Lira adia decisão sobre anistia aos presos do 8 de Janeiro para atrair apoio do PT em eleição para presidir a Câmara dos Deputados

 

A decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de retirar o Projeto de Lei da Anistia aos presos de 8 de janeiro de 2023 (PL 2.858/22) da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), às vésperas da votação, é uma tentativa de atrair o apoio do PT ao seu candidato à Presidência da Câmara. Apesar de ter desagradado a oposição, Lira tenta obter o apoio tanto do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto do PL, de Jair Bolsonaro, para a candidatura do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).

Em uma manobra, que foi recebida com surpresa por deputados favoráveis à anistia aos presos, Lira criou uma comissão especial para tratar da pauta e impediu a aprovação do projeto na CCJ, que era considerada certa. Assim, o tempo de tramitação foi alongado e o projeto não passará mais pela CCJ, onde a oposição tem maioria. Também não há possibilidade de recurso contra a decisão de Lira.

A reportagem apurou com lideranças de partidos que Lira ofereceu ao PT não só segurar o andamento do processo de anistia, ao menos por ora, como também prometeu garantir a governabilidade na Câmara em troca do apoio do governo Lula a Motta.

A deputada Bia Kicis (PL-DF), líder da minoria, se disse surpresa com a manobra e falou em retrocesso. “Fui surpreendida com a notícia de que o presidente Lira decidiu criar uma comissão especial para tratar do tema. Isso nos faz retroceder. Enquanto isso, muitos ainda sofrem com prisões e processos claramente ilegais e inconstitucionais. É urgente que essa comissão avance rápido, pois essa mudança foi um verdadeiro choque para todos nós que lutamos por essa anistia e reconhecemos a importância de tratar o tema com a urgência que ele merece”, afirmou a parlamentar.

O deputado Rodrigo Valadares (União-SE), relator do PL da anistia, disse à Gazeta do Povo que foi surpreendido pelo anúncio da criação de uma comissão especial para analisar a matéria. “Soube pela imprensa”, disse Valadares, que ainda tenta entender o que aconteceu. No entanto, nos bastidores, há quem afirme que as articulações para mudar a tramitação do projeto já estavam sendo discutidas há pelo menos três semanas.

Na manhã dessa terça-feira (29), ao oficializar apoio ao líder do Republicanos, Hugo Motta, como seu sucessor na presidência da Câmara, Lira justificou a criação de uma comissão especial para tratar exclusivamente do projeto de lei da anistia aos presos de 8 de janeiro dizendo não ser pertinente misturar a pauta com a eleição.

“O tema deve ser devidamente debatido pela Casa. Mas não pode jamais, pela sua complexidade, se converter em indevido elemento de disputa política, especialmente no contexto das eleições futuras para a Mesa Diretora da Câmara”, disse o presidente em pronunciamento à imprensa. Lira também enfatizou que a Comissão seguirá rigorosamente todos os ritos e prazos regimentais.

Nos bastidores, Lira agiu para amenizar o impacto do adiamento da análise do projeto de anistia na oposição. Ele usou o argumento de que, mesmo que fosse aprovado agora na CCJ, ainda poderia ser rejeitado no plenário da Câmara ou, especialmente, barrado no Senado, por decisão do presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é contrário à pauta. Manobras semelhantes já aconteceram com a reforma tributária e com a minirreforma eleitoral, que acabaram tendo a discussão adiada por decisão de Pacheco.

Para a oposição, a prioridade sobre a anistia está mantida

Apesar da manobra de Lira no projeto de lei da anistia, os deputados favoráveis afirmam que a prioridade sobre a pauta se mantém. Com a criação da comissão especial, os partidos terão que indicar membros de acordo com a proporcionalidade. A comissão será composta de 34 membros titulares e de igual número de suplentes.

“A anistia é uma prioridade para mim e para tantos brasileiros que anseiam a liberdade e a justiça e continuo tendo a convicção que será aprovada. Fui comunicada pelo presidente Arthur Lira de que ele criaria uma comissão especial para tratar do tema. O meu desejo é que seja aprovada o mais rápido possível no Plenário da Câmara. Todo o nosso esforço não foi em vão. Nossa mobilização nos trouxe até aqui e não descansaremos enquanto não for aprovada. É urgente que façamos a verdadeira justiça e continuaremos firmes na nossa missão”, afirmou Carol De Toni, presidente da CCJ.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi ao Congresso nessa terça-feira (29) para debater a posição do PL no processo de sucessão na Câmara. “A prioridade nossa é o pessoal que está preso, eu sou o segundo plano. Não posso conversar com Valdemar (Costa Neto). Se pudesse, muitas coisas que acontecem – e há um certo atrito – não teriam ocorrido”, disse Bolsonaro à imprensa. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, e Bolsonaro não podem manter contato por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ele se mostrou resignado com o envio do projeto de anistia aos presos para uma comissão especial. “Não adianta você aprovar por duzentos a zero ou quinhentos a zero na comissão se o dono da pauta no plenário é o nosso Arthur Lira. Arthur Lira não está impondo nada para mim, nem eu para ele”, disse Bolsonaro, ao afirmar ainda que há chances de o projeto ser aprovado ainda neste ano.

