Ajuste fiscal, agora vai? (Por Hubert Alquéres)

O agravamento do cenário econômico emparedou o governo Lula. O presidente corre contra o relógio para apresentar ainda nesta semana seu pacote de ajuste das contas públicas por meio de um corte de despesas. A equipe econômica entrou no modo “agora vai” depois da péssima repercussão da declaração de Fernando Haddad de que não havia pressa para anunciar as novas medidas econômicas. Na verdade, o ministro da Fazenda paga o preço de, quando da aprovação do arcabouço fiscal, ter cometido o erro estratégico de buscar o equilíbrio fiscal exclusivamente pelo aumento da receita.

Faltou ao governo senso de urgência para retificar a rota de sua política econômica. Desde agosto, a economia emitiu sinais de nuvens negras no horizonte. De lá para cá, o quadro só se agravou. Na última sexta-feira o dólar fechou em R$5,86. A moeda americana valia menos de cinco reais no início do ano. No ano, acumula valorização de 20%. A volatilidade do dólar voltou a acontecer nesta segunda, mas sua marcha é ascendente. Se medidas estruturantes não forem adotadas, a moeda americana chegará à casa de R$6 em pouco tempo.

A inflação, por sua vez, ultrapassou em outubro o teto da meta de 4,5% ao ano. É quase consensual entre economistas e analistas que fechará o ano na casa de 5%. Já a inflação de alimentos, aquela que diz de perto à maioria dos brasileiros, deve fechar o ano de 2024 em 7,6%. Três fatores pressionam a escalada inflacionária:  a expansão do consumo sem aumento da oferta, o cenário internacional em virtude da eleição americana e a deterioração do quadro fiscal.

A mudança do panorama econômico levou o Banco Central a retomar a política de aumento da taxa básica de juros, como aconteceu na sua última rodada. Deve elevá-la para 11,25%, na reunião desta semana, com um aumento de meio ponto. Especialistas preveem para o final de 2025 juros básicos de 13,5%. Juros altos são um remédio amargo. Levam à inibição do crescimento econômico, com o consequente aumento do desemprego. Mas é um remédio inevitável quando as contas públicas não estão equilibradas.

O governo ficou batendo o bumbo sobre dados positivos da economia – crescimento do PIB de 3%, queda do desemprego – deixando, porém, de fazer o dever de casa. Desde o primeiro semestre do ano passado a equipe econômica, em especial os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, vem defendendo alcançar as metas do arcabouço fiscal também pelo lado das despesas. Mas todas as vezes foram bloqueados por declarações demagógicas de Lula de que gastos são investimentos e não faria cortes de despesas prejudiciais aos mais pobres.

A dívida pública é o grande gargalo a ser enfrentado. Ou, como diz Haddad, a batata quente nas mãos de sua equipe econômica. Hoje ela representa quase 80% do PIB, quando em 2015 correspondia a 64%.  O governo tem contraído empréstimos no mercado a prazos mais curtos e taxas mais altas, pagando juros reais de 7% ao ano. É uma taxa altíssima. Esses juros das dívidas representam algo em torno de 5% do PIB, segundo o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga.

A questão é saber qual o tamanho do ajuste fiscal necessário para estabilizar a relação dívida pública/PIB em patamares civilizados e, ao mesmo tempo, propiciar a elevação dos investimentos públicos. Hoje eles representam menos de 2% ao ano, quando há 35 anos significavam 5% do PIB. Não apenas o governo investe pouco. O país, como um todo, também. Há anos os investimentos no Brasil estão estacionados em uma casa inferior a 17% do PIB, quando o desejável para um crescimento sustentado seria em torno de 25%.

Com investimentos raquíticos e sem aumento da produtividade cria-se o desequilíbrio entre a demanda e a oferta do produto, um dos elementos responsáveis pelo aumento da inflação.

O governo Lula terá coragem para fazer o que é necessário?

A meta de Haddad é, conforme suas palavras, um ajuste suficiente para colocar as despesas compatíveis com o arcabouço fiscal. A equipe econômica fala em adotar medidas estruturantes, como preconiza o mercado. Trocando em miúdos: um corte de despesas para garantir a meta de um superávit primário 1%, no último ano do governo Lula. Isto não responde à necessidade da estabilização da relação dívida pública/PIB. A visão realista de Armínio Fraga o leva apontar como necessário um superávit primário igual ao crescimento do PIB, hoje na casa de 3%.

Inexiste corte de despesas indolor. Esse é o problema. Até onde Lula pode ir?  Economistas como Samuel Pessoa apontam ser inviável cumprir as metas do arcabouço fiscal com a indexação de benefícios e políticas públicas ao salário mínimo e seus aumentos, pois o custo dessas políticas crescerá a uma velocidade maior do que o limite do arcabouço. Ele defende com ênfase a desindexação radical mas Lula já deixou absolutamente claro não estar disposto a pagar o custo político desse vespeiro.

Os limites do ajuste serão definidos pela política. Além do presidente, até onde o Congresso, de vocação expansionista do ponto de vista fiscal, estará disposto a bancar um pacote fiscal que contrarie corporações incrustadas na máquina do estado?

Não se desconhece as boas intenções de Haddad e Tebet. Nem os méritos da equipe econômica, uma ilha de bom-senso em um governo que não prima por essa virtude. Mas há razões para o ceticismo quanto à possibilidade de um ajuste fiscal capaz de gerar um superávit primário robusto o suficiente para reduzir o endividamento do governo.

Sem isso, o crescimento do PIB, acima da meta estabelecida nos últimos anos, pode vir a ser mais um voo de galinha, como tantos que aconteceram no passado.

Será o fantasma do governo Dilma Roussef, com a crise econômica e social batendo à porta dos brasileiros por causa da gastança irresponsável. Se isso acontecer, as possibilidades de Lula se reeleger serão escassas. Esse temor talvez tenha levado o presidente a pedir a Haddad que não viajasse para a Europa para acelerar o anúncio do pacote fiscal a tempo de aprová-lo no Congresso ainda neste ano legislativo.

O sentido do “agora vai” é positivo. A dúvida é se a montanha produzirá algo substantivo ou se vai parir um rato, com medidas bem aquém das exigidas pela realidade.

 

Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação

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