Ouça: militares dizem que falta de câmeras facilita tortura em quartel

São Paulo Áudios e prints obtidos pelo Metrópoles mostram militares do Arsenal de Guerra de São Paulo do Exército Brasileiro, em Barueri, na região metropolitana, relatando falta de câmeras de vigilância no local, o que facilitaria a aplicação de punições com agressões e, consequentemente, a prática de tortura.

O quartel foi denunciado no mês passado por um soldado de 19 anos que diz ter sido vítima de tortura no local. O espaço também já foi alvo de um furto de 21 metralhadoras, em setembro de 2023, que só foi percebido cerca de cinco semanas depois.

Em um grupo de WhatsApp, militares conversaram neste ano sobre a falta de vigilância no quartel, relatando um suposto risco ao qual estão expostos. “Só sei que se eu aparecer de olho roxo, foi o Arsenal”, disse um dos rapazes em uma mensagem de texto.

Além da falta de câmeras, os poucos equipamentos que existem no local ficariam desligados, como no espaço destinado ao comandante da guarda, relatou outro militar também em mensagem de texto. Veja:

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Poucas câmeras existentes no cartel ficariam desligadas. Militares se sentem inseguros.

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Militares relatam falta de câmeras de vigilância em Arsenal de Guerra.

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Poucas câmeras existentes no cartel ficariam desligadas. Militares se sentem inseguros.

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Em áudio, os militares reforçaram a falta de vigilância no quartel. “Nesses lugares aí, os caras já pegam e já levam pro canto assim, no lugar que não tem câmera, viado, pra fazer pagar [punição]”, disse um dos rapazes.

Outro militar afirmou que “está sendo colocado câmera agora no Arsenal”. Segundo o áudio que enviou ao grupo, “é um lugar ou outro que tem”. Ouça:

O Metrópoles procurou o Comando Militar do Sudeste para comentar o caso e aguarda um posicionamento.

Soldado de 19 anos denuncia tortura em quartel

O soldado Valdir De Oliveira Franco Filho, de 19 anos, registrou um boletim de ocorrência denunciando as agressões que alega ter sofrido nas dependências do Arsenal de Guerra. De acordo com o relato do jovem à polícia, ele foi torturado por superiores em 11 de março, após informar que havia perdido a fivela do fardamento.

Valdir foi levado a uma sala sem iluminação e sem supervisão de testemunhas ou câmeras. No local, ele foi forçado a pagar flexões enquanto levava chutes de coturno no peito, “sendo questionado de maneira grosseira, o quanto custava a fivela”, diz o BO.

No mesmo dia, voltou ao treinamento físico e sentiu gosto de sangue na boca. Ainda assim, o jovem foi instruído a continuar o exercício, o que teria lhe gerado fortes dores de cabeça. À noite, foi trancado no quarto.

No dia seguinte, foi levado a praticar, mais uma vez, atividades físicas intensas, o que gerou mais dores. Com os sintomas, Valdir foi encaminhado ao Hospital do Serviço de Assistência Médica de Barueri (Sameb) sem que seus familiares fossem avisados.

Após retornar ao quartel, foi obrigado a jantar em três minutos, o que fez com que vomitasse a refeição e, em seguida, sangue “em excesso”.
O soldado foi novamente encaminhado ao Hospital Sameb e dispensado com a indicação de tirar três dias de repouso. O Exército não teria acatado a recomendação médica.

Em seguida, foi levado ao Hospital Militar de Área de São Paulo (HMASP), no bairro do Cambuci, em São Paulo. “Todos exames foram feitos e o mesmo não possui doenças de base, o que leva a doenças geradas por agressão e maus-tratos”, finaliza o boletim de ocorrência, que registrou o caso como maus-tratos no 1º Distrito Policial (DP) de Barueri.

Como sequela das agressões, Valdir perdeu o movimento das pernas, conforme revelou à reportagem. Ele afirma não conseguir mais andar, e que continua vomitando sangue, mesmo um mês e meio após a tortura.

O jovem pode recuperar o movimento das pernas caso receba o tratamento adequado — o que ele espera receber dos médicos do Exército. “Eles [superiores do Exército] falaram que os médicos iriam aparecer aqui para começar o tratamento e até agora nada. Falaram que ainda essa semana o médico ia aparecer”, disse o soldado.

Em nota, as Forças Armadas afirmaram que, desde o momento em que foi constatado que ele não se encontrava em plenas condições de saúde, o militar vem recebendo do Exército Brasileiro a devida assistência médica.

“O Arsenal de Guerra de São Paulo instaurou uma sindicância para apurar os fatos. Até o momento, não há qualquer indício de ocorrência de crime no interior daquela Organização Militar”, disse o órgão.


Furto de metralhadoras

  • De acordo com as investigações, ao menos 13 metralhadoras calibre ponto 50, capazes de derrubar aeronaves, e oito de calibre 7,62, que perfuram veículos blindados, foram roubadas do quartel entre os dias 5 e 8 de setembro.
  • O furto só foi percebido mais de um mês depois, no dia 10 de outubro, durante uma inspeção no local.
  • Quatro militares e quatro civis se tornaram réus acusados de participar do crime. Um deles é o ex-diretor da unidade, tenente-coronel Rivelino Barata de Sousa Batista.
  • Também foram denunciados os cabos Vagner da Silva Tandu, de 23 anos, e Felipe Ferreira Barbosa, presos em um Batalhão do Exército em Osasco, também na Grande São Paulo, em fevereiro do ano passado.
  • A Justiça considerou que o tenente-coronel Batista e um primeiro-tenente tiveram participação indireta, por inobservância de lei, regulamento ou instrução.
  • O escândalo provocou a troca no comando do Arsenal. Batista foi exonerado do cargo de diretor em novembro de 2023 e passou a cumprir funções burocráticas na 2ª Região Militar, na sede do Comando Militar do Sudeste, em São Paulo.
  • Quatro civis foram denunciados por receptação. Pelo menos um deles é ligado ao Comando Vermelho (CV) e ofereceu o armamento à facção criminosa, que não se interessou pelas metralhadoras.
  • Até fevereiro do ano passado, 19 metralhadoras haviam sido recuperadas – dez no Rio (em ocorrências diferentes na comunidade Gardênia Azul e na Praia da Reserva, ambas na zona oeste da cidade) e nove em São Roque, no interior paulista.
  • As duas armas que ainda não teriam sido encontradas são de calibre .50.
  • Procurado pelo Metrópoles para comentar as denúncias, o Comando Militar do Sudeste informou à época apenas que “o Inquérito Policial Militar foi finalizado no dia 16 de fevereiro e encaminhado à Justiça Militar da União, que determinou a manutenção do sigilo”.
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