A vez do anarcofascismo desvairado (por Felipe Sampaio)

Em um almoço de amigos, no último fim de semana, alguém na mesa fez uma provocação que me chamou a atenção: “Vocês acham que a música sertaneja é fascista?”. Pessoalmente, não acho, até porque a origem dos ritmos populares normalmente não tem motivação ideológica, seja de esquerda ou de direita, muito menos fascista.

A polêmica deve ter surgido nas redes sociais para cutucar alguns astros do sertanejo-pop que declararam voto no ex-presidente Bolsonaro, o que nos leva a outra questão bem atual: O bolsonarismo, pode ser classificado como um movimento fascista? E Bolsonaro, é uma liderança fascista?

Esse é um debate interessante, porque nos permite refletir não só sobre o que o fascismo defendia, mas, também, a que ele se opunha. Os verbos estão no pretérito porque, em um mundo que já passou por tantas mudanças políticas e culturais, até o fascismo anda meio desfigurado. Sendo assim, o que é (ou foi) o fascismo?

Chamar alguém de fascista virou uma espécie de xingamento após a Segunda Guerra Mundial. É comum chamarmos nossos opositores de fascistas, sejam de direita ou de esquerda. Por isso, hoje em dia, tanto Trump como Maduro são chamados de fascistas.

Curioso é que o fascismo, na sua origem, se posicionava justamente como uma terceira opção a ambos os pensamentos – da direita liberal e da esquerda socialista. Ganhou espaço a partir dos anos de 1920, na esteira dos estragos econômicos e humanos da Primeira Guerra, agravados pela Grande Depressão de 1929, somados ainda ao medo do rápido espalhamento dos partidos comunistas pela Europa.

O fascismo ganhou espaço rapidamente na Europa, Japão e até mesmo na América Latina. Como defendia um modelo econômico capitalista, acabou se acomodando mais confortavelmente no campo da direita nacionalista, apesar de inicialmente ter atraído também a simpatia de setores populistas da esquerda, a exemplo do peronismo argentino à época.

Para se ter uma ideia de como as coisas estavam emboladas, a Itália e a Alemanha foram objeto de análises e visitação de pensadores e militantes de esquerda na década de 1930, ficando alguns deles sem entender por que os cidadãos alemães e italianos pareciam mais satisfeitos do que os camaradas soviéticos.

Acontece que tanto o fascismo italiano de Mussolini, como a sua versão nazista alemã e, também, a sua configuração militar japonesa, aplacaram temporariamente as frustrações populares ao aplicarem os fundamentos fascistas originais, que, por um curto tempo, pareciam funcionar bem: um pleno emprego da força de trabalho baseado no esforço de guerra permanente, um sentimento nacional imperialista em busca do “espaço vital” para o povo, um sindicalismo estatal (que favorecia as elites) e um mercado próspero fortemente regulado pelo governo. Tudo isso alinhavado por uma ideologia antidemocrática, misógina, xenófoba e violenta, embalada em um desvirtuamento da teoria evolucionista de Darwin, com viés supremacista racial.

Nesse cenário, vale dizer que a atual direita orgânica europeia se aproxima um pouco mais do fascismo histórico do que Bolsonaro, Trump, Maduro, Putin ou Erdogàn. Não é à toa que a francesa Marine Le Pen rejeita qualquer comparação com essas personagens, cujos governos e discursos se parecem mais com o vale-tudo de um anarcofascismo sem regras, obcecado por passar boiadas e seguir o baile.

Enquanto isso, sigamos curtindo sem culpa o sertanejo, o samba, o forró, a lambada, o carimbó, a rancheira, o frevo, a bossa nova, o mangue beat, o rip rop…

 

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; chefiou a assessoria do ministro da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; foi secretário executivo de segurança urbana do Recife; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; ocupa a chefia de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Empreendedorismo.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.