Postergando a aprovação na Câmara, no Senado haveria um acordo para que o próximo presidente não barrasse a tramitação da proposta. O principal temor de parlamentares favoráveis à anistia era que Pacheco puxasse o projeto direto para o plenário e o rejeitasse.

Nos bastidores, deputados afirmam que a intenção de Lira é usar a comissão especial para sensibilizar a população sobre a situação dos presos, levando as famílias para falar em audiências públicas.

Bolsonaro disse que pretende levar para a comissão os “órfãos de pais vivos”. “Vocês vão ficar chocados. Quando eu trouxer para cá, está previsto, estamos conversando, seis filhos de 8 anos para baixo do mesmo homem que está condenado a 17 anos de cadeia. Vocês vão se emocionar”, disse o ex-presidente.

Repercussão da manobra de Lira sobre a anistia movimenta corrida pela sucessão da Casa

Depois de Lira oficializar seu apoio a Motta, os partidos se movimentam para se posicionar. Além de Lira ter formalizado seu apoio a Motta, o seu partido, o PP, também referendou apoio.

A bancada do União Brasil, partido de Elmar Nascimento – que também é candidato à presidência da Câmara – vai discutir a sucessão.

O PT também pode bater o martelo sobre o apoio a Motta. Alguns deputados petistas, como Odair Cunha (MG), que é o líder do partido na Câmara, já tinham manifestado a possibilidade de o partido fechar com o candidato do Republicanos. O deputado Bohn Gass (PT-RS) disse que a tendência é de que a bancada feche o apoio a Motta. “Não foi só a retirada do projeto da anistia da CCJ que pesou. Também tem o compromisso com a governabilidade”, afirmou o petista à Gazeta do Povo.

Já a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a maior bancada do Congresso, tem membros dos três partidos que apresentaram candidaturas à presidência da Câmara. De acordo com o presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), a bancada terá que conversar com os candidatos, mas sinalizou que Hugo Motta já o procurou para falar sobre a sucessão de Lira.

Sobre a jogada do presidente da Câmara de transferir a discussão do projeto de lei da anistia para presos de 8 de janeiro para conseguir apoio à candidatura de Motta, Lupion disse que, na sua opinião, a manobra do presidente Lira foi uma “jogada errada”.

O ex-presidente Jair Bolsonaro também comentou que conversou com Lira sobre o assunto. “(O apoio a Hugo Motta) está sendo discutido. Ontem eu conversei com Lira, não é mistério para ninguém. Conversamos também sobre a criação de uma comissão por causa dos anistiados. Conversei com Carol de Toni e com Valadares, que é o relator. A gente vai conversando com todo mundo e acredito que nos próximos dias, talvez até amanhã, temos uma alternativa para tudo isso aí”, disse Bolsonaro.

Bolsonaro disse que não condiciona a futura aprovação da anistia aos presos de 8 de janeiro ao apoio a Motta, mas ressalvou que acordos são feitos cara a cara, sem formalização.

Para analistas, a mudança de rumo do projeto da anistia foi a solução possível para construção de candidatura de consenso. Na opinião do professor de Ciências Políticas Adriano Cerqueira, do IBMEC de Belo Horizonte, não é surpresa que Arthur Lira tenha alterado os rumos da tramitação do projeto que trata da anistia aos presos do 8 de janeiro, ao transferir o debate do tema para uma comissão especial. “A questão da anistia não pode ficar no bate-boca”, afirmou o docente.

Para Cerqueira, Lira costurou um acordo com a anuência inclusive da oposição, que é a maior interessada na anistia, após conversar com líderes como o ex-presidente Bolsonaro e o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto. Dessa forma, teria conseguido construir uma candidatura com mais chances de ser viabilizada, já que o líder do Republicanos, Hugo Motta, transita bem tanto entre a oposição quanto no governo na Câmara dos Deputados.

Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ, considerou a movimentação de Lira em favor de Motta como natural. “Ele já estava por trás do lançamento da candidatura quando viu que a candidatura de Elmar enfrentava resistências e enxergou no Hugo Motta uma possibilidade”, disse Fernandes.

Para ele, o fator anistia pode complicar um pouco a vida de Hugo Motta com a criação da comissão especial. “Lira tentou uma solução ‘salomônica’, nem colocou o projeto em plenário, como queria o PL, nem arquivou como queria o PT. Ele criou a comissão e com isso a tendência é que o próximo presidente da Câmara tenha que decidir sobre o tema”, completou o analista.

Fonte: Gazeta do Povo

Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

 

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