Um guia para entender os “cometas escuros”, os “novos” habitantes do Sistema Solar

Rebecca Allen, Swinburne University of Technology; Kirsten Banks, Swinburne University of Technology e Sara Webb, Swinburne University of Technology

Em 2017, a NASA detectou e mais tarde confirmou o primeiro objeto interestelar a entrar no nosso Sistema Solar.

Não eram extraterrestres. Mas as ilustrações artísticas do objeto (batizado ‘Oumuamua, palavra havaiana para “arauto” ou “mensageiro”) assemelham-se a uma nave espacial alienígena saída de um romance de ficção científica. Esta estranha representação deve-se ao fato de os astrônomos não saberem bem como classificar este visitante interestelar.

A velocidade e trajetória que o objeto seguiu em torno do Sol não correspondem as de um asteroide típico, mas ele também não tinha uma cauda brilhante ou um núcleo (núcleo gelado) que normalmente associamos aos cometas. ‘Oumuamua exibiu ainda movimentos erráticos consistentes com gás escapando de sua superfície. Este “cometa escuro” deixou os astrônomos coçando a cabeça desde então.

Ilustração de ‘Oumuamua, o primeiro dos 'cometas escuros’. European Southern Observatory / M. Kornmesser
Ilustração de ‘Oumuamua, o primeiro dos ‘cometas escuros’. European Southern Observatory / M. Kornmesser

Adiantando o relógio para hoje, descobrimos mais diversos destes objetos misteriosos, com a detecção de outros dez anunciada na semana passada. Embora a sua natureza e origem permaneçam indefinidas, os astrônomos confirmaram recentemente que os cometas escuros se dividem em duas categorias principais: objetos menores que residem no nosso Sistema Solar interior e objetos maiores (100 metros de diâmetro ou mais) que permanecem para além da órbita de Júpiter.

De facto, o 3200 Phaethon – o corpo progenitor da famosa chuva de meteoros Geminídeas – pode ser um destes objetos.

Como os cometas escuros são diferentes

Os cometas, frequentemente descritos como as “bolas de neve sujas” do Sistema Solar, são corpos gelados feitos de rocha, poeira e gelo. Estas relíquias dos primórdios do Sistema Solar são fundamentais para desvendar os principais mistérios sobre a formação de nosso planeta, as origens da água da Terra e até os ingredientes para a vida.

Os astrônomos podem estudar os cometas quando estes se aproximam do nosso Sol. As suas caudas brilhantes formam-se quando a radiação solar vaporiza as suas superfícies geladas. Mas nem todos os cometas protagonizam um espetáculo tão deslumbrante.

Os recém-descobertos cometas escuros desafiam a nossa compreensão típica destes viajantes celestiais.

Imagem do cometa C/2023 A3 Tsuchinshan-ATLAS obtida pelos astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional. NASA
Imagem do cometa C/2023 A3 Tsuchinshan-ATLAS obtida pelos astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional. NASA

Os cometas escuros são mais esquivos do que os seus irmãos brilhantes. Não têm as caudas brilhantes e assemelham-se a asteroides, aparecendo como um ponto de luz tênue na vasta escuridão do espaço.

Suas órbitas, no entanto, os diferenciam. Tal como os cometas brilhantes, os cometas escuros seguem trajetórias alongadas e elípticas que os levam para perto do Sol antes de partirem para os confins do Sistema Solar.

Estes objetos vão para além de Plutão, e alguns chegam até a Nuvem de Oort, uma vasta “concha” de pequenos objetos na periferia do nosso Sistema Solar. A sua velocidade e trajetórias são o que permite aos astrônomos determinar as suas origens.

Uma comparação de cometas escuros e cometas brilhantes contra o fundo da Via Láctea. À esquerda, um cometa pequeno, rochoso e escuro representa seu tamanho típico de um metro a algumas centenas de metros de largura. À direita, um cometa maior, gelado e com uma cauda brilhante, cujo tamanho varia de 750 metros a 20 quilômetros de largura. A grande diferença de tamanho explica por que os cometas escuros não têm as caudas brilhantes e visíveis de seus equivalentes maiores e mais icônicos. Composição: Dra. Kirsten Banks; imagem de fundo: R. Wesson/ESO; Cometa escuro: Nicole Smith/Universidade de Michigan, feita com Midjourney; Cometa brilhante: Linda Davison
Uma comparação de cometas escuros e cometas brilhantes contra o fundo da Via Láctea. À esquerda, um cometa pequeno, rochoso e escuro representa seu tamanho típico de um metro a algumas centenas de metros de largura. À direita, um cometa maior, gelado e com uma cauda brilhante, cujo tamanho varia de 750 metros a 20 quilômetros de largura. A grande diferença de tamanho explica por que os cometas escuros não têm as caudas brilhantes e visíveis de seus equivalentes maiores e mais icônicos. Composição: Dra. Kirsten Banks; imagem de fundo: R. Wesson/ESO; Cometa escuro: Nicole Smith/Universidade de Michigan, feita com Midjourney; Cometa brilhante: Linda Davison

