Putin e a reeleição (por Marcos Magalhães)

A conquista de um novo mandato de seis anos pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, chama a atenção para uma prática política que, no Brasil, já nasceu polêmica: a reeleição.

Ela pode mesmo ajudar a estabilidade, como se disse por aqui antes de sua adoção, em 1997, ou simplesmente congela estruturas de poder?

Putin chegou ao poder em dezembro de 1999, após a renúncia do então presidente Bóris Iéltsin, responsável por uma década perdida de seu país após a queda do regime soviético.

O atual ocupante do Kremlin era agente da KGB, polícia política soviética, na Alemanha Oriental, e viu de perto o processo que levou à queda do Muro de Berlim.

Ele tinha apenas 48 anos quando se tornou presidente. E dedicou toda a energia para a reconstrução política, econômica e militar de seu país. A seu ver, o desmantelamento da União Soviética havia representado “a maior tragédia da história russa”.

Depois do caos político e econômico que se seguiu à queda do antigo regime, Putin conseguiu trazer de volta a ordem e o crescimento. Isso devolveu a autoestima à população russa e rendeu ao novo líder crescente popularidade.

Em troca, porém, o novo regime russo se tornava cada vez mais politicamente fechado e cada vez mais personalista.

Desde então, várias novas lideranças foram impedidas de concorrer às eleições. Muitos opositores foram presos. O mais destacado deles, Alexei Navalny, morreu neste ano em circunstâncias pouco esclarecidas na prisão.

Por causa dessa estrutura política lenta e pacientemente costurada ao longo das duas últimas décadas, o mundo recebeu sem surpresa o novo mandato de Putin. Os mais de 80% de votos foram obtidos por ele, segundo os críticos, em eleições opacas.

O presidente, naturalmente, procurou fazer do elástico resultado uma demonstração de força e de unidade nacional, especialmente quando enfrenta crescente oposição do Ocidente à presença de suas tropas na Ucrânia.

Mas a sua longa permanência no poder, afinal, significaria o fortalecimento de seu país, depois da longa decadência que se seguiu à queda do regime soviético?

Em seu livro A Rússia face ao Ocidente (da série MyNews explica!), o professor de Relações Internacionais Paulo Visentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, aponta um quadro complexo.

“Sua contínua reeleição revela mais fragilidade do que força, pois falta ao país uma identidade nacional, e ao Estado um partido de sustentação, como na China”, escreveu Visentini.

“A população, em linha gerais, o apoia, mas ele teve que bloquear canais de ingerência externa na Rússia (via ONGs) e aumentar o controle sobre a sociedade”.

Apesar da recuperação econômica dos últimos anos, prossegue o autor, o país ainda tem hoje um Produto Interno Bruto equivalente ao da Espanha, cuja população equivale a 30% da população russa.

Ou seja, ainda parece existir muito trabalho pela frente. Mesmo assim, o longevo Putin mantém alta popularidade em seu país e coleciona também simpatizantes pelo mundo.

No Brasil, onde a realidade é certamente bem diferente, ele tem admiradores à direita e à esquerda. Desde o ex-presidente Jair Bolsonaro, que demonstrou sua “solidariedade” a Putin pouco antes da invasão da Ucrânia, ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, visto no exterior como voz favorável ao presidente russo.

Os dois principais nomes da atual política brasileira também compartilham o mesmo desejo de longevidade no poder. Sempre baseados na possibilidade de reeleição.

Enquanto esteve no poder, Bolsonaro dizia que só “bem lá na frente” deixaria o Palácio do Planalto. Ele bem que tentou ficar, mesmo após perder as eleições, e agora terá de responder na Justiça pela tentativa de golpe de Estado.

Por sua vez, Lula anunciou, ao tomar posse pela terceira vez como presidente, que este seria seu último mandato. Mas parece já ter mudado de ideia. Os planos para sua reeleição, em 2026, estão em pleno andamento.

O tema atravessou a rua e chegou ao Congresso Nacional. Já se discute no Senado uma proposta de emenda à Constituição destinada a terminar com a reeleição e ampliar os mandatos eletivos para cinco anos. Tudo, se possível, acompanhado de uma futura coincidência geral de mandatos.

Os planos de Lula não seriam afetados. Ou seja, ninguém pensa em retirar dele a possibilidade de mais um mandato em 2026. Dessa forma, o presidente poderia vir a exercer o cargo por 16 anos – ainda assim bem menos do que Vladimir Putin na Rússia.

Mesmo assim, Lula não gosta muito do fim da reeleição e nem do mandato de cinco anos. Em conversa com parlamentares, há poucos dias, ele teria defendido – se for aprovado o fim da reeleição – o mandato único de seis anos.

Por quantas vezes? Ninguém ainda sabe. Quando ainda não havia sido aprovada a proposta de reeleição, governadores exerciam um mandato de quatro anos, elegiam um sucessor e voltavam em seguida. Não havia limites para o número de mandatos não consecutivos.

O debate ainda está começando no Congresso. Mas o cenário que se desenha é o de mandatos de cinco anos para presidente, governadores, deputados, prefeitos e vereadores.

Os senadores, por sua vez, disporiam de 10 anos de mandato. Para chegar lá, estudam-se pelo menos três alternativas de regras de transição, com mandatos menores ou maiores.

Há duas críticas mais importantes. A primeira é a de garantir 10 longos anos de mandato para os senadores. A segunda refere-se ao tamanho dos mandatos durante a transição.

E as vantagens? Teoricamente os governantes teriam tempo suficiente, durante um só mandato de cinco anos, para colocar em prática as suas promessas de campanha.

Por outro lado, a coincidência geral de mandatos daria mais foco à gestão pública, uma vez que não haveria eleições a cada dois anos, como atualmente.

Além disso, e talvez principalmente, se abriria espaço para o surgimento de novas lideranças e para a oxigenação do meio político. Algo impensável hoje, por exemplo, em países como a Rússia de Vladimir Putin.

Se Lula for reeleito em 2026, já terá obtido seus quatro mandatos e poderá se aposentar feliz. Caso Bolsonaro consiga se livrar da prisão, poderá vir a tentar um mandato solo de cinco anos a partir de 2030.

O Brasil, por sua vez, daria um grande passo ao superar esse permanente tiroteio entre os dois. O fim da reeleição e o mandato de cinco anos podem abrir uma possibilidade de renovação de lideranças, acompanhada de estabilidade política. Vale a pena tentar.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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