A Virada Cultural de São Paulo chega neste fim de semana a sua 20ª edição colecionando uma série de momentos marcantes em sua história. Um dos mais emblemáticos, e que mudaram o rumo do projeto, no entanto, foi uma cena de violência, em 2007, durante o show de um dos maiores grupos de rap do país: o Racionais MC’s.
Era madrugada do dia 6 de maio, quando o Racionais começou a apresentação na Praça da Sé, no centro histórico da capital paulista. O show estava atrasado e a plateia aguardava ansiosa, depois de acompanhar uma apresentação feita pelo DJ nova-iorquino Premier.
“Dava para ver a impaciência do público”, lembra o diretor da Virada Cultural da época, José Mauro Gnaspini.
A Praça da Sé estava lotada e os fãs já enfrentavam dificuldade para visualizar o palco quando um grupo de pessoas subiu no teto de uma banca de jornal e, logo na sequência, em um prédio.
Secretário municipal de Cultura de São Paulo naquele ano, Carlos Augusto Calil diz que quatro policiais que faziam a segurança do evento decidiram, então, chamar a Tropa de Choque.
“A Tropa de Choque chegou com violência, começou a bater no público, e em vez de empurrar o público para a Avenida Rangel Pestana, que era ampla, que daria no Parque Dom Pedro, ela empurrou as pessoas para a Rua Direita, para o centro fechado. E deu um tumulto enorme, que podia ter dado uma grande tragédia”, lembra.
A confusão teve bombas de gás, tiros de bala de borracha e uma correria pelas ruas da região. Em meio ao tumulto, o rapper Mano Brown anunciou o término do show, não sem antes pedir para a Polícia Militar guardar as armas e para a multidão se afastar dos agentes.
No dia seguinte, portas e banheiros quebrados e até um carro incendiado davam a dimensão do tamanho da confusão que havia acontecido. O tumulto foi parar nas páginas de todos os jornais e deixava uma dúvida sobre o ano seguinte: a Virada continuaria mesmo depois da violência registrada naquele dia? Continuou, mas não sem uma série de mudanças.
“Naquela segunda-feira, a Virada estava muito ameaçada. Precisamos, durante um ano, construir uma conversa muito longa, com a própria segurança, com a própria PM, reformular os palcos para evitar que se repetisse aquela experiência”, explica Calil.
A reformulação teve como principal objetivo mudar a circulação do público na Virada. Gnaspini conta que a gestão entendeu que os fãs tinham ficado concentrados em um espaço pequeno, o que dificultava não apenas a ideia de assistir ao show, mas também a dispersão, caso houvesse necessidade.
Para resolver o problema, uma das decisões foi ampliar o número de ruas que recebiam os shows.
“A gente alargou o perímetro da Virada de modo que não se criasse tanta compressão de público. As pessoas não ficavam mais tão apertadas nas esquinas ou em alguns lugares”, conta o ex-diretor do evento.
A mudança privilegiou uma maior fluidez do público entre os diferentes pontos, de modo que a circulação acontecesse sem grandes entraves, e incentivando as pessoas a passearem entre os palcos. “A gente queria que as pessoas circulassem, de fato, não ficassem a noite toda na frente de uma coisa só”.
A reformulação na geografia do evento envolveu também negociações com diferentes órgãos da Prefeitura de São Paulo e da Segurança Pública. De um lado, a conversa com a própria Polícia, para que situações como aquela não voltassem a acontecer.
Do outro, com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para fechar mais ruas e até com a zeladoria urbana, para aumentar a visibilidade e a limpeza nestes locais.
“Para isso foi preciso interditar mais rua, desviar mais trânsito, acender mais luz, ter mais equipe de limpeza. Exigiu de todos os órgãos públicos e todos eles se interessaram e se comprometeram”, afirma Gnaspini.
As mudanças deram resultado, dizem o ex-diretor e o ex-secretário, e o evento continuou, com cada vez mais público. Para além das reformulações, Calil afirma que foi especialmente a ligação do paulistano com a Virada que fez com que ela continuasse forte.
“A Virada sobreviveu porque já era, naquele momento, uma festa muito querida pela cidade. Foi um grande acidente de percurso [a violência em 2007], mas a atividade tinha muita força já, naquele momento, na população. Sobretudo na população jovem”.
Em 2013, o Racionais voltou à Virada, em um palco em frente à estação Júlio Prestes. Os fãs voltaram a lotar o evento que, desta vez, aconteceu sem a intervenção da Polícia Militar.