Porque humanos não têm tantos gêmeos quanto seus ancestrais primatas

Gêmeos são ocorrências raras aos humanos, e, por isso, acabam sendo especiais — mitos fundadores de nações, como a romana, incluem gêmeos (Rômulo e Remo), e culturas associam essa dualidade com vitalidade e saúde, ou mesmo pensamentos filosóficos sobre a dualidade da vida e da morte.

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Mas nem sempre foi assim na evolução — nossos ancestrais, segundo uma pesquisa recente por cientistas da Universidade do Oeste de Washington, davam à luz a gêmeos como a norma. Atualmente, tanto humanos quanto os outros primatas costumam ter só um filhote por ninhada. Por que essa mudança ocorreu?

O surgimento dos filhos únicos

Para descobrir o “desaparecimento” dos gêmeos na linhagem humana, os cientistas Tesla Monson e Jack McBride tiveram muito trabalho — em registros fósseis, tais dados só aparecem quando famílias inteiras são fossilizadas juntas. O mais fácil, então, foi coletar dados de mamíferos vivos atualmente, analisando aspectos como tamanho médio do corpo, duração da gestação e afins.


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O nascimento de um só filho por gravidez é um traço que surgiu nos seres humanos e outros primatas modernos, mas por que os gêmeos pararam de ocorrer como norma? (Imagem: Solen Feyissa/Unsplash)
O nascimento de um só filho por gravidez é um traço que surgiu nos seres humanos e outros primatas modernos, mas por que os gêmeos pararam de ocorrer como norma? (Imagem: Solen Feyissa/Unsplash)

Com mais de mil espécies mamíferas estudadas, a estatística mostrou que o número de filhotes em cada ninhada é conservado filogeneticamente — isso quer dizer que espécies próximas uma da outra têm um número semelhante de filhotes. Veados, por exemplo, têm um ou dois filhotes por vez, enquanto canídeos e felinos costumam ter mais, entre cinco e seis.

Quase todos os primatas dão à luz a um filhote por vez, com algumas exceções — nominalmente, saguis, micos, lêmures, lóris e jagras, todos lemuriformes pequenos. Antes desse trabalho, acreditava-se que esses primatas seriam “derivados”, ou seja, espécies diferentes do traço comum ancestral. A pesquisa, porém, indica que ter um só filhote é que foi o traço diferenciado.

Segundo a análise, nos humanos, a mudança pode estar ligada ao cérebro. Damos à luz a um único filho, que é grande e possui uma grande cabeça. O tamanho desse órgão é ligado à nossa habilidade de criar e refinar tecnologias, e, para a nossa espécie, o aprendizado na infância é crucial para a sobrevivência.

A tese dos cientistas é que mudar de gêmeos para filhos únicos foi crítico para o surgimento de filhotes com cérebros maiores, capazes de aprendizado complexo. Segundo uma modelagem matemática feita para o estudo, isso teria ocorrido há cerca de 50 milhões de anos, após a separação do último ancestral comum entre nós e outros primatas (60 milhões de anos atrás).

Ter gêmeos requer mais energia da mãe e dificulta o crescimento e aprendizado necessários para ter sucesso no mundo da seleção natural do passado — isso teria dado uma vantagem às mães de filhos únicos em nossos ancestrais (Imagem: Freepik)
Ter gêmeos requer mais energia da mãe e dificulta o crescimento e aprendizado necessários para ter sucesso no mundo da seleção natural do passado — isso teria dado uma vantagem às mães de filhos únicos em nossos ancestrais (Imagem: Freepik)

Olhando a relação mais profundamente, Monson e McBride notaram que a mudança de gêmeos para filhos únicos ocorreu várias vezes nas linhagens primatas, um sinal de que há uma vantagem evolutiva na mudança para um feto por gravidez.

Ter vários filhos numa ninhada requer mais energia da mãe, e, como os filhos nascem menores e mais cedo, as mães que tiveram um só filho podem ter tido vantagens na seleção natural. Ter gêmeos não é uma desvantagem atualmente, mas nossas condições são muito diferentes das primatas que davam à luz em árvores há 60 milhões de anos.

Atualmente, cerca de 3% de todos os nascimentos são de gêmeos, mas o acontecimento pode ser perigoso tanto para a mãe quanto para os bebês — mais de metade dos gêmeos nasce prematuramente, e muitos deles precisam ficar na UTI neonatal, em incubadoras, após o nascimento.

Apesar dos riscos, a existência de gêmeos foi importante para a história genética do ser humano, e é um aspecto ainda presente, de certa forma: mulheres nos estágios mais avançados da fertilidade, ou seja, acima dos 35 anos, têm mais chances de ter gêmeos.

É mais uma prova de como, na seleção natural, o acaso trouxe características únicas para nossa espécie — e continua, de alguma forma, afetando nossas vidas.

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