A velha intolerância.

Hoje, 26 de dezembro, é o dia em que o calendário da Igreja destaca a coroa de glória a Santo Estêvão o Primeiro Mártir da Fé Cristã.

Segundo o Hino a ele dedicado no Ofício das Leituras, Estêvão foi o primeiro a receber  no combate da Fé a palma de martírio e da vitória.

O crime de Estêvão foi o de ter opinião, em juízo divergente daqueles vigentes por seus circunstantes, os judeus logo após a morte de Jesus, delito este semelhante ao que estamos a viver em caça às bruxas em terra pátria, surgida por intolerância contra os autores e apoiadores dos “funestos” atos de 8 de Janeiro, no cada vez mais famoso, por ridicularizado, “golpe do batom grafitando em rubro a ‘estauta’ do alpendre do Supremo Tribunal”, estátua que ali está a perseguir tudo e todos de seu olhar, mal vendado, por pior pouco mal encoberto.

O crime de Estêvão, como toda delinquência por conceito, é de muito perigo, sobretudo quando temos razão contra o poder e quem o exerce, afinal a força dos argumentos sempre falece quando campeiam contra os argumentos da força.

Nesse contexto comum, todos o sabemos que foi assim, só por professar uma opinião contraditada ao poder vigente constituído, que Sócrates foi forçado a beber Cicuta em Atenas, o veneno obsceno de seus julgadores poucos serenos, o mesmo acontecendo com as fogueiras e patíbulos erguidos ao longo da História, cada um e à sua maneira, padecendo para sanear o erro, e eliminar o vício.

No caso de Estevão, relata O Atos dos Apóstolos, livro dos primeiros anos da Cristandade, o crime fora o de provocar discussões com alguns membros da Sinagoga dos Libertos, junto com sirenenses  e alexandrinos, e alguns da Cilícia e da Ásia.

Nestes debates, ninguém resistia “à sabedoria e ao Espírito com que Estêvão falava”.

Então, à falta de argumentos subornaram alguns indivíduos que disseram junto ao Sinédrio: “Ouvimos este homem dizendo blasfêmias contra Moisés e contra Deus”.

Depoimento acrescentado, com o sempre perigoso falso testemunho: “Este homem não cessa de falar  contra este lugar santo e contra a Lei. E nós o ouvimos afirmar que Jesus Nazareno ia destruir este lugar e ia mudar os costumes que Moisés nos transmitiu.”

Chamado Estêvão à “justa”, a esta externou aquela que lhe seria suprema heresia: “O Altíssimo não mora em casa feita por mãos humanas, conforme diz o profeta: ‘O céu é o meu trono, e a terra é o estrado de meus pés. Que casa construireis para mim?’- diz o Senhor.  E qual será o lugar do meu descanso? Não foi minha mão que fez todas essas coisas?”

Dizer assim, era desafiar todo o edifício ideológico construído por séculos, desde Moisés e os Profetas, e Estêvão ao deblaterar contra os muitos desvios da tornara-se um indivíduo perigoso, afinal a todos do Sinédrio desafiava: “Homens de cabeça dura e incircuncisos de coração e ouvido! Vós sempre resististes ao Espírito Santo e como vossos pais agiram, assim fazei vós! A qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram aqueles que anunciavam a vinda do Justo, do qual agora, vós vos tornastes traidores e assassinos. Vós recebestes a Lei, por meio dos anjos, e não a observastes.”

Conta o cronista ainda nos Atos dos Apóstolos, que ao ouvir tais palavras de Estêvão, os membros do Sinédrio ficaram enfurecidos e rangeram os dentes contra o profeta, “que cheio de Espírito Santo, olhou para o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé, à direita de Deus” E que, hereticamente, lhes divagava em desafio: “Estou vendo o céu aberto, e o filho do Homem, de pé, à direita de Deus”.

Sinédrio e circunstantes, em meio a grande multidão, como sempre acontece em grande fanatismo, taparam os ouvidos e com muitos gritos arrastaram Estêvão para fora da cidade quando foi morto apedrejado, conforme ditava a Lei.

Conta-se que entre aqueles que lapidaram Estêvão estava Saulo, então grande perseguidor da nascente cristandade, ele que na Estrada de Damasco, um dia cairia do lombo de seu cavalo, tornando-se após grande enfermidade que se seguiu em lenta cura,  o maior propagador da Fé Crista, como Paulo, o Grande Apóstolo dos Gentios.

Paulo, que um dia será também martirizado na mesma , não sob pedra, mas sob o fio da espada, que teimava em extinguir a religião Cristã.

No cerne da condenação de Estevão, e de Paulo, está a sempre agravante intolerância contra quem nos pensa diferente.

Do crime de opinião, muitas misérias humanas a História rotineiramente apresenta.

