O segredo da longevidade é arrastar os pés (Por Miguel Esteves Cardoso

Nunca fui a Ikaria, na Grécia, ou a Nuoro, na Sardenha, ou a qualquer outra das chamadas zonas azuis onde os velhos nunca mais morrem. Mas, como qualquer mortal, interesso-me pela longevidade e tenho as minhas próprias teorias, que tenho vindo, nestes últimos meses, a testar com particular afã.

O mal de quem tem investigado os habitantes das zonas azuis é o que se poderia chamar o interesseirismo nutricionista.

O pessoal em Nova Iorque quer saber quais são os alimentos que favorecem a longevidade, para poder já encomendá-los e começar a comê-los, o mais tardar, amanhã de manhã. Querem uma solução — um suplemento — que possam acrescentar à vida agitada que têm, da mesma maneira que acrescentam os momentos de relaxação e as sessões de ginásio.

Ao tipo de investigação feita pelo interesseirismo nutricionista chama-se procurar mal. Procuram mal porque aquilo que mata as pessoas com vidas muito agitadas não é o que lhes falta. É o que lhes sobra: é a própria agitação.

Há apenas duas respostas sérias a todas as perguntas. A primeira é “Depende”. E a segunda, quando se irritam com o “depende”, é “São muitos fatores”.

Hoje vou falar de um desses fatores — e não de um fator impossível de importar, como o clima ou a densidade populacional, ou o ondulado dos montes. Vou falar do fator mais importante de todos: do tempo.

Não é tanto o que comem, mas o tempo que levam a comer. O tempo é que é. O tempo é que interessa ao tempo.

Aqui em casa, temos introduzido nos nossos almoços aquilo que só recentemente se abandonou: os pratos.

Introduzimos um aperitivo, acompanhado por azeitonas e tremoços. Introduzimos um prato de sopa. A seguir ao prato principal, introduzimos um prato de queijo. E, a seguir ao queijo, um prato de fruta, ou outra sobremesa, uns chocolates, um gelado, ou umas nozes.

Eis o busílis: não interessa nada o que se come. O que interessa é o tempo que leva a comer. (Claro que interessa o que se come. Mas o que se come também é afetado pelo tempo: comendo devagar, a fome desaparece mais depressa.)

A consequência da introdução de tantos pratos é prolongar muito a duração do almoço. Se dantes almoçávamos em 45 minutos, agora levamos, no mínimo, duas horas.

A longevidade da refeição é que interessa para a longevidade. É a falta de pressa. A pressa encurta a vida. A pressa envelhece, engorda, dá cabo da cabeça.

Nas aldeias onde se vive muito, o almoço é o principal acontecimento do dia. É uma festa. É para se esticar o mais que se pode, porque a seguir não há nada para fazer, exceto dormir.

É a falta de pressa que caracteriza essas zonas. É o vagar: o vagar é a palavra portuguesa para a falta de pressa. O vagar é o antídoto do stress.

Quando alguém diz “eu não tenho vagar” é o mesmo que dizer que não tem saúde. É pior ainda quando diz com orgulho: “Eu não tenho vagar, eu tenho mais que fazer.”

É o vagar que os pobres nova-iorquinos não podem importar.

Mas estúpidos, estúpidos, fomos nós, que somos católicos vagarosos há que séculos, mas que caímos na asneira de importar o frenesim protestante que endeusa o trabalho e a trabalheira acima de tudo.

Nós importamos a ideologia que justifica o stress, tornando-nos em abelhinhas obreiras que se esfalfam para produzir o mel e depois caem mortas, orgulhosas por terem dado o litro.

Ao importarmos a pressa, também importamos os medos, como o medo de envelhecer, e o medo de morrer.

Vejamos os velhinhos que vivem até aos cem, circulando pelas aldeias, a mandar vir com toda a gente. O segredo da longevidade é ir a pé para toda a parte. E só vai a pé para toda a parte quem tem a inteligência e a sorte de não ter pressa nenhuma.

Que pensam eles da juventude? Que é uma praga. Que é como uma febre, que acontece entre os seis e os 26 anos: o que vale é que passa depressa.

O segredo dos velhinhos que não morrem é que já são velhos desde os 35 anos. Já são peritos. Já não se lembram da última vez que pensaram nisso. Mal puderam, começaram a morrer. Quanto mais cedo se começa a morrer, mais tarde se morre.

A velhice é que é a vida. O contrário da morte nem é a juventude nem a velhice. O contrário da morte é a vida.

A juventude e a velhice são meros segmentos. Sim, as partes de um livro ou de um filme têm nomes — mas interessa alguma coisa saber quais são?

O que interessa é o filme ou o livro. Começam e acabam, mas só porque precisam de começar e acabar para ser um livro ou um filme. É inevitável.

A vida é a mesma coisa.

O vagar é não querer morrer. É arrastar os pés. É ir ficando por cá. É fugir das pressas. Pressas para quê? Para morrer mais depressa?

O segredo da longevidade não é correr nem parar: é ir andando. E não pensar mais nisso.

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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