Milhares de estudantes protestam na Sérvia em onda anticorrupção

Milhares de estudantes começaram a se reunir neste sábado (1°/2) em Novi Sad, na Sérvia, para marcar os três meses do desabamento do telhado de uma estação ferroviária na cidade que matou 15 pessoas, desencadeando um movimento nacional de contestação contra as autoridades e protestos anticorrupção sem precedentes no país.

Quando a cobertura de concreto da estação de Novi Sad desabou sobre os transeuntes, em 1º de novembro de 2024, pouco depois da conclusão de uma reforma, que custou 55 milhões de euros, os sérvios exigiram explicações. Em vão. As autoridades ainda se recusam a divulgar os documentos relacionados à obra, alimentando suspeitas de corrupção, que teriam resultado em um trabalho malfeito, fiscalização deficiente e desrespeito às normas.

Outros grandes projetos e obras na Sérvia já provocaram mobilizações nos últimos anos, quase sempre envoltos em histórias de corrupção, mas nunca com vítimas fatais.

“Esclarecer todas as falhas da estação de trem de Novi Sad continua sendo a principal reivindicação dos manifestantes. A isso se soma, agora, a prisão dos responsáveis pela violência cometida contra estudantes e professores por ‘capangas do partido no poder, o SNS (Partido Progressista Sérvio)’”, como conta Aleksa Nikolic.

Estudante na universidade de Novi Sad, ele não se esquece de que no dia 24 de janeiro, um motorista pró-governo atropelou uma manifestação silenciosa em Belgrado, ferindo duas mulheres. Esse incidente, o terceiro do tipo em algumas semanas, ocorreu durante os 15 minutos de silêncio observados diariamente em toda a Sérvia, por volta do meio-dia, em memória das 15 vítimas da queda da cobertura de concreto da estação de trem de Novi Sad.”

Bloquear acessos

Os manifestantes se preparam para bloquear as três principais pontes sobre o rio Danúbio, na segunda maior cidade do país, a partir das 15h (hora local), por pelo menos três horas, e uma delas por 24 horas.

Protestos ocorrem quase diariamente desde o desabamento da marquise. O acidente reacendeu uma raiva latente na Sérvia contra a corrupção e a suposta falta de fiscalização em grandes projetos de construção, levando o primeiro-ministro a renunciar.

Os estudantes assumiram a liderança do movimento de protesto, um dos maiores que a Sérvia já viu nos últimos anos.

A renúncia do primeiro-ministro, Milos Vucevic, anunciada na terça-feira (28/1), não convenceu os estudantes a sair das universidades, que estão ocupadas há semanas.

Eles consideram que a renúncia não atende suas reivindicações: um aumento de 20% no orçamento do ensino superior, a publicação de todos os documentos relacionados à reforma da estação, a prisão dos suspeitos de agredir estudantes e professores desde o início dos protestos, além do fim dos processos contra os estudantes detidos.

Mas para as autoridades, que acreditam que já atenderam às exigências, o assunto está encerrado.

O presidente Aleksandar Vucic, que oscila entre apelos ao diálogo e acusações de interferência estrangeira, concedeu anistia na quarta-feira a 13 pessoas presas desde o início do movimento e afirmou que novos documentos sobre a obra da estação seriam publicados.

Dezenas de investigações foram abertas contra suspeitos de atacar manifestantes, e o ministro das Finanças, Sinisa Mali, anunciou na quinta-feira (30) que as taxas de matrícula universitária seriam reduzidas pela metade.

“Se analisarmos as quatro reivindicações dos estudantes, fica claro que todas foram atendidas”, escreveu Mali no Instagram. Ele é apontado como um possível novo primeiro-ministro.

“Mas isso se tornou um movimento mais amplo”, explica Bojan Klacar, diretor-executivo do Centro para Eleições Livres e Democracia. “Não estou certo de que simplesmente atender a essas demandas será suficiente para satisfazer os manifestantes.”

Para Klacar, que prevê uma manifestação “massiva” neste sábado, ela, por si só, não será um ponto de virada.

“A virada só ocorrerá se o movimento de protesto se expandir para grupos capazes de paralisar as instituições. Atualmente, estamos vendo uma paralisação nas universidades e algumas escolas. Mas a verdadeira mudança só acontecerá se os protestos se estenderem para outras áreas que possam perturbar gravemente o funcionamento do Estado. E não estou certo de que isso acontecerá após Novi Sad”, analisa.

A mobilização anticorrupção ameaça o presidente Vucic?

