Eleição de Trump diminui chance do pacote fiscal (Leonardo Barreto)

Uma coisa é o fato. Outra é a interpretação dele, que servirá de base para outros fatos.

Feita essa introdução pretenso-filosófica, a questão imediata é saber como a vitória contundente de Donald Trump será lida pelo presidente Lula enquanto ele tem sobre a mesa um pacote de medidas de controle de gastos.

Explico: a vitória de Trump se soma a outras razões objetivas para colocar Lula na defensiva.

O PT, que ainda quebra a cabeça para entender por que se saiu mal das eleições municipais, agora tem outra esfinge à sua frente.

O caldo que preparou o retorno de Donald Trump teve como ingredientes preferência midiática pela continuidade progressista + problemas do republicano com a justiça + polarização + inflação alta + juros altos + pleno emprego + fortes políticas de transferência de renda + liderança envelhecida.

Algo soa familiar para você?

Com desempenho eleitoral ruim, popularidade morna, perspectiva de um novo ciclo de juros subindo e inflação fora da meta à frente, além desse sinal de mal agouro vindo dos EUA, como Lula vai reagir à proposta do seu ministro econômico de cortar gastos?

Para Lula, olhando o contexto, deve parecer claro que o momento é de acelerar e não de frear.

Valendo um café: a vitória de Trump rifa o pacote de controle de gastos e reforça a preocupação de achar mais dinheiro para colocar em políticas de transferência.

O governo pode até anunciar algo, mas seu objetivo não deve ser outro que não “TOUREAR” o mercado e a sociedade.

Como? Uma possibilidade é jogar com o tempo… vamos propor uma PEC de reforço das regras fiscais para aprovar em 2025, começar a valer em 2026 que, se for descumprido, disparará medidas apenas em 2027…

Tudo o que vier de ajuste estrutural dificilmente não será para depois da eleição geral. Conjunturalmente, medidas para evitar fraudes no BPC, controle biométrico de beneficiários…

Isso significa que, em termos gerais, cresce a possibilidade de o Brasil reproduzir não o que aconteceu nesta semana nos EUA, mas o contexto Argentino, no que batizei como cenário “Alberto Fernandez”, fazendo menção ao ex-presidente portenho:

*Suportar um cenário macro pior (inflação e juros) buscando uma compensação com medidas direcionadas de crédito, transferência e socorros setoriais, além de muito malabarismo fiscal.*

 

*Leonardo Barreto é doutor em Ciência Política (UnB) e sócio da consultoria Think Policy.*

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