STF estuda rever anistia a agentes da ditadura que ocultaram corpos

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode rever a anistia concedida a agentes da ditadura que ocultaram os corpos de cidadãos mortos pelo regime militar.

O ministro Flávio Dino decidiu reconhecer, neste domingo (15), a repercussão geral de um recurso do Ministério Público Federal (MPF) que busca derrubar a Lei da Anistia (1979) para esse tipo de crime.

O recurso diz respeito especificamente ao tenente-coronel Lício Maciel, acusado de matar opositores da ditadura durante a Guerrilha do Araguaia, entre 1960 e 1970, e de ocultar os cadáveres.

Porém, para Dino, o debate vai além do caso concreto de Maciel – e deve servir como jurisprudência para outros militares da ditadura que também tenham ocultado corpos.

Agora, será aberta uma sessão em plenário virtual para que os demais ministros também possam se manifestar sobre a repercussão geral. O mérito da discussão deve ser julgado em um momento posterior.

O MPF denunciou Maciel e o também tenente-coronel Sebastião Curió (já falecido) por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, mas a Justiça arquivou o caso devido à Lei da Anistia.

A lei – fruto de um acordo costurado no período de transição entre a ditadura e a democracia – perdoa os crimes políticos e conexos ocorridos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

O Supremo foi acionado porque, para o MPF, a Lei da Anistia não deve alcançar crimes permanentes, ou seja, que se perpetuam no tempo, como é o caso da ocultação de cadáveres.

Ao reconhecer a repercussão geral, Dino disse que todas as famílias têm direito de velar e enterrar dignamente seus entes queridos e que a ocultação dos corpos as priva desse direito.

“Quem oculta e mantém algo oculto, prolonga a ação até que o fato se torne conhecido. O crime está se consumando inclusive na presente data, logo, não é possível anistia para esses fatos posteriores.”

Prossegue o ministro: “A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercer seu direito ao luto, configura a prática do crime”.

Para Dino, as condutas relativas à ocultação dos corpos podem ser múltiplas, inclusive com agentes diferentes que podem ter atuado depois da Lei da Anistia.

Dino dá um exemplo: um agente que, em 1984, após a Lei da Anistia, transferiu um corpo de uma praia para uma fazenda – ele já estava previamente anistiado em 1979, ou deve ser responsabilizado?

Dino afirma, ainda, que o desparecimento forçado de pessoas já foi registrado como crime de natureza permanente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A decisão também cita o filme “Ainda Estou Aqui”. Segundo Dino, o longa tem “comovido milhões de brasileiros e estrangeiros” ao retratar a história do desaparecimento de Rubens Paiva, “cujo corpo jamais foi encontrado”.

Conforme mostrou a CNN, recentemente o Supremo passou a cogitar destravar ações que tratam sobre a Lei de Anistia. A norma foi validada pelo plenário em 2010, mas é questionada na Corte até hoje.

A avaliação de membros da Corte é de que o momento pode ser propício para julgar esses casos, diante da trama golpista que, segundo a Polícia Federal (PF) buscava abolir a democracia em 2022.

De acordo com relatório da PF, mensagens trocadas por militares no fim daquele ano continham referências ao golpe militar de 1964 e constantemente traçavam comparativos entre os cenários.

Quarenta pessoas já foram indiciadas pela tentativa de golpe de Estado, entre elas o ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Walter Braga Netto, preso preventivamente neste sábado.

Fonte: CNN Brasil

Adicionar aos favoritos o Link permanente.