mais igualdade e inclusão nas ciências exatasDenise Casatti

Uma cidade no interior de São Paulo tornou-se um polo inspirador e irradiador de iniciativas voltadas a promover mais diversidade e inclusão nas ciências exatas Brasil afora. Reconhecida como capital da tecnologia, São Carlos sediará dois projetos em âmbito nacional para estimular o ingresso, a formação, a permanência e a ascensão de meninas e mulheres na área.

Sob a coordenação das professoras Kamila Rios da Hora Rodrigues e Lina Maria Garcés Rodriguez, ambas do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, os dois projetos conquistaram mais de R$ 2,5 milhões, que serão empregados em bolsas e iniciativas espalhadas por todas as regiões do Brasil durante os próximos três anos. “Nosso objetivo é construir uma Rede Brasileira para Engenharia e Ciências Exatas (REBECA), impulsionando as ações de universidades e grupos de extensão parceiros, para ampliarmos o alcance e os impactos já atingidos local e regionalmente”, ressalta Lina.

Já o projeto coordenado pela professora Kamila tem como objetivo expandir as atividades dos cursos Meninas Programadoras e Professoras Programadoras. Idealizados pela professora Maria da Graça Campos Pimentel, do ICMC, as iniciativas já certificaram mais de 1,1 mil estudantes da educação básica e 118 educadoras. “Agora, vamos criar e disponibilizar material didático, com o apoio de uma equipe multidisciplinar de pesquisadoras das áreas de computação, educação e saúde, de modo a oferecer processos formativos com foco em temas caros à população feminina, especificamente relações étnico-raciais e saúde da mulher”, destaca Kamila.

Os dois projetos foram contemplados com recursos em uma chamada especial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e se somarão a mais 34 propostas de instituições de ensino e pesquisa de todo o país. “A aprovação das iniciativas coordenadas pelo ICMC é um exemplo vivo do alcance e da importância dos projetos de extensão na USP, reforçando o quanto o ensino, a pesquisa e a extensão podem se complementar, gerando bons resultados e engajando a sociedade”, complementa Kamila, que também é presidente da Comissão de Cultura e Extensão Universitária do ICMC. “A liderança do nosso Instituto nos dois projetos de âmbito nacional consolida nossa excelência também em fazer extensão”, acrescenta.

A rede de parcerias estabelecidas pelos dois projetos, tanto no Brasil quanto no exterior, impressiona (confira no infográfico). Várias dessas iniciativas já estão dentro do escopo do Programa Meninas Digitais, criado pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC) em 2011. “Entre nossos parceiros estão projetos como o Meninas Digitais UFJF e o Meninas Programadoras JF, ambos da Universidade Federal de Juiz de Fora. Há, ainda, o projeto Girls Power In Programming, do Instituto Federal do Paraná, campus de Palmas”, completa Kamila.

Gênero realmente importa?

Mas por que precisamos nos preocupar com a falta de presença feminina nas áreas de tecnologia, engenharias e afins? “A tecnologia não pode ficar só na mão de um grupo social. Para ajudar a transformar democraticamente a sociedade e encontrar melhores soluções para os problemas complexos do mundo atual, necessitamos das vivências e experiências de quem se identifica com o gênero feminino”, argumenta Lina. Diversos estudos ao redor do mundo demonstram que equipes mais diversas são capazes de produzir melhores resultados, até porque conseguem levar em conta múltiplas perspectivas na busca por soluções.

Outro aspecto que costuma gerar debate é o aparente desinteresse das mulheres e meninas pelas ciências exatas. Há várias pesquisas que revelam o quanto as meninas em idade escolar vão, ao longo dos anos, desinteressando-se por disciplinas como matemática, física e química, o que faz com que se sintam incapazes de seguir carreiras profissionais em ramos que demandam esses conhecimentos, em especial aqueles que são dominados pelo gênero masculino. São barreiras socioculturais históricas que podem parecer invisíveis para muitos de nós, mas impactam negativamente essa população.

