MP denuncia deputado por falas contra aula de cultura afro em escola

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apresentou à Justiça local uma ação civil pública contra o deputado distrital Pastor Daniel de Castro (PP). O processo se refere às falas do parlamentar contra uma aula de cultura africana em uma escola pública do Lago Sul e pede que ele tire o vídeo com as críticas do ar — o que já foi negado pela Justiça. O parlamentar chegou a dizer que a professora responsável pela aula incitava “crianças a pronunciarem nomes de deuses” de religiões de matriz africana em sala de aula.

O caso repercutiu em 4 de novembro, após vídeos da aula de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, do Centro Educacional do Lago Sul, rodarem as redes sociais. As imagens mostram a sala de aula com folhas no chão, que simulam o cenário das cerimônias de candomblé. No quadro, estavam escritas algumas músicas ligadas às religiões de matrizes africanas. Na época, Daniel de Castro, em um vídeo no Instagram, acusou a professora de “fazer rituais de magia em sala de aula”. Ele chegou a dizer que a denunciaria ao MPDFT.

Porém, após a repercussão do caso, promotores do órgão protocolaram a denúncia contra o deputado. No documento, os responsáveis afirmam que o parlamentar “disseminou e reforçou o falso estereótipo de que as religiões de matrizes africanas estão associadas a algo ruim, mal e perigoso”.

Em decisão, nesta terça-feira (19/11), o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) negou o pedido liminar para que o vídeo seja apagado. A juiza entendeu que a postagem não está mais em destaque no perfil do deputado e que “é praticamente impossível eliminar por completo informações já disseminadas na internet”.

Agora, a Justiça aguarda manifestação das partes para dar andamento ao processo.

Multa

Na ação, além da retirada do vídeo, o MP pede que o deputado se retrate publicamente e peça desculpas para a professora. Além disso, pede que a Justiça determine que Daniel de Castro participe de curso de letramento racial, focado na temática da educação para as relações étnico-raciais e liberdades religiosas, de modo presencial, devendo apresentar certificado no prazo de 6 meses.

O órgão ainda requere que o parlamentar pague uma multa de dano moral coletivo, no valor de R$ 100 mil. Metade será revertida ao Fundo De Direitos da Criança e do Adolescente do DF (FDCA/DF) e a outra metade a alguma instituição ou programa que verse sobre Políticas Públicas para a promoção da igualdade racial.

O que diz o deputado

Em nota, Daniel de Castro informou que, até o presente momento, não tomou ciência da referida ação. Leia a nota na íntegra:

“Causa-me profundo espanto que o Ministério Público apresente denúncia relacionada a um pedido feito por mim, no legítimo exercício do mandato parlamentar, para que fossem apuradas denúncias apresentadas por pais preocupados com ações realizadas no ambiente escolar.

O vídeo publicado por mim, ainda que contenha críticas passíveis de questionamento às práticas pedagógicas de uma professora, insere-se no âmbito de minha atuação parlamentar. Tal atuação inclui atender às demandas de meu eleitorado, fiscalizando atividades e condutas de interesse público, especialmente aquelas relacionadas à educação.

Reitero que, em todas as minhas manifestações, sempre defendi a laicidade do Estado, princípio fundamental da nossa Constituição. Acredito firmemente que a escola não é lugar para a prática de qualquer religião, sendo essa uma responsabilidade que cabe exclusivamente aos pais e às famílias.

Por fim, destaco que todas as minhas falas foram proferidas no exercício do mandato parlamentar, estando plenamente protegidas pela imunidade material prevista no artigo 53 da Constituição Federal, que assegura aos parlamentares a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no âmbito do exercício de suas funções. Permaneço à disposição para quaisquer esclarecimentos, reafirmando meu compromisso com a legalidade, a transparência e a defesa do interesse público”. 

Relembre o caso

A aula na escola pública gerou polêmica após os vídeos gravados por aluno da disciplina mostrarem a sala de aula com folhas no chão, que simulavam o cenário das cerimônias de candomblé. No quadro, estavam escritas algumas músicas ligadas às religiões de matrizes africanas.

Além disso, áudios gravados pelos alunos revelam parte do conteúdo da aula ministrada pela professora, em que ela propõe algumas práticas vinculadas às crenças religiosas.

Veja os vídeos e ouça os áudios:

4 imagens

Folhas no chão simulam cerimônia de candomblé em escola do DF

Aula História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena ocorreu no Centro Educacional do Lago Sul
Músicas no quadro da sala de aula durante a disciplina  História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena
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Aula História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena

Reprodução

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Folhas no chão simulam cerimônia de candomblé em escola do DF

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Aula História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena ocorreu no Centro Educacional do Lago Sul

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Músicas no quadro da sala de aula durante a disciplina História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena

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Em áudio também gravado por aluno, a professora responsável pela disciplina orienta os estudantes como funciona a aula. “A gente pode ter, por exemplo, filtro de barro. Toda hora que uma pessoa entra na sala, a gente dá um copo de água pra ela vir pra sala, que é uma prática que se faz no terreiro. A primeira coisa que a pessoa faz é tomar água. Então, quando a pessoa vai tomar água, a gente pode fazer uma mesa de frutas, porque a fruta está muito presente nessa religiosidade, para expressar prosperidade e abundância”, afirmou.

“No segundo horário, por exemplo, que a gente poderia falar do povo iorubano. Aí a gente traz uns orixás que são cultuados entre os iorubanos. No último horário, a gente pode falar, por exemplo, de cultos mais sincréticos afro-brasileiros. Por exemplo, falar a respeito da jurema, da umbanda e de outras religiosidades afro-indígenas que têm a influência, mas que não são os candomblés”, disse a professora.

Ouça os áudios:

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