Com certo patrimônio pessoal, as pessoas surtam! (Eduardo Fernandez)

A frase do título foi dita pela mulher então tida como a mais rica do planeta, com fortuna estimada em trinta bilhões de euros! Ela manteve, por décadas, um relacionamento com um fotógrafo que se revelou um explorador das fragilidades daquela bilionária e ganhou dela “presentes” que somaram perto de um bilhão de euros! Surtou ela? Surtou ele? A partir de certo valor, surtam todos?

Parece que sim: além de certa quantia, perde-se a noção da realidade. Ou, alternativamente – o que dá no mesmo! -, adquire-se uma noção deturpada do mundo real, uma visão na qual um euro ou dólar adicional, embora imperceptível, é mais desejável que muitas vidas. Estas se tornam sem importância, descartáveis. Não há saciedade nesse patamar, sempre se quer mais!

Assim é. Sabe-se que o consumo de alimentos fake é prejudicial à saúde, mas celebra-se a instalação de novos McDonalds, ou similares, porque “trarão emprego e renda”, e mais lucros para os acionistas. Sabe-se que queimar carvão, petróleo ou gás natural mata pessoas, mas não se renuncia a fazê-lo, pois a queima dessa droga trará mais lucros. Drogas sim, pois, como as outras, inicialmente trazem alegrias, mas, em seguida, tornam-se vício fatídico. Sempre se quer mais, apesar de se ter noção das consequências!

Um dos pontos interessantes da frase título é o reconhecimento pessoal do estado de loucura gerado pela fortuna desmedida. Quando se tem tanto, numa condição em que presentear um “amigo” com milhares de euros não passa de um “pequeno” mimo, em meio a um planeta em que mais de 80% dos semelhantes não vivem, apenas aguentam, com menos de US$10,00/dia, qual a empatia possível com o restante da humanidade?

A questão se agrava quando se vê que o país mais poderoso do mundo é governado por pessoas que se encontram entre os 0,0001% mais ricos do planeta. Para eles, que diferença faz o preço do leite, do ovo ou da carne? E que lhes interessa se o transporte público é ruim? Pior, não é apenas aquele país que é governado por seres apartados da realidade vivida pela maioria.

Aqui mesmo, em nosso Patropi, o patrimônio médio dos deputados federais ultrapassa três milhões de reais. Este fato, junto à constatação que a maioria deles está envolvida em processos criminais, demonstra que deixaram de ser representativos da população; ao contrário, são uma casta, cheia de privilégios e temerosa de reformas que aproximem representados de representantes.

A loucura prossegue, e os exemplos abundam. Há poucos meses, um indiano gastou centenas de milhões de dólares para celebrar o casamento da filha. Mais grave: vemos agora os países com as populações mais ricas dedicarem-se a ampliar seus arsenais, em detrimento de gastos que promovam qualidade de vida. Pode-se concluir, indago, que a partir de certa quantia não apenas pessoas, mas também países, enlouquecem? Parece que sim, pois países são governados por pessoas… a maioria das quais riquíssima!

Antes que os arsenais ampliados sejam usados, que seja restaurada a sanidade! Como?

 

Eduardo Fernandez Silva. Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados

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