BRASÍLIA, BRASIL — 9 de junho de 2025
A tentativa de golpe articulada por Jair Bolsonaro, réu no Supremo Tribunal Federal, ganhou novos contornos nesta segunda-feira.
Em novo depoimento ao STF, o tenente-coronel Mauro Cid revelou que o ex-presidente mandou a deputada Carla Zambelli, atualmente foragida, apresentar o hacker Walter Delgatti Neto ao Ministério da Defesa para tratar de supostas fraudes nas urnas eletrônicas. A reunião teria sido autorizada diretamente por Bolsonaro, após encontro no Palácio da Alvorada, como parte da estratégia para questionar os resultados das eleições de 2022 e pressionar as Forças Armadas a aderirem a um plano golpista.
Defesa como elo entre hacker e plano golpista
Segundo Mauro Cid, Bolsonaro mobilizou o aparato militar para legitimar uma narrativa já sabidamente falsa: a de que haveria manipulação no sistema eleitoral brasileiro. De acordo com o ex-ajudante de ordens, após um primeiro encontro entre Bolsonaro e Delgatti intermediado por Zambelli, o próprio presidente ordenou que o Ministério da Defesa recebesse a dupla para aprofundar o plano.
“A intenção era dar uma aparência técnica à tese de fraude”, afirmou Cid. A reunião ocorreu, segundo o depoimento, mas o militar não soube confirmar se o então ministro Paulo Sérgio Nogueira participou diretamente. “Acho que foi com um general logo abaixo dele, responsável pelo tema das urnas”, declarou ao STF.
A iniciativa revela que Bolsonaro não agia sozinho. Deputados, militares e figuras do chamado “gabinete do golpe” atuavam em sintonia, com funções bem definidas: Zambelli articulava os contatos, Delgatti fornecia o enredo cibernético e a Defesa emprestava a institucionalidade que faltava a uma narrativa sem provas.
Cid confirma que tese da fraude era insustentável
Durante o depoimento, Cid voltou a repetir o que já havia dito à Polícia Federal: não houve qualquer indício real de fraude nas urnas eletrônicas. Mesmo com os esforços de Delgatti e os relatórios da Defesa, nada foi encontrado que sustentasse a tese conspiratória. Ainda assim, o objetivo de Bolsonaro era manter a desconfiança no ar até o fim de seu mandato, para justificar uma eventual ruptura institucional.
“O presidente trabalhava com duas hipóteses”, afirmou Cid, citando trecho lido pelo ministro Alexandre de Moraes. “A primeira seria encontrar uma fraude nas eleições. A segunda, convencer as Forças Armadas a aderir a um golpe.” A fala desmonta a linha de defesa de aliados de Bolsonaro, que tentam caracterizar as ações do ex-presidente como meras “preocupações democráticas”.
Cid acrescentou que, embora as conversas não fossem “explícitas”, a intenção era evidente. “Sempre se teve a ideia de que pudesse, até o fim do mandato, aparecer uma fraude real nas urnas”, disse. Segundo ele, os dados apresentados pela Defesa após as eleições eram apenas “estatísticas sem qualquer prova concreta”.
Zambelli, Delgatti e a engenharia da mentira
O envolvimento de Carla Zambelli e Walter Delgatti Neto neste enredo vai além da simples colaboração. Ambos agiram como operadores diretos da estratégia golpista. Delgatti — que já havia se envolvido na invasão de mensagens da Lava Jato — se colocou como “hacker de estimação” do bolsonarismo. Já Zambelli, com acesso direto ao presidente e ao núcleo militar, operava como ponte entre o radicalismo digital e os setores institucionais.
A ordem para levar Delgatti à Defesa mostra que a tentativa de golpe não foi improvisada, mas estruturada em múltiplos níveis. A parlamentar, hoje na mira da Interpol, exerceu um papel central — ao mesmo tempo político, operacional e simbólico.
A conexão entre Bolsonaro, Zambelli e o hacker desmonta a tese de que Delgatti agia por conta própria ou como agente externo. Ele era parte da engrenagem.
O papel da Defesa e o silêncio cúmplice dos generais
A menção direta ao Ministério da Defesa coloca pressão sobre Paulo Sérgio Nogueira, que até hoje evita prestar esclarecimentos à Justiça sobre seu papel durante o período eleitoral. Mesmo que não tenha participado pessoalmente da reunião com o hacker, sua pasta foi instrumentalizada para chancelar um plano inconstitucional.
A omissão ou a conivência dos generais que participaram dos encontros não pode ser ignorada. A estrutura militar não apenas abrigou a reunião, como produziu relatórios de conteúdo frágil, mas com grande valor simbólico para alimentar a desinformação.
O depoimento de Cid reforça que houve utilização indevida das Forças Armadas como escudo para uma ofensiva golpista.
O Carioca Esclarece
Bolsonaro pode ser condenado por ter mandado Zambelli levar o hacker à Defesa?
Sim. A ordem indica uso da estrutura do Estado para fins ilegais, o que pode configurar crime de responsabilidade, abuso de poder e associação criminosa. Se houver comprovação de que a reunião visava sustentar um golpe, a pena pode incluir inelegibilidade e prisão.
A participação do Ministério da Defesa foi legal?
Não. O ministério deveria se manter institucionalmente neutro. Receber um hacker, sem função oficial e investigado por crimes cibernéticos, fere o princípio da legalidade administrativa e sugere participação ativa ou omissão grave.
Qual o papel de Carla Zambelli nesse caso?
Ela agiu como articuladora política de uma operação clandestina. Sua participação direta na reunião com Delgatti e no contato com o Ministério da Defesa aponta para envolvimento em tentativa de abolição do Estado de Direito, crime previsto no artigo 359 do Código Penal.