Solidão em Copacabana (por Mirian Guaraciaba)

“Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo”.

Clarice Lispector, em Um Sopro de Vida, seu ultimo romance, escrito entre 1974 e 1977, publicado em 1978, após sua morte.

Quando o telefone toca, a qualquer hora do dia ou já tarde da noite, nem sempre é possível atender aquela ligação. Os amigos sabem que a conversa será longa. Dura muito, muito tempo. A amiga que chama tem necessidade extrema de falar, falar, falar … Repete as mesmas histórias, riqueza de detalhes.

Em Copacabana, com seus 162 mil habitantes, e milhares de turistas em todas as épocas do ano, a amiga, às vezes, se sente só. A dificuldade para se locomover a prende em casa. Um suplício para quem viveu 50, 60 anos, batendo perna pelas ruas do Rio. Trabalhando, ou se deliciando nas noites cariocas.

A vida se tornou injusta, a esta altura do campeonato. Para a amiga, dias e noites são preenchidos pela memória do sol e da chuva, do chopp, dos antiquários, dos teatros, do arroz com bacalhau do fervilhante Bozó … e o Bozó nem existe mais.

Não falta diversão em Copacabana, muito além do calçadão. Botecos com história – o Bip Bip, fundado nos dias de chumbo da ditadura militar, não tem garçons. Cada cliente pega sua bebida, e esquenta seu petisco no micro-ondas. Paga no final. Ali pertinho, o Forte de Copacabana oferece a charmosíssima (e centenária) Confeitaria Colombo. Inesquecível um café ou um espumante … à beira-mar.

É sobre isso tudo que a amiga quer falar ao telefone. Relembrar. Não fugir da solidão. Embarcar em suas reminiscências. Aconselhou-se com Clarice, em “A hora da estrela”: “Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite”.

Ditadura, nunca mais. 60 anos do Golpe de 64.

Relembrar para não repetir.

Com ilustração do consagrado fotógrafo Orlando Brito, será lançado hoje, terça, dia 02/4, o livro “Tempos de Chumbo”, às 11hs no Espaço Cultural Ivandro Cunha Lima, Senado Federal. Organizado por Carol Brito, filha do fotógrafo, o livro foi idealizado pelo MyNews e publicado pela Almedina Editora. Com apresentação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o livro traz 22 artigos assinados por brasileiros que viveram os anos de chumbo. Entre eles, Cid Benjamin, Frei Betto e Eduardo Suplicy. Edição limitada.

 

Mirian Guaraciaba é jornalista 

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