Assassinos louvados (por Eduardo Fernandez Silva)

Maria sabia que envenenava João, mas continuou na mesma trilha, sem alterar suas ações. Um outro João estava ciente de que, pouco a pouco, matava uma outra Maria, mas não mudou seu comportamento. Ainda um outro João divulgou mensagens falsas para esconder o fato de que, aos poucos, matava uma outra Maria. E muitos outros joões e marias seguiam na mesma trilha: conscientemente continuavam a matar outras marias e joões, mas alegavam que lhes era essencial continuar com as mesmas ações: questão de sobrevivência. Sobrevivência de quem, cara pálida?

Esses joões e essas marias acreditavam-se oráculos e, assim, se desculpavam, pois muitos os admiravam, pois a propaganda que faziam funcionava! Estes admiradores fechavam os olhos para as marias e os joões mortos ou moribundos e miravam apenas uma coisa que aqueles outros joões e marias queriam mostrar: the bottom line! Ou seja, dos muitos resultados decorrentes do comportamento daquelas marias e joões, só um interessava, só a um se dava importância. Como se algo tão vasto, complexo e importante como a qualidade da vida pudesse ser medido por apenas um número, o “resultado final” de uma contabilidade enviesada, que contabiliza apenas parte dos custos, socializando muitos outros. Tais como a fumaça do cigarro, a exaustão dos motores, as florestas queimadas, os peixes intoxicados, os rios assoreados e as zonas mortas nas suas fozes, o plástico em nossas veias, os químicos eternos nas nossas comidas, o arremedo de comida que nos envenena, o ar poluído que mata, a cada ano, mais que o holocausto!

Não obstante todos esses óbitos, o resultado trimestral apresentado às bolsas é o que mais importa, o que é mais louvado, como se tais resultados não decorressem, em larga medida, daquelas mortes e doenças.

São marcas de luxo que lucram com trabalho escravo, produtores de mercadorias que envenenam pessoas, extratores de recursos naturais que desequilibram o clima, vendedores de sonhos que convencem as pessoas a se endividarem para comprar coisas de que não necessitam, todo um conjunto de pessoas articuladas entre si que, comprovadamente, levam-nos, e mais ainda nossos filhos e netos, ao abismo.

Mas esses assassinos criam empregos, pagam impostos, desenvolvem tecnologias. Sem dúvida isso é verdade. Mas, quais empregos, aqueles que levam as pessoas a crises de burn out? E os impostos que pagam, superam os subsídios que recebem e os custos que não contabilizam? E as tecnologias que desenvolvem focam na ampliação do bottom line e em não contabilizar parte dos custos, que passam a ser rotulados de “externalidades”, “acidentes” e outros eufemismos! Menos de dez empresas gigantescas são responsáveis por mais da metade do plástico que destrói os oceanos!!

É triste constatar que convivemos com assassinos que, ao invés de processados e condenados, são louvados por grande parte da imprensa e dos políticos. Alguns diriam que é o mundo que se está a construir; outros, mais realistas, dirão que é a vida, inclusive a humana, que se está a destruir!

 

Eduardo Fernandez Silva. Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados

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