Alexei Navalny, a tragédia de um corpo sem vida que continua a existir

Alexei Navalny, o oposicionista assassinado por Vladimir Putin e de quem Lula se recusa a dizer o nome, assim como o tirano russo, foi enterrado hoje. Milhares de pessoas arriscaram-se a ser presas pelo regime e foram homenageá-lo no seu funeral, em Moscou. A polícia instalou câmeras de reconhecimento facial para identificá-las.

Depois de chantagear a mãe de Alexei Navalny para a entrega do corpo em troca de exéquias que não pudessem se transformar em manifestação de repúdio ao tirano, Vladimir Putin cometeu mais uma infâmia: proibiu que o serviço funerário transportasse o corpo até a igreja onde foi celebrado o culto ortodoxo e também ao cemitério a duas horas dali.

O oposicionista russo é personagem de uma tragédia da qual o seu corpo sem vida prolongou o final funesto. Um corpo sem vida com mais de um significado: a prova material de um assassinato covarde, os despojos do filho, marido e pai amado, o símbolo de resistência política. 

A filosofia ocidental tem no corpo um dos seus grandes objetos de estudo: o que é um corpo, para além de ser uma entidade perceptível pelos sentidos, com propriedades biológicas, físicas e mecânicas (investigação assumida progressivamente pela ciência)?

O corpo mortal é mesmo a tumba da alma imortal, como queria Platão? Ou corpo e alma são não são separados, mas elementos separáveis de uma única substância, como queria Aristóteles, da qual o corpo é o instrumento da alma?

O corpo sem vida de Alexei Navalny é a representação do corpo aristotélico: apesar de separado da alma pelo soco mortal desferido por um sicário de Vladimir Putin, ele continua a formar uma única substância junto com a sua alma tanto para o seu algoz, como para os opositores do tirano. Para o primeiro, perigosa; para os segundos, inspiradora.

Como já dito, Alexey Navalny é personagem de uma tragédia, e ela guarda semelhança com uma grega, na sua essência. A tragédia grega é Antígona, de Sófocles. 

Antígona é filha de Édipo, que se casou com Jocasta sem saber que ela era a sua mãe e se tornou rei de Tebas no lugar de Laio, que assassinou sem saber que ele era o seu pai.

Os irmãos de Antígona, Etéocles e Polinice, matam-se em luta pelo trono de Tebas. Como resultado, Creonte, tio materno, é coroado rei. Ele considera que Etéocles defendeu a pátria, enquanto Polinices a traiu. 

O corpo do primeiro, determina Creonte, será enterrado conforme o costume e homenageado como herói, enquanto o corpo do segundo será deixado insepulto para ser devorado pelas aves de rapina e pelos cães.

Antígona, ao contrário da irmã Ismênia, de personalidade servil, insurge-se contra a ordem de Creonte e enterra o corpo de Polinice, seguindo todos os rituais prescritos pela religião. Para Antígona, a lei humana não se sobrepõe à lei dos deuses. 

O tio rei enfurece-se e a aprisiona em uma caverna. Quando se arrepende, é tarde demais: Antígona havia se enforcado. Ao lado dela, jaz Hémon, o filho de Creonte e Eurídice que era noivo de Antígona e se matou ao vê-la morta. Desesperada com o suicídio do filho, Eurídice se mata. Creonte é punido pelos deuses com três mortes.

Alexei Navalny é Polinice, a sua mãe, Liudmila Navalnaya, é Antígona, Vladimir Putin é Creonte. Muitos outros inocentes e justos ainda morrerão pelas mãos do tirano russo, até que ele seja punido também por ter vilipendiado um corpo sem vida que o assombrará até a morte.

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