“Uma forma de incentivar mais meninas a seguirem uma carreira nas ciências exatas é por meio de atividades que usem a tecnologia de forma estimulante, segura e compatível com a faixa etária e a cultura local, empregando jogos digitais, kits de robótica, aplicações para celulares, além de motivar as garotas a desenvolverem suas próprias soluções tecnológicas”, explica Lina. “Essas práticas lúdicas propiciam a criação de um ambiente mais acolhedor e motivador para que elas se dediquem aos estudos de matemática, programação, física e química, que são as matérias com maior peso nos exames e vestibulares da área de exatas. Consequentemente, ao melhorarmos o aproveitamento escolar das garotas, possibilitamos que elas tenham melhores condições para pleitear uma vaga no ensino superior, não somente em carreiras na área de exatas, mas nas carreiras que tiverem interesse”, completa a professora.

Coordenadora do Grupo de Alunas de Ciências Exatas (Grace), Lina vivenciou a transformação que atividades como essas podem gerar nas estudantes da educação básica ao participar de uma iniciativa que já impactou positivamente a vida de mais 600 meninas: a Technovation Summer School for Girls. Idealizada pela vice-diretora do ICMC, Kalinka Castelo Branco, a escola de verão acontece desde 2018 com o objetivo de estimular garotas, de 8 a 18 anos, a criarem um projeto e o submeterem ao desafio Technovation Girls. “Os projetos podem ser de três tipos: um aplicativo para a web, um aplicativo móvel ou uma solução de IA. As submissões no desafio devem ser feitas em formato de um código-fonte do aplicativo ou de dados de treinamento do projeto de IA”, explica Lina. Desde 2020, as atividades são realizadas remotamente. Atualmente, 75 meninas estão participando da escola de verão.

Com a criação da Rebeca, a proposta é ampliar significativamente o alcance e o impacto de projetos como o da escola de verão. Afinal de contas, para executar ações de extensão como essas é preciso muita dedicação e trabalho: angariar e treinar voluntários, preparar materiais, desenvolver estratégias de divulgação e, é claro, obter financiamento. “Para cada grupo, planejar e executar ações de forma continuada é muito difícil, considerando os recursos humanos, técnicos e financeiros requeridos. Nesse contexto, a quantidade de alunas beneficiadas e as opções de ações a que elas têm acesso são limitadas, se consideradas as iniciativas de cada grupo de forma individual. Por isso, é fundamental juntar os esforços dos grupos existentes para aumentar o impacto, diversidade e inclusão das suas ações em nível nacional”, argumenta a coordenadora da Rebeca.

Tem mais barreiras?

A questão é que não basta incentivar o ingresso nas universidades: as poucas mulheres que superam as muitas barreiras e ingressam em cursos superiores enfrentam ainda mais obstáculos no ambiente acadêmico das ciências exatas. Estima-se que, hoje, a taxa de evasão de alunas em cursos de tecnologia, matemática e engenharia, durante a graduação, esteja em torno de 80%. Daí a relevância de realizar ações para promover também a permanência estudantil.

No Brasil, o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), realizado em 2022, mostrou que apenas 15,3% dos concluintes dos cursos de graduação em computação e tecnologia da informação eram mulheres, sendo a área com menor representação feminina. Para piorar o cenário, tem sido observada uma redução constante no número de mulheres ingressantes nesses cursos em todo o mundo, o que se reflete na baixa presença feminina no mercado de trabalho de computação e tecnologia.

Em 2020, de acordo com a plataforma digital de recursos humanos Revelo, somente 12% das vagas de emprego na área eram ocupadas por mulheres, com a representatividade sendo ainda menor nos cargos de liderança. “As profissões dessa área, atualmente, têm os maiores salários. Então, a gente quer que as mulheres consigam ter acesso a essas vagas e que possam crescer profissionalmente, ter cargos de liderança, ser partícipes da inovação, e das mudanças sociais que toda a tecnologia traz”, finaliza Lina.

Fonte: São Carlos Agora. Leia o artigo original: USP lidera e inspira ações em prol de mais igualdade e inclusão nas ciências exatas

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