Fumaça branca à vista? Haddad prevê concluir pacote de corte de gastos

Brasília segue à espera de uma fumaça branca. Ao contrário do que ocorre no Vaticano, quando a fumaça indica que um novo papa é eleito, na capital federal, o sinal seria uma analogia para indicar que as medidas de corte de gastos públicos foram definidas. Esta é a terceira semana que o tema segue apenas como expectativa, sem anúncios.

No domingo (10/11), houve uma reunião ministerial convocada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Palácio da Alvorada, na qual os ministros teriam esgotado as opções para as “tesouradas”.

Já nessa segunda (11/11), Lula se reuniu a sós com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no Palácio do Planalto. O encontro dos dois ocorreu após uma extensa agenda sobre o G20, que contou com mais de 30 pessoas, incluindo Haddad e outros ministros.

Depois da reunião com Lula, Haddad disse que as reuniões com os ministérios do Trabalho, da Previdência, do Desenvolvimento Social, da Saúde e da Educação já se completaram. Segundo ele, o presidente pediu um esforço para incluir um ministério, em negociação que deve ser concluída até quarta-feira (13/11). Ele não adiantou qual é essa pasta, porque disse não saber se haverá tempo hábil de incorporar essa medida adicional.

A data de anúncio das medidas e seu encaminhamento ao Congresso Nacional está a cargo do Palácio do Planalto. As medidas, que dependerão de aprovação dos parlamentares, estão sendo preparadas pela Casa Civil, de acordo com Haddad.

Agenda internacional em foco

Apesar do otimismo de Haddad, a agenda internacional pode interferir no ritmo das negociações. A 19ª reunião de cúpula do G20 começa na próxima segunda (18/11), no Rio de Janeiro, encerrando a presidência brasileira do bloco.

Nesta semana, além dos preparativos para a reunião do Grupo dos Vinte, autoridades já direcionam as atenções para a 29ª conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP29, que começou nesta segunda em Baku, no Azerbaijão. Sem Lula, a comitiva brasileira é chefiada pelo vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin (PSB), e já começou a chegar no país.

Lula seguirá em Brasília nos próximos dias, mas, além da pauta internacional que ocupa cada vez mais espaço na agenda presidencial, esta semana e a próxima são marcadas por dois feriados que deverão impactar o ritmo de negociações — na sexta-feira (15/11), com o feriado da Proclamação da República, e na quarta-feira (20/11), com o Dia da Consciência Negra, que será celebrado em caráter nacional pela primeira vez.

Na semana passada, ministros das áreas possivelmente impactadas se reuniram no Palácio do Planalto para discutir as revisões de despesas. Entre eles, estavam o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, e o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que reagiram negativamente às possibilidades de tesouradas em suas pastas. Ainda não há definição de novas reuniões com eles nesta semana.

Entre as ideias ventiladas pela equipe econômica, estão mudanças na multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e no seguro-desemprego, de modo a usar parte da multa rescisória para “financiar” o seguro-desemprego.

Também é buscada uma correção de irregularidades no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, e a despesa obrigatória que mais tem crescido nos últimos anos. Desde meados deste ano, o governo vem fazendo um pente-fino no BPC, com a adoção de regras mais rígidas.

Na semana passada, o ministro da Previdência negou cortes na sua área. “Essa discussão não passa por nenhum corte da Previdência. A discussão é buscar eficácia na administração pública, dar direito a quem tem direito, mas não deixar quem não tem direito, erradamente, conseguir isso, permanecer com esse direito”, disse Lupi.

Segundo Haddad, há intenção em apresentar linhas gerais das medidas previamente aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Haverá a necessidade de pelo menos uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que exige quórum elevado para aprovação. O ministro da Fazenda tem falado com os dois sobre o tema, mas tratará nesta terça especificamente sobre o encaminhamento das medidas com o presidente Lula, antes de chamar as duas lideranças para conversar.

Mercado à espera

O mercado segue apreensivo com as indefinições, o que se refletiu no dólar, que fechou na segunda em alta de 0,56%, cotado a R$ 5,76. Pela manhã, a divisa alcançou a máxima de R$ 5,81. O movimento reflete a divulgação do Boletim Focus, do Banco Central (BC), que prevê uma inflação de 4,62% para 2024, as incertezas quanto ao anúncio de revisão de gastos do governo brasileiro e ainda as apostas do mercado em um juro real americano maior no governo do republicano Donald Trump.

Prometido em meados de outubro para ser anunciado após as Eleições Municipais, o pacote busca dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal e acalmar investidores quanto ao desequilíbrio das contas públicas do Brasil. O mercado espera que o impacto fiscal fique acima de R$ 20 bilhões.

Como as declarações de Haddad foram feitas apenas na noite de segunda, já após o fechamento dos mercados, as reações deverão vir nas primeiras horas desta terça, na abertura.

Manifesto joga mais lenha na fogueira

No início desta semana, um manifesto assinado por um grupo de acadêmicos, sindicalistas, parlamentares e representantes de movimentos sociais contra o corte de gastos jogou mais lenha na fogueira.

“Embora os detalhes finais ainda não tenham sido divulgados, já está evidente que essas medidas fazem parte de uma estratégia de austeridade que aprofunda o Novo Arcabouço Fiscal e ataca diretamente conquistas sociais históricas”, diz o texto assinado por parlamentares do PSol e alguns petistas.

Para os signatários, trata-se de um pacote “antipopular” e que “ignora deliberadamente as desigualdades estruturais do país e agrava a situação dos mais vulneráveis”. O grupo sustenta que as medidas têm o apoio de entidades como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da grande imprensa.

“Nós, em contraste, defendemos que o Novo Arcabouço Fiscal seja alterado ou revogado para que os direitos sociais não apenas sejam preservados, mas também expandidos, garantindo a inclusão e a proteção da população mais vulnerável.”

Na visão dos signatários, o verdadeiro problema não é a falta de recursos, mas a escolha de onde e como aplicá-los. Eles defendem a ampliação de investimentos públicos e a mobilização popular contra o pacote.

“Não podemos permitir que direitos conquistados ao longo de décadas sejam destruídos por políticas de austeridade que apenas aprofundam a desigualdade e a exclusão. O momento exige resistência, organização e luta. Precisamos proteger a saúde, a educação, a previdência e, acima de tudo, a dignidade da classe trabalhadora”, completa o texto.

Haddad defende medidas

Na mesma noite de segunda, Haddad minimizou o manifesto, dizendo que as medidas sequer foram anunciadas publicamente. “Eu quero dizer que é natural que haja o debate. Nós estamos vivendo numa democracia, felizmente, é natural que haja o debate. Nós estamos muito seguros do que nós estamos fazendo. É para o bem dos trabalhadores”, disse ele a jornalistas.

Ele ainda completou que as medidas visam manter a sustentabilidade da economia brasileira. Haddad afirmou que, neste momento, a economia cresce “bem”, com inflação controlada, apesar de choques de oferta em relação a alguns itens.

“Nós queremos crescer com baixa inflação e crescimento do salário”, ressaltou.

Questionado se houve alguma desidratação nesse debate, ele negou. “Para ser bem honesto, foi muito bem. Teve ajustes, teve aperfeiçoamentos incorporados, sim, mas eu não chamaria de desidratação. Pelo contrário. Penso que torna as medidas mais compreensíveis, mais palatáveis. Nós entendemos que o processo foi muito benéfico”.

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