Quem ameaça a democracia: rede social ou ladrão que rouba aposentados?

O STF, o governo Lula e a imprensa estão empenhados em fazer você acreditar que a ameaça à democracia nacional são as fake news veiculadas por rede social.

Não é verdade. Fake news de rede social são facilmente desmontáveis. A ameaça à democracia nacional continua a ser o kit secular que nos aflige desde a época colonial, quando nem existia a moderna democracia — kit composto por patrimonialismo, corrupção, fraude, impunidade, incompetência e ignorância.

Ameaça à democracia é, por exemplo, o roubo de R$ 6,3 bilhões de aposentados e pensionistas, sob o olhar negligente de dois governos, o de Jair Bolsonaro e o de Lula, se é que se trata só de negligência.

Não é democracia um regime que permite roubos bilionários como esse e que, uma vez descobertos os roubos por repórteres abnegados, não pelos órgãos oficiais supostamente de controle, pune apenas até os graus inferiores da hierarquia política, como deve outra vez ocorrer.

Mas eis que se martela que não, que a ameaça à democracia são as fake news veiculadas pelas redes sociais, e até céticos como eu ficam às vezes na dúvida. Será que estou errado?

Em evento comemorativo do aniversário de 150 anos do Estadão, o assunto constou da pauta, como era mandatório, e lá estava o ministro do STF Edson Fachin, próximo presidente do egrégio tribunal que censurou a revista que fundei por publicar notícia verdadeira. Detalhe tão pequeno de nós dois.

Fachin fez um discurso não menos do que apocalíptico sobre as redes sociais. “Desenvolve-se o populismo digital autoritário, cujo tsunami está prestes a afogar as democracias ocidentais e as clássicas conquistas da liberdade; o ódio, infelizmente, vende bem mais que a solidariedade”, disse o ministro, que defende, é claro, a regulação das redes como panaceia para todos os males — ou, pelo menos, para quase todos os males.

Li as palavras de Fachin e corri à janela para verificar se eu morava em andar suficientemente alto para escapar ao tsunami de que o ministro deu o alerta. Não fiquei suficientemente tranquilo e, temendo ser afogado pelo populismo digital autoritário, fui ler o que disse a americana Dana Green, vice-presidente jurídica e conselheira geral do New York Times, também convidada pelo Estadão para participar do evento comemorativo do seu sesquicentenário.

Ela foi entrevistada pelo jornal brasileiro, mas, curiosamente, não houve destaque para a sua resposta sobre o tal perigo das redes sociais. Reproduzo a pergunta feita pelo Estadão e a resposta de Dana Green:

“Alguns especialistas acreditam que as redes sociais — onde o conteúdo é impulsionado por algoritmos que muitas vezes ignoram a desinformação contida nas publicações — podem ser tão perigosas para a liberdade de expressão quanto os governos autoritários. Você concorda com essa avaliação?

Não concordo. A desinformação deliberada é um problema sério. Mas não acho apropriado equiparar a liberdade de expressão dos cidadãos ao poder coercitivo e punitivo de um Estado autoritário. Além disso, “controlar a desinformação” tornou-se uma justificativa para controlar a expressão de que o governo não gosta; é um grito de guerra comum de regimes autoritários que buscam silenciar a dissidência. Qualquer pessoa que valorize a liberdade de imprensa deve, na minha opinião, ser muito cética quando o governo busca poderes para decidir quais informações valem a pena ser ouvidas e quais não valem.

Fiquei esperançoso. Afinal de contas, se uma integrante da direção do maior jornal dos Estados Unidos da América, jornal que vive em escaramuças com o governo de Donald Trump e é bombardeado diariamente pelos trumpistas, discorda de que as redes sociais são uma ameaça tão grande para a liberdade de expressão — e, portanto, para as demais liberdades democráticas —, não deve haver tsunami nenhum prestes a afogar as democracias ocidentais e as suas clássicas conquistas.

Fique esperançoso, não apaziguado. Para evitar tsnunamis autoritários, eu deveria mesmo é fixar residência em uma democracia ocidental.

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