Testemunha protegida que delatou máfia chinesa em SP sofreu ameaças

São Paulo — Uma das testemunhas protegidas que expôs à polícia o modus operandi do Grupo Bitong, ramificação da Máfia Chinesa em São Paulo, recebeu ameaças após prestar depoimento. As informações estão nos autos da investigação, aos quais o Metrópoles teve acesso.

Identificada apenas como “Beta”, a testemunha em questão revelou à polícia que os membros do grupo criminoso são os mesmos homens que cometeram um homicídio na Sé, no centro da capital paulista, em 30 de janeiro de 2015. O caso trouxe à tona o funcionamento da máfia chinesa em São Paulo.

Na transcrição de um áudio, anexada à investigação, a testemunha protegida diz que, após comparecer duas vezes na delegacia e no consulado, sofreu ameaças. “Você não deveria ir, porque lá tem a pessoa da gente, você não deveria falar nada”, teria dito uma pessoa não identificada.

Como “Beta” não compreende português, um intérprete foi convocado. O tradutor disse, em nome da testemunha, que ela sofre ameaças, mas não consegue identificar quem a ameaçou.

“Ela recebeu telefonema dizendo: ‘Não vai mais depor, não deveria mais depor’, mas depois, esse celular, se ela ligar de volta, ninguém atende’”, diz trecho da transcrição, que data de 21 de março de 2019.

Anteriormente, “Beta” e “Charlie”, outra testemunha protegida, revelaram que ameaças por telefone fazem parte do modus operandi do grupo mafioso. “Todos os matadores da máfia fazem desta maneira, intimidam a vítima por telefonema”, disse “Charlie” à polícia em 13 de janeiro de 2016.

Investigação de assassinato revelou existência da máfia chinesa

As investigações iniciaram após o assassinato de Zhenhui Lin na madrugada de 30 de janeiro de 2015, na Sé, crime do qual Liu Bitong, líder do Grupo Bitong, é acusado de ser o mandante. No momento da execução, ele estava em um carro estacionado observando os comparsas tirarem a vida do desafeto.

Ainda segundo o depoimento de testemunhas, Zhenhui estava no Brasil há aproximadamente 13 anos quando foi morto. Natural de Fujian, assim como Liu, ele comprava e revendia capinhas de celular no centro de São Paulo.

A partir de 2014, Zhenhui passou a ser ameaçado pelo Grupo Bitong. Testemunhas apontam que o comerciante pagou de cinco a seis parcelas de R$ 30 mil aos criminosos entre a primeira ameaça e a data da morte dele, montante que pode variar de R$ 150 mil a R$ 180 mil. Ele teria sido executado por ter se recusado a continuar fazendo o pagamento da propina.

Modus operandi

De acordo com o relatório de investigação policial, agentes da Polícia Civil iniciaram a apuração da morte de Zhenhui se dirigindo ao local dos fatos, na Sé. A diligência revelou mais detalhes sobre o modus operandi da máfia chinesa.

“Perguntamos a alguns comerciantes locais sobre o crime, se sabiam algo a respeito da autoria delitiva, se poderiam cooperar, porém era visível o medo das pessoas, muitos assustados, sem citar que a maioria deles são de etnia oriental (chineses). A lei do silêncio e a difícil comunicação eram alguns obstáculos que nos deparamos, porém era quase que palpável a sensação de terror desses comerciantes”, diz o documento da polícia.

Líder preso

Liu Bitong, apontado como líder do Grupo Bitong, foi preso nessa segunda-feira (16/12) em Pacaraima, cidade de Roraima na fronteira com a Venezuela.

Ele estava foragido desde fevereiro de 2017, quando teve o pedido de prisão temporária expedido pela Polícia Civil de São Paulo.

Ainda naquele ano, Liu chegou a escapar de uma grande operação policial que resultou no cumprimento de 20 mandados de prisão preventiva e 33 de busca e apreensão.

Foram diversas as tentativas da Justiça de localizar o paradeiro do mafioso chinês, que informava endereços falsos à polícia. Bitong chegou a ter o nome incluído na lista da Difusão Vermelha da Interpol, em março de 2019.

Além disso, a polícia chegou até mesmo a procurar por registros de óbito do criminoso na Central de Informações do Registro Civil (CRC), não encontrando nenhum resultado.

No controle migratório, ainda de acordo com as provas anexadas na investigação, há registro apenas da entrada de Bitong no Brasil, em 22 de junho de 2020, sem informações sobre saída do chinês do território brasileiro.

Com mandado de prisão temporária aberto há quase oito anos, Liu Bitong foi encaminhado à Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Boa Vista-RR), onde permaneceu à disposição da Justiça, conforme informou a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania de Roraima (Sejuc).

Ele era procurado pelos crimes de homicídio, roubo qualificado, extorsão, extorsão mediante sequestro e organização criminosa.

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