I Wanna Be: emos pretos contam como sempre se sentiram deslocados no rolê

“Não vai dar mais!”, disse Aline Silva, de 31 anos, quando viu suas amigas em processo de arrumação para o começo da jornada do festival “I Wanna Be” pelo Brasil. Neste sábado (2), em São Paulo, a tour emo amanheceu oferecendo Fresno, Plan White T’s, Mayday Parade e Pitty como café da manhã e almoço para um público ansioso para encontrar-se com suas versões adolescentes.

Pensar nisso, contudo, é ainda mais curioso para quem, durante todo o rolê emo, viu-se isolado — mesmo quando ao lado de amigos que vestiam preto, alisavam franjas e choravam suas emoções com power-chords. Dominado pelas camisetas pretas como todo evento de rock, o festival demonstrou, mais uma vez, como o rock (e o emo) isolam os negros roqueiros.

“Eu não via muito essa discrepância. Mas, depois da maioridade, comecei a perceber que eu era, muitas vezes, a única pessoa preta”, reflete Natali Rosa dos Santos, fã de Simple Plan e figura cativa na turnê nacional dos canadenses (ela só não esteve em Curitiba). “Não faz muito tempo que eu comecei a refletir sobre isso. Eu tenho muitos amigas brancas. E eu percebi que as pessoas não me cumprimentavam! E isso me deixou atenta ao racismo estrutural. Mas eu lido bem com isso, até. Faço terapia (risos)”. diz, a técnica de enfermagem de 28 anos.

Natali Rosa dos Santos acompanhou a turnê da banda Simple Plan no Brasil (Taiz Dering/Billboard Brasil)

Sentada em um luxuoso inflável verde que se destacava ao lado do palco “It’s Not A Phase”, Aline aguardava confortavelmente o desfecho do show da Boys Like Girls enquanto conversava com a Billboard Brasil. “Ao longo da minha vida eu fui entendendo que eu posso gostar disso também. Quando eu era adolescente, eu tentava me enquadrar. Mas, depois, essa minoria preta no rock me fez perceber que eu poderia gostar de outros gêneros, como o samba, como o funk. Estar aqui hoje meio que um marco para a Aline adolescente. Mas é estranho me ver em um lugar com tantas poucas bandas negras e pessoas negras na platéia. Mas, digamos que estou representando e firmando quem eu sou aqui”, define.

O entendimento do racismo é uma fase que vem após a primeira barreira que, muitos ali, creditam terem transpassado graças ao emo: a barreira da compreensão dos sentimentos. Aline continua: “A música ‘Pulso’, da Pitty, é muito forte e, mais velha, comecei a entender o significado. Com o passar do tempo, passei a acessar o que era aquilo nas músicas da Fresno, a entender o que era o amor e sofrer por amor. E, para uma mina preta, isso é o mais difícil de se fazer”, conta a analista de marketing, sentadinha no trono. ”

Jornalista (e muito tímido), Isaque ficou demonstrou certo receio quando viu que ia ser entrevistado. “Vai ser filmado?”, perguntou. “De 2005 até 2011, eu aprendi a me expressar melhor sobre sentimentos e demais sensações como o ódio, a raiva”, introduz. A primeira marca do gênero em sua personalidade surgiu nas unhas. “Eu acho que a primeira ‘fragilidade’ veio com o pintar das unhas. O emo foi a porta de expressão para tudo. Amor, ódio, para abrir minha sexualidade”. Vestindo uma camisa com a frase “Still In My Emo Phase”, Isaque pede lamenta a branquitude dominante no gênero. “Gente, com certeza! É só olhar o festival hoje! O rock, em geral, é branco. Não existe banda com emos negros. Mulheres pretas? Não existe. Eu até hoje sinto essa questão de se reconhecer. Infelizmente, o emo ficou focado na vivência de pessoas privilegiadas e não atingiu um público mais diverso que se beneficiaria muito com as mensagens do gênero”, finaliza.

Isaque com a camisa “Still In My Emo Phase” e lamentando o rolê ser tão branco na platéia e em cima do palco (Taiz Dering/Billboard Brasil)

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