Os manifestantes fazem alusão ao clientelismo e à corrupção sistêmica que corrói as instituições sérvias e responsabilizam o presidente Aleksandar Vucic pela situação. No poder desde 2014, ele se tornou o homem forte do país e multiplicou os grandes projetos. Mas o movimento estudantil, organizado de maneira muito horizontal, sem líder ou representante oficial, escolheu não atacá-lo pessoalmente. A estratégia deles é denunciar o “sistema” e ocupar o máximo possível o terreno.

Na quinta-feira, mais de 500 estudantes de Belgrado começaram a caminhada de 80 quilômetros que separa a capital sérvia de Novi Sad, para se juntar às manifestações previstas para sábado, e participar do bloqueio das pontes.

“Vucic não está no centro da história. Isso permitiu que a contestação superasse as divisões políticas”, afirma Tara Mirkovic, jornalista do Courrier des Balkans. “Vucic provavelmente preferiria poder desempenhar o papel de vítima. Ele adora aparecer na televisão dizendo que o mundo inteiro está contra ele. Mas agora ele não pode fazer isso. As reivindicações dos estudantes são muito específicas, concentradas no incidente da estação de Novi Sad, e denunciam que o sistema como um todo é corrupto, seja Vucic no poder ou outra pessoa, e que são necessárias reformas profundas”, continua ela.

Essa postura explica como a mobilização estudantil se transformou em uma contestação cidadã, em todo o país. “Até mesmo em cidades muito pequenas, onde todos se conhecem, as pessoas não têm mais medo de protestar ou de serem intimidadas”, comemora Milica Dokmanovic, estudante em Novi Sad, que fazia parte dos mais de 100.000 manifestantes nas marchas de início de dezembro.

Eleições

Os estudantes, que surpreenderam o país com sua organização — desde assembleias para decidir as ações até protestos monitorados por suas próprias equipes de segurança — mantêm distância dos partidos de oposição, insistindo que não querem que seu movimento se torne político.

A oposição, por sua vez, tenta encontrar seu espaço e pede a formação de um governo de transição para organizar eleições livres.

No entanto, diante de protestos persistentes, o presidente pode optar por jogar uma de suas últimas cartas, convocar novas eleições sem um governo de transição. Na terça-feira, ele disse que tomaria uma decisão dentro de “dez dias”.

Enquanto isso, ele planeja visitar várias cidades para se encontrar com a população. No sábado, ele deve estar no sul do país, a centenas de quilômetros de Novi Sad.

O silêncio da UE e os interesses europeus na Sérvia

Apesar de ser acusado de autoritarismo, de ter controlado os meios de comunicação e de alimentar um sistema clientelista que lhe permite se manter no poder, Aleksandar Vucic não estaria, por enquanto, ameaçado, explica Florent Marciacq, codiretor do Observatório dos Balcãs na Fundação Jean-Jaurès à RFI. “Vucic ainda tem alavancas para usar. Ele tem à sua frente uma oposição política extremamente dividida. Mesmo em caso de novas eleições, é possível que ele as vença novamente, mobilizando os sentimentos nacionalistas da população, por meio dos meios de comunicação que controla e da questão de segurança do Kosovo”, acredita o especialista.

Além disso, o silêncio da União Europeia pesa muito. Por que a Sérvia, candidata à adesão da UE, não é alvo de críticas quanto ao respeito pelo Estado de Direito, pela transparência das instituições e pela justiça por parte dos ocidentais? Talvez porque os países europeus tenham interesses a defender neste pequeno país, onde a Europa, a Rússia, mas também a China disputam a influência. Pequim se introduziu no país por meio de empréstimos financeiros e participação na construção de infraestruturas, incluindo o projeto de reforma da estação de trem de Novi Sad.

“Os Estados europeus, como a Alemanha e a França, têm interesses que cuidam com o presidente Vucic”, analisa Florent Marciacq. No verão passado, o chanceler alemão Olaf Scholz visitou a Sérvia para apoiar a assinatura do contrato da União Europeia sobre a exploração de lítio, um projeto que tem gerado grandes manifestações na sociedade civil sérvia, onde também se fala de corrupção, opacidade e proteção ambiental.

“Mas em todas as declarações, os alemães deixam de lado as questões de democracia, porque há interesses estratégicos em tecnologias de transição, baterias de carros elétricos, etc.”, acrescenta o especialista.

Constatação semelhante durante a visita do presidente francês Emmanuel Macron, que concluiu a venda de doze caças Rafale. “Essas questões explicam provavelmente o silêncio no qual os países da União Europeia se refugiaram”, conclui o pesquisador.

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