Rio de Janeiro – A tentativa de Eduardo Paes de transformar a orla do Rio num espaço asséptico e silencioso está provocando reações à altura. Nesta terça (20), uma audiência pública na Câmara dos Vereadores virou palco de protestos contra o novo decreto municipal que sufoca a cultura popular e impõe regras draconianas aos quiosques e barracas de praia.
Enquanto isso, artistas vestidos de preto entoavam sambas de resistência em frente ao plenário. A cena dizia tudo: o samba não morreu — mas está sendo empurrado para a cova por uma gestão que prefere o silêncio das elites à batida do pandeiro.
Músicos se manifestam contra decreto higienista
Antes mesmo do início da audiência, músicos que sobrevivem dos shows nos quiosques e calçadões fizeram um protesto simbólico: chegaram em silêncio, todos de preto, e depois soltaram a voz em sambas clássicos empunhando cartazes com os dizeres: “Não deixe o samba morrer”.
A mensagem foi clara: o decreto assinado por Eduardo Paes (PSD), que proíbe apresentações musicais nos estabelecimentos da orla, ataca diretamente uma das principais expressões culturais do Rio.
Comércio local também reage
A insatisfação não veio só dos artistas. Barraqueiros criticaram a proibição do uso de bandeiras e nomes nas barracas, enquanto comerciantes se opuseram à vedação de garrafas de vidro.
Para quem depende da informalidade organizada — um dos pilares da economia da praia — o decreto parece mais uma tentativa de apagar o Rio real para exibir uma cidade artificial, feita sob medida para turistas de selfie e gringos de Airbnb.
Estatuto da Orla propõe alternativas
Em resposta, o vereador Flávio Valle (PSD) apresentou o Estatuto da Orla, um projeto de lei que suaviza as restrições impostas por Paes. Segundo Valle, a ideia é equilibrar ordenamento urbano com respeito à cultura local.
O projeto não proíbe música ao vivo, nem o uso de garrafas de vidro ou bandeiras. A proposta também prevê regras mais claras para eventos, uso esportivo das praias e a criação de um Comitê Gestor da Orla, com participação da sociedade civil.
Além disso, o texto propõe:
- Padronização de chuveiros;
- Bicicletários e pontos de hidratação;
- Renovação de calçadas e ciclovias;
- Ampliação da faixa de areia em Ipanema e Leblon;
- Parcerias com a iniciativa privada para restauração de mobiliário urbano.
Paulo Guedes da praia?
O decreto de Paes parece inspirado mais numa planilha de Excel do que na alma do Rio. Ao tentar higienizar a orla, a gestão ignora o que de fato atrai turistas: a música, a alegria espontânea e a diversidade cultural.
Enquanto o vereador Valle cita a Avenida Paulista como exemplo de revitalização, vale lembrar que São Paulo, ao menos, mantém as ruas abertas à cultura. Já o Rio, sob Paes, corre o risco de virar um cartão-postal plastificado, onde a espontaneidade é tratada como crime.
Política, lucro e silêncio
A Orla Rio, concessionária responsável pelos quiosques, também participou da audiência, assim como subprefeitos da Zona Sul e da Barra da Tijuca. As ausências gritantes foram as da cultura popular e da economia criativa, que seguem sendo tratadas como incômodos pelo poder público.
Paes quer o silêncio. Mas a cidade canta — e resiste.