Máfia chinesa usa lojas do Brás para lavar dinheiro de golpes via Pix

São Paulo — Uma movimentação de R$ 144 milhões em apenas dois anos nas contas de uma loja de roupas que fica na Galeria Pagé, popular centro de compras no Brás, região central de São Paulo, era a pista que faltava para a Polícia Federal (PF) fechar o cerco sobre um esquema criminoso atribuído à máfia chinesa na capital paulista.

O uso de pequenos comércios para lavar dinheiro de mafiosos chineses entrou no radar dos investigadores depois que a empresa Ouro Preto Roupas e Acessórios, na Galeria Pagé, recebeu repasses de R$ 250 mil de contas suspeitas de serem exploradas para para golpes virtuais. O esquema é uma das modalidades criminosas detalhadas na série especial do Metrópoles sobre a máfia chinesa em São Paulo.

Leia os 3 capítulos da série especial:

  1. Máfia chinesa expande atuação em SP, com extorsões, tráfico e arsenal
  2. Máfia chinesa se alia ao PCC na droga do sexo e usa hotéis e fintechs
  3. Golpe do Pix e laranjas do Brás ligam arsenal de armas à máfia chinesa

A loja pertence ao chinês Lingbin Xia e, segundo a PF, não declarou nenhum ganho de capital, estoque ou rendimentos pagos a sócios entre 2021 e 2022, período analisado. Os agentes federais também não conseguiram localizar esse movimentado negócio dentro da galeria, assim como nenhum nota fiscal emitida por ela, nem pagamentos via cartão de crédito.

A Ouro Preto é apenas uma entre 11 empresas usadas para lavagem de dinheiro, em um enredo que inclui estelionato, falsificação de produtos e até comércio ilegal de armas.

Os valores usados como golpe virtual formaram uma espécie de banco paralelo, que transferiu mais da metade dos valores apenas para seis empresas, algumas delas pertencentes a chineses. A JKL Comércio de Roupas, por exemplo, que já teve Lingbin Xia como sócio e está em nome da também chinesa Weiwei Du, recebeu quase R$ 150 mil das contas suspeitas.

Segundo a PF, as duas empresas consideradas de fachada também fizeram transações milionárias entre si. Foram R$ 5,1 milhões transferidos da Ouro Preto para a JKL entre janeiro de 2022 e junho de 2023. “A lavagem dos valores foi efetuada de forma contínua e em cadeia”, afirma a PF.

Ao longo da investigação, a polícia achou centenas de comprovantes enviados via aplicativo WeChat, uma espécie de WhatsApp usado por chineses, que indicava como a organização mantinha o saldo de cada dia de operações.

Boa parte das empresas citadas no esquema tinha como endereço o Brás, embora algumas, na verdade, só existissem no papel. Não coincidentemente, foi também em ruas daquela região — Oriente e Barão de Ladário — que a quadrilha passou a arregimentar laranjas como correntistas das contas.

Uso das maquininhas

A investigação começou a partir de uma denúncia da empresa de maquininhas Stone, que detectou comportamento suspeito em diversas contas de pessoas que não tinham lastro para movimentação de centenas de milhares de reais.

A conta de uma investigada fez 1.336 operações e movimentou R$ 284 mil em apenas dois dias. Outro homem apontado como laranja, com endereço na periferia da cidade, chegou a movimentar R$ 1,8 milhão.

Para o cadastro na Stone, os correntistas eram obrigados a incluir uma selfie, o que levou a outra pista de que uma quadrilha de chineses poderia estar envolvidas no golpe.

“A análise dos quadros societários revelou que algumas delas [empresas] são ou foram administradas por chineses, fato que possibilitou traçar uma linha investigativa, tendo em vista que chineses também aparecem nas fotografias das faces (“selfies”) enviadas por alguns dos correntistas à Stone no momento de abertura da conta”, diz a investigação.

A empresa de pagamentos Stone recebeu diversas denúncias e boletins de ocorrência de pessoas que teriam transferido para as contas em diversos estados, após cair em golpes virtuais. Um deles, por exemplo, prometia lucros por um trabalho que consistia em curtir páginas de supostos parceiros e induzia as vítimas a fazer depósitos para desbloquear valores maiores — um dos prejudicados perdeu R$ 48 mil.

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