Enquanto o progresso avança veloz pelo mundo, em São Miguel das Matas o tempo parece marcado pelo ritmo lento de baldes vazios e pelo eco das torneiras que mais suspiram do que jorram. Pense por um momento: como seria seu dia sem uma gota d’água na torneira? Sem poder fazer um café, dar banho nas crianças ou simplesmente lavar as mãos? Em São Miguel das Matas, isso não é uma suposição, mas a dura realidade diária de muitas famílias.
A EMBASA, empresa responsável pelo abastecimento de água na região, falha constantemente em cumprir sua obrigação mais básica, transformando o que deveria ser um serviço essencial garantido em uma questão de sorte ou privilégio para poucos.
Como nos ensina a sabedoria popular, “água no feijão que chegou mais um”, mas em São Miguel, muitas vezes nem água para o feijão existe. Dona Maria, com seus 72 anos de vida e histórias, enfrenta diariamente um dilema que ninguém deveria conhecer: guardar água para preparar comida ou tomar banho. Essas histórias não são exceções – são o retrato fiel da vida de tantos miguelenses.
Esta não é apenas uma questão de conforto. É sobre dignidade e saúde. Quando uma mãe precisa escolher entre dar banho no bebê ou guardar água para o almoço, algo está profundamente errado. Quando um idoso acamado não pode ter a higiene que merece, estamos diante de uma violação de direitos básicos. Como diz outro ensinamento popular: “Saúde não é tudo, mas sem ela, tudo é nada” – e sem água, a saúde é apenas uma palavra vazia.
A seca nas torneiras ressoa para além das casas simples. Escolas reduzem suas aulas, comércios diminuem seu funcionamento e até mesmo o hospital vê seu trabalho comprometido. O mais intrigante, porém, é como um problema tão grave gera apenas cochichos entre vizinhos, como se a indignação, assim como a água, também estivesse sendo racionada.
O silêncio que paira sobre nossa cidade é perturbador. Nas rodas de conversa, o assunto surge e morre rapidamente, como se fosse normal viver assim. Nas redes sociais, discutimos política como se outros temas fossem mais importantes que a sede. Será que já nos acostumamos tanto com o pouco que esquecemos que merecemos o básico?
Enquanto isso, nossa classe política parece brincar de “faz de conta” que o problema não existe. Muitos estão ocupados com suas disputas de poder, esquecendo que representam um povo que, literalmente, tem sede de mudança. Como diz o ditado: “Em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Mas aqui, o que falta é água, e todos deveriam ter a razão de lutar por ela. Situação e oposição, que deveriam unir forças pelo bem-estar básico da população, continuam a trocar farpas que não enchem tanque nenhum.
Cidades vizinhas já provaram que a mudança é possível. Serrinha e Tanquinho enfrentaram problemas semelhantes e conseguiram melhorias significativas. Como? Unindo a comunidade, documentando os problemas com fotos e relatos, criando abaixo-assinados, buscando apoio de órgãos como o Ministério Público e, principalmente, não aceitando o inaceitável.
“De grão em grão, a galinha enche o papo”, e de gota em gota, podemos encher nossos reservatórios – não apenas de água, mas de esperança e ação. É hora de a população de São Miguel das Matas se organizar, com representantes de bairros, audiências públicas e comissões para dialogar com a EMBASA. Precisamos pressionar nossos representantes e mostrar que não aceitaremos mais promessas vazias como nossos baldes.
A água pode estar escassa nas casas de São Miguel das Matas, mas que não se esgote a esperança e a disposição para lutar. Afinal, como nos ensina a natureza, até o menor riacho, quando persistente, consegue abrir caminho entre as rochas mais duras. É hora de São Miguel transformar gotas de indignação em um rio de mudança, devolvendo ao seu povo não apenas água, mas também a dignidade que dela brota.
Reinaldo Lemos, Advogado
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