Nesse particular há um filme notável, “Intolerance, datado de 1916 dirigido por David W. Griffith, que vale a pena assistir.

 

Diz-se na Wikipedia que a Intolerância é uma atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar diferenças em crenças e opiniões.

A intolerância edifica fogueiras e ergue cadafalsos, assando bruxas, enforcando vias garrotes-vis os muitos criminosos ditados pelos execráveis ofícios santos e não tão santos; santos-ofícios.

Em todos os contextos, como diria o Galileu Galilei ficcionado por Bertold Brecht, “Eppur! Se muove!”, até para desdizer-se, contra a inutilidade de morrer afirmando que a Terra restará sempre dançante no universo todo cantante e mutável, afinal não se morre por uma verdade científica, morre-se, e hoje ainda, por uma verdade de Fé, por uma crença, e mesmo por uma opinião equivocada, como a dos “golpistas do oito de janeiro”, por exemplo, que não estão sendo levados à forca ou à guilhotina, porque nos nossos tempos os juízes estão mais cerzidos e contidos nos seus amplos desejos.

A intolerância todavia, continua a despeito de pessoas sempre posando de carinhosas, como bem era Maximilien de Robespierre, antes de comandar o Grande Terror Revolucionário que iria pacificar” a 1ª República Francesa.

Nesse argumento, relembro mais uma vez que a tempos Prairiais seguem outros nos mesmos horrores, Termidores, onde o pau que bate o Chico, espanca igualmente o mal no coro do Francisco.

Se hoje estamos a viver tempos intolerantes por atrabiliários e Prairiais, com os “Golpistas de oito de janeiro” sofrendo no reio e na cilha, sobretudo dos anistiados esquerdistas de outros tempos, e que hoje se colocam contra a anistia que tudo perdoa e convém melhor esquecer, relembro que a toda intolerância segue uma outra igual, igualmente intolerante por vendeta.

E assim eu relembro um fato narrado a mim por um circunstante que vivera tempos idos que não foram piores, por inclemente, porque ousaram arrefecer os ânimos, mesmo porque o intransigente é sempre o mesmo, só mudando o cenário e o acorde do hinário.

“No Brasil, – dissera um oficial engalanado e sedento de sangue que por aqui pousou em tempos idos e já esquecidos – nada se resolve porque ninguém tem a coragem de fazer verter o sangue impuro como na França!”

 

“Não diga essa iniquidade, Comandante! – respondeu-lhe um civilista de velha cepa, arriscando-se até a padecer pela ousadia de assim contestar a farda, que a muitos fazia tremer –  A França que V. Excia citou, General, restou um país dividido, onde os ódios se eternizaram, em vinganças renovadas! E se hoje tais ódios estão amortecidos ainda permanecem latentes, duzentos anos depois.”

Hoje, em repetição de farsa e tragédia, o intolerante é o mesmo, um desafio à temperança dos homens.

Se alguns acham bonito encampar faixas exaltando contra a anistia do “oito de janeiro”, eu, no meu pensar equivocado os reprovo, conclamando-lhes a tolerância.

Se do Evangelho é sempre difícil conseguir amar os nossos inimigos, rezar por eles inclusive; uma tarefa não para homens mais para santos, e os homens nunca o serão Santos, que eles, os homens como eu, possamos pelo menos nos tolerar, sobretudo quando os nossos Espíritos afloram febris à pele!

– “Homens, tolerai-vos uns aos outros como cada um o desejarem!”

Tolerar seria uma recomendação mais exequível?

Pensou assim Paul Harris o fundador do Rotary, isso em  dia 23 de fevereiro de 1905 numa Chicago, ameaçada por forte criminalidade, para que profissionais de diferentes setores pudessem trocar ideias e fazer amizades duradouras.

No mais vale o diálogo de Ésquilo em Prometeu Acorrentado, sofrendo o padecimento de ver diariamente o seu fígado dilacerado pelas harpias sempre aziagas.

Prometeu:  Por meio de mim acabei com os terrores provocados nos homens em vista da morte.

O Coro: Que remédio você lhes deu para o desespero?

Prometeu: Coloquei a esperança cega entre eles.

Nesse contexto relembro a pintura de  Jean Aphonse Roehn, 1831, em que o Deputado Boissy d’Anglas, Presidente da Assembléia Nacional saúda a cabeça do Deputado Féraud espetada na lança pela turba enraivecida em 1º Prairial do ano III.

É o retrato da velha intolerância.

 Se a pintura não sair foi porque eu não soube editá-la a contento.

Boissy d’Anglas, presidente da Assembleia Nacional sauda à cabeça do Deputado Féraud espetada numa lança pela turba enraivecida. Tela de Jean Alphonse Rohen.

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