HÁ VINTE ANOS – A mídia cega, surda e muda

Começa hoje na 10ª. Vara Federal, em Brasília, o julgamento da quadrilha que falsificou o Dossiê Cayman – conjunto de papéis que imputou ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e aos ex-ministros José Serra e Sérgio Motta a propriedade de uma conta secreta nas Bahamas com saldo de U$ 368 milhões.

A mídia tratou o dossiê durante mais de um ano como se ele fosse verdadeiro. Depois registrou que não era e mudou de assunto. Não me lembro de nenhum veículo que tenha aberto generoso espaço para refletir sobre os danos causados à imagem dos afetados pelo noticiário. E sobre o comportamento da própria mídia no episódio.

O The New York Times examinou com rigor os erros que cometeu na cobertura da invasão do Iraque. E admitiu que se pôs a reboque do governo Bush e que pouco questionou suas razões para fazer o que fez. Foi a forma que achou para se desculpar publicamente.

A mídia tupiniquim embarcou em meados do mês passado na história mais furada deste ano – ou dos últimos dois anos: a publicação das falsas fotografias do jornalista Vladimir Herzog torturado e morto por militares em outubro de 1975.

A história provocou uma crise militar e culminou com o pedido de demissão do ministro da Defesa. Quando restou provada que as fotografias não eram de Herzog, mas de um padre canadense, a mídia não bateu no peito envergonhada nem pediu desculpas.

Tudo bem que se condene a proposta da criação do Conselho Federal de Jornalismo. Eu mesmo sou contra. Mas a mídia deveria oferecer uma contrapartida a isso. No mínimo, deveria se tornar mais rigorosa com seus próprios erros. E confessá-los com estardalhaço.

 

(Publicado aqui em 8 de novembro de 2004)

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