Mas o que torna esses cometas tão escuros? Há três motivos principais: tamanho, rotação e composição ou idade.

Os cometas escuros geralmente são pequenos, com apenas alguns metros a algumas centenas de metros de largura. Isso deixa menos área de superfície para o material escapar e formar as belas caudas que vemos nos cometas típicos. Eles também geralmente giram muito rapidamente e dispersam o gás e a poeira que escapam em todas as direções, tornando-os menos visíveis.

Por fim, sua composição e idade podem resultar em uma perda de gás mais fraca ou inexistente, já que os materiais que formam as caudas dos cometas brilhantes se esgotam com o tempo.

Esses viajantes ocultos podem ser igualmente importantes para estudos astronômicos e podem até estar relacionados aos seus homólogos brilhantes. Agora, o desafio é encontrar mais cometas escuros.

Como encontrar cometas escuros

Em primeiro lugar, como podemos encontrar esses misteriosos cometas escuros? À medida que eles se aproximam do Sol, não vemos caudas brilhantes espetaculares de detritos.

Em vez disso, dependemos da luz que eles refletem do nosso Sol.

Várias imagens astronômicas são combinadas para capturar o objeto ‘Oumuamua, fraco e em rápido movimento, no centro. As listras brancas são estrelas. ESO/K. Meech et al.
Várias imagens astronômicas são combinadas para capturar o objeto ‘Oumuamua, fraco e em rápido movimento, no centro. As listras brancas são estrelas. ESO/K. Meech et al.

Esses pequenos objetos podem ser furtivos para nossos olhos, mas muitas vezes não são páreo para nossos grandes telescópios espalhados por todo o mundo. A descoberta de dez novos cometas escuros revelada na semana passada foi graças a um instrumento incrível, a Dark Energy Camera (DECam), instalada em um grande telescópio no Chile.

Essa câmera não consegue “ver” a energia escura diretamente, mas foi projetada para tirar fotos enormes do nosso Universo para que possamos ver estrelas distantes, galáxias e até mesmo objetos ocultos do Sistema Solar.

Em seu estudo recente, os astrônomos descobriram que algumas dessas imagens noturnas continham prováveis cometas escuros.

A) A Dark Energy Camera (DECam), montada no telescópio de quatro metros Victor M. Blanco no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, nos Andes chilenos (Crédito: Dark Energy Survey). B) Dois exemplos de cometas escuros recém-descobertos nos dados da DECam, de Seligman et al. (2024).
A) A Dark Energy Camera (DECam), montada no telescópio de quatro metros Victor M. Blanco no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, nos Andes chilenos (Crédito: Dark Energy Survey). B) Dois exemplos de cometas escuros recém-descobertos nos dados da DECam, de Seligman et al. (2024).

A boa notícia é que estamos começando a dar mais atenção a esses objetos e a como encontrá-los.

Uma notícia ainda melhor é que, em 2025, teremos uma nova megacâmera no Chile pronta para encontrá-los. Esse será o Observatório Vera C. Rubin, com a maior câmera digital já construída.

Ela nos permitirá obter mais imagens do nosso céu noturno com mais rapidez e ver objetos ainda mais fracos. É provável que nos próximos dez anos possamos dobrar ou até triplicar a quantidade de cometas escuros conhecidos e começar a entender suas interessantes histórias de origem.

Pode haver mais objetos semelhantes a ‘Oumuamua por aí, apenas esperando que os encontremos.

Rebecca Allen, Co-Director Space Technology and Industry Institute, Swinburne University of Technology; Kirsten Banks, Lecturer, School of Science, Computing and Engineering Technologies, Swinburne University of Technology e Sara Webb, Lecturer, Centre for Astrophysics and Supercomputing, Swinburne University of Technology

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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