“Não temos mais condições de funcionar sem uma sede apropriada. Falta espaço para tudo”, desabafa Renata Gomes, professora do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (Cecult), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). “A impossibilidade de construção de um campus adequado às nossas atividades implicará o fim do Cecult a médio prazo, talvez menos.”
As falas da professora ecoam uma espera longa. Alunos e docentes do Cecult aguardam há 12 anos a construção do próprio centro, mas depois que a prefeitura de Santo Amaro (BA) revogou a doação de terra onde deveria existir o campus da universidade, em março, a construção do prédio, que já foi contemplada por um projeto esquecido do governo federal, e a própria existência do Cecult, foram colocadas à prova.
O Centro abriga oito cursos de graduação e quatro cursos de pós-graduação, todos voltados para artes e cultura. Desde 2017, de forma temporária, ele funciona no Colégio Municipal Pedro Lago, que dispõe de 11 salas de aula para os cerca de 1,3 mil alunos. “A divisão [das salas] é feita por meio de negociação entre professores e alunos. É um malabarismo diário”, conta Renata.
A estrutura improvisada, além de comprometer a formação acadêmica, coloca em risco a integridade física de alunos e docentes. Faltam ventilação, isolamento acústico e segurança elétrica. Telhas quebradas, banheiros danificados, janelas sem vidro e fios aparentes compõem o cenário cotidiano.
“As salas não são adequadas para aulas de música. Ficam ao lado de ruas barulhentas, e o som vaza. Isso atrapalha muito o aprendizado”, diz Arivaldo Almeida, estudante do Cecult desde 2021.
Para ele, a revogação da doação do terreno destinado ao campus, aprovada pela Câmara Municipal neste ano, simboliza uma derrota coletiva. “É uma frustração profunda. Seria um portal cultural para o Brasil e para o mundo. Mas parte da população foi enganada por promessas imediatistas de emprego. Educação e cultura são frutos que demoram a dar retorno”, afirma.
Apesar de ser o centro com maior número de projetos de extensão da UFRB, o Cecult ainda é pouco reconhecido pela própria cidade. “A falta de estrutura dificulta a visibilidade da universidade. Muita gente em Santo Amaro não sabe que a UFRB está aqui”, lamenta Renata.
PAC Cidades Históricas
Entre os argumentos presentes no projeto de revogação de doação de terra apresentado pela própria prefeitura, está a justificativa e acusação de que a instituição não deu devida atenção ao espaço. A diretora do Cecult, Rita Dias, nega que a universidade tenha sido omissa em relação ao terreno doado, hoje alvo de disputa entre interesses públicos e privados. “A ausência de um campus se deve às sucessivas crises econômicas desde 2015, que comprometeram a liberação de recursos”, afirma.
O Metrópoles descobriu que a construção do campus, que de fato nunca foi erguido no terreno doado, foi contemplada pelo extinto Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas de 2013, do governo federal, devido à proximidade com a antiga Fundição Tarzan – considerada de relevância histórica pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac).
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pelo projeto de reestauração, informou que a construção do campus foi incluída no PAC Cidades Históricas por meio da Portaria 383, de agosto de 2013. A universidade entregou o termo de referência, mas a etapa seguinte, que dependia da prefeitura — regularizar o terreno e remover invasões — demorou anos para ser concluída. Em 2017, os estudos foram interrompidos por falta de verba, com o fim do programa federal.
Segundo a diretora do Cecult, a instituição busca reabrir diálogo com a prefeitura e com os vereadores. “Queremos encontrar alternativas para garantir a construção definitiva do campus e vamos envolver o MEC, a SESU e a comunidade acadêmica nessa discussão.”
O Ministério da Educação confirmou ao Metrópoles que acompanha o caso e que está em diálogo com a reitoria da UFRB e parlamentares para tentar reverter a revogação da doação. A expectativa é encontrar uma solução que mantenha a universidade no município de forma digna e definitiva.
Mas a proposta da Prefeitura de Santo Amaro segue em outra direção. O terreno que abrigaria o campus — ao lado das ruínas da Fundição de Aço Tarzan, consideradas de relevância histórica — pode, agora, ser destinado à construção de um hipermercado. Um empreendimento que, na visão de docentes e estudantes, agrava o apagamento cultural da cidade e substitui um investimento duradouro por promessas de emprego imediatas e precárias.
“Não vai ser um mercado com alguns empregos mal pagos que vai mudar a realidade da população de Santo Amaro”, afirma a professora Renata Gomes. Para ela, é possível repensar o desenvolvimento da cidade aliando geração de renda com valorização da vocação cultural e artística local.
Fundição de Aço Tarzan
De acordo com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), as ruínas da Fundição de Aço Tarzan, fundada em 1945 e possivelmente uma das primeiras siderúrgicas do Nordeste, são consideradas de relevância histórica, porém o estudo de elaboração para que a fábrica seja tombada ainda está em fase inicial, sem prazo para elaboração do parecer preliminar e do dossiê.
Moari Castro, pesquisador e museólogo da UFBA, destaca que as ruínas da Fundição Tarzan fazem parte da paisagem e da memória cultural de Santo Amaro. De acordo com ele, mesmo que as ruínas da Fundição Tarzan sejam tombadas pelo Ipac, a construção de uma hipermercado ou de qualquer outro comércio no local não é algo proibido, mas pode, sim, contribuir para o apagamento histórico da região.
“O objetivo comercial para o local é baseado, no meu entender, pela características do terreno e sua localização. E creio que a UFRB, junto aos órgãos de proteção do patrimônio, podem capitanear esse projeto para uma proposta mais justa com Santo Amaro, com o Recôncavo e com a Bahia”, pontua o especialista.