A iniciativa mais significativa até agora para romper com a polarização entre bolsonaristas e petistas – que marcou as duas últimas eleições presidenciais – partiu do campo da centro-direita. Trata-se da criação da Federação União Progressista, que reúne uma expressiva base política: 109 deputados, 14 senadores, 1.330 prefeitos e seis governadores. Esse novo arranjo altera a correlação de forças no cenário nacional e já projeta sua atuação com foco em 2026, quando Jair Bolsonaro estará fora da corrida presidencial.
Resultado da aliança entre União Brasil e Partido Progressista, a nova formação se posiciona no espectro da direita, mas busca se diferenciar da vertente mais radical associada ao círculo político de Bolsonaro. Ao contrário: apresenta-se como uma alternativa moderada e reformista, que rejeita os excessos e o espírito confronto extremado. Defende o liberalismo econômico e valores conservadores, mas dentro de uma lógica democrática. Em essência, organiza-se como uma direita voltada para o cenário pós-bolsonarista.
Embora seus dois partidos ainda integrem a base governista, com quatro ministros no governo Lula, a Federação União Progressista sinaliza, em seu manifesto, uma dissociação substancial das diretrizes da esquerda, especialmente no que se refere à condução da política econômica e ao papel do Estado.
Trata-se de um distanciamento ideológico que, mais cedo ou mais tarde, deve se traduzir em um reposicionamento político claro: a migração para a oposição ao governo. Essa tendência já é defendida pelas principais lideranças da federação, com exceção de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e levanta a dúvida sobre a permanência dos ministros vinculados à federação em cargos no Executivo, caso a decisão pela oposição se consolide.
Nesse contexto, a União Progressista desponta como uma tentativa de reconfiguração do campo da direita institucional, buscando se firmar como alternativa viável ao bolsonarismo de viés radical. Seu êxito, no entanto, dependerá de variáveis cruciais: coesão interna, definição de lideranças com capacidade de articulação nacional e formulação de uma agenda programática que combine pragmatismo econômico com compromisso democrático. Por essa trilha, a nova força política poderá contribuir para a pluralização do espectro ideológico brasileiro e para o fortalecimento da direita liberal.
A proposta de um “choque de prosperidade” apresentada pela União Progressista em seu manifesto inaugural revela uma tentativa deliberada de articular uma agenda econômica liberal com compromissos sociais. Inspirada em momentos emblemáticos da história econômica recente do Brasil — como o “choque de capitalismo” proposto por Mário Covas em 1989 e a implementação do Plano Real —, a federação busca se identificar com a lógica reformista e estabilizadora, ao atribuir centralidade ao combate às distorções estruturais do Estado e à promoção do desenvolvimento via mercado.
Nesse projeto, o ideário liberal clássico – pautado por princípios como livre iniciativa, desburocratização e abertura econômica – é ampliado por uma ênfase explícita na responsabilidade fiscal, que é vista como condição necessária para a sustentabilidade do crescimento. Ao mesmo tempo, o manifesto sinaliza a valorização da responsabilidade social, defendendo que o Estado atue como indutor da economia em áreas estratégicas, especialmente onde o setor privado não tem alcance imediato.
Essa síntese entre disciplina fiscal e sensibilidade social reflete um reposicionamento da centro-direita, aparece no manifesto-fundante como uma vacina ao estigma de insensibilidade social atribuído ao liberalismo econômico. É o reconhecimento, implícito, das políticas sociais de transferência de renda como de Estado, independentemente do governo do momento. Ao propor uma articulação entre Estado regulador e iniciativa privada como motor do desenvolvimento, a União Progressista tenta ocupar um espaço político de equilíbrio entre eficiência econômica e justiça social, dialogando com setores produtivos e ao mesmo tempo com demandas populares.
A União Progressista se posiciona como uma alternativa de centro-direita moderada, com uma proposta de governo fundamentada em um programa estruturado, que busca conciliar o crescimento econômico com a responsabilidade social e a manutenção da institucionalidade democrática. Essa abordagem representa uma distinção importante em relação ao bolsonarismo, que carece de um projeto político sólido e se caracteriza por uma coleção de ideias desorganizadas, além de ser centrado exclusivamente em torno da liderança carismática e personalista de Jair Bolsonaro.
Com uma base ampla e uma rede de apoio significativa, surge com a ambição de disputar o poder em 2026. No entanto, ainda há incertezas sobre como a centro-direita se apresentará na próxima eleição presidencial: se por meio de uma candidatura única, como defendido pelos governadores Ronaldo Caiado, Romeu Zema e Ratinho Jr. durante a Expozebu, em Uberaba, ou se por meio de múltiplas candidaturas que se unam no segundo turno, como sugere Gilberto Kassab. Essa estratégia dependerá, em grande parte, da presença do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) como candidato à Presidência da República, o que ainda está em aberto.
Também não está claro como se dará a relação entre uma Frente Ampla da direita moderada e o núcleo mais radical da base de apoio de Bolsonaro. Essa articulação não pode se confundir com os excessos do radicalismo, sob pena de perder identidade e espaço. Ao mesmo tempo, não é possível ignorar a força eleitoral desse segmento. O entendimento será facilitado caso o ex-presidente opte por indicar um nome mais conciliador para a sua sucessão. Tarcísio se encaixaria nesse perfil. Já uma escolha que recaia sobre alguém da própria família tenderia a dificultar a formação de uma candidatura única no campo conservador.
Como a maioria dos partidos brasileiros, as duas agremiações que formaram a nova federação carregam consigo uma tradição de fisiologismo e clientelismo, o que não é exclusivo da direita-moderada, mas também presente em partidos de todas as vertentes, incluindo os de esquerda. No entanto, isso não deve impedir a identificação de aspectos positivos na configuração da nova federação.
Ao se reposicionar politicamente, o centro-direita coloca a esquerda diante do desafio de também repensar seus caminhos, sob o risco de enfrentar a disputa presidencial com uma estratégia inadequada, baseada no congelamento da polarização que marcou as duas últimas eleições presidenciais.
O mesmo pode ser dito em relação à questão programática. Sem entrar no mérito de suas propostas, o manifesto “Por um Choque de Prosperidade e Pela Modernização do Estado” apresenta um esboço de projeto para o país, considerando as profundas transformações no mundo do trabalho e na sociedade. Em vez de se limitar a uma lógica de oposição, oferece uma narrativa construtiva, o que qualifica o debate público. Quando um grupo relevante lança uma agenda liberal/modernizante, ele força outros atores a se posicionarem, aprimorando o contraste de ideias.
Ainda assim, é legítimo que se questione até que ponto essa tentativa de reposicionamento é autêntica ou apenas estratégica. Como toda construção política em sua fase inicial, a nova federação também carrega ambiguidades e contradições que precisarão ser superadas para que se afirme como verdadeira alternativa — e não como mera expressão de conveniências eleitorais.
A democracia se alimenta do contraditório e do embate de ideias. Espera-se que as demais forças políticas apresentem suas propostas programáticas, submetendo-as à crítica e, ao final, ao julgamento dos brasileiros, que são os verdadeiros soberanos para decidir, por meio do voto, o que é melhor para o país.
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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.