Boicote ao Carrefour: você paga pelo protecionismo e pela patriotada

Acompanho com aquela curiosidade antropológica que me é característica a briga entre franceses e brasileiros sobre o acordo comercial da União Europeia com o Mercosul. O desacordo sobre o acordo gira em torno, principalmente, da importação de carne brasileira, argentina, uruguaia e paraguaia para a França. Para queimar o churrasco, o Carrefour entrou no meio da confusão.

Os agricultores franceses estão tiriricas com o acordo e argumentam que a concorrência será desleal, visto que são obrigados a seguir uma série de normas sanitárias e ambientais impostas pela UE, que encarecem a carne produzida por eles, ao passo que os sul-americanos estão livres de segui-las, o que os torna muito mais competitivos — e a sua carne, teoricamente mais arriscada tanto para a saúde das pessoas, como para o meio ambiente, dizem os agricultores franceses, que também acusam , e com razão, os burocratas europeus de criar regras despropositadas a pretexto de querer proteger os consumidores do bloco  (na verdade, os burocratas em Bruxelas, todos de esquerda, fazem de tudo para prejudicar o capitalismo).

Pressionado internamente, o presidente Emmanuel Macron já disse que a França não assinará o acordo. E o presidente mundial do Carrefour, Alexandre Bompard, anunciou que a rede de supermercados não venderá carnes do Mercosul na França, em solidariedade ao “desânimo e raiva” dos agricultores do seu país. Outro grupo de varejo, comicamente chamado Les Mousquetaires (Os Mosqueteiros) se juntou ao Carrefour.

A França é o maior produtor agrícola da União Europeia — o Salon de l’Agriculture, organizado anualmente em Paris, é um dos maiores acontecimentos nacionais, se não o maior — e agricultor francês é um bicho dopado de subsídios estatais, o que o torna ainda mais bravo em relação a qualquer perturbação ao seu próprio ecossistema.

Quando era correspondente em Paris, testemunhei várias vezes a fúria desse pessoal. Para ver atendidas as suas reivindicações, eles são capazes de bloquear as estradas que levam a Paris, de invadir repartições públicas e de botar para quebrar em supermercados.

Para o leitor ter ideia da encrenca, em janeiro longíquo, acordei com uma grande movimentação em frente à Assembleia Nacional francesa. Assomei à janela e, para o meu espanto e o divertimento dos meus filhos, que passavam as férias comigo, a praça lá embaixo estava coberta de feno, despejado por agricultores encolerizados com algum projeto de lei do qual não me lembro. Para completar a confusão agrícola, policiais tentavam impedir que vacas fossem desembarcadas de um caminhão para pastar ali, no centro de Paris.

Depois do anúncio do presidente mundial do Carrefour, os frigoríferos brasileiros decidiram boicotar o Carrefour brasileiro. Não venderão mais carne aos supermercados da rede do Brasil. Irmanada, a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo convocou os seus integrantes, 500 mil estabelecimentos,  a não comprar mais nada do Carrefour.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, apoia o boicote ao Carrefour brasileiro. “Não somos colônia francesa”, afirmou a potestade, salve, salve.

De janeiro a outubro deste ano, a França importou 40 toneladas de carne brasileira. Nada. Já o Carrefour brasileiro é a maior rede varejista do país. Ao boicotá-lo, os frigoríficos e agregados prejudicarão também milhões de  consumidores. Eles encontrarão, primeiramente, geladeiras vazias no supermercado da esquina e, depois, carne mais cara comprada pelo Carrefour sabe-se lá onde. O protecionismo e a patriotada são sempre uma estupidez para quem paga a conta aqui na ponta.

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