Ainda estou aqui: por que indústria do cinema voltou a bombar no país

A um mês da cerimônia de premiação do Oscar, marcada para o dia 2 de fevereiro, a indústria brasileira do cinema comemora não apenas as três indicações recebidas pelo filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles (na categoria principal, além de filme internacional e atriz, para Fernanda Torres), mas o bom momento do setor, que vive a melhor fase desde o início da pandemia de Covid-19.


Entenda

  • No ano passado, de acordo com dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o faturamento com bilheteria nas salas do país bateu R$ 2,5 bilhões – o que representou um crescimento de 10% em relação a 2023.
  • Em 2024, cerca de 125 milhões de pessoas frequentaram os cinemas brasileiros, ante 114 milhões no ano anterior (alta de 9,6%).
  • Considerando apenas os filmes nacionais, o público somou 12,6 milhões de espectadores e a arrecadação ultrapassou R$ 220 milhões, também o melhor desempenho desde a pandemia.
  • Além de Ainda Estou Aqui, produções como O Auto da Compadecida 2, estrelada por Matheus Nachtergaele e Selton Mello, e Minha Irmã e Eu, com Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, também caíram no gosto do público e ajudaram a catapultar as vendas de ingresso.
  • Em 2024, o cinema brasileiro atraiu 9 milhões de pessoas a mais do que no ano anterior, quando 3,7 milhões prestigiaram as produções nacionais. A alta foi de mais de 240% de um ano para o outro.

A maioria esmagadora do público e da arrecadação nas salas do país continua se concentrando nos filmes internacionais, mas a participação das produções brasileiras no bolo da indústria vem subindo. Em 2024, 10% da bilheteria no país correspondeu a filmes nacionais. No ano anterior, essa fatia foi de apenas 5%.

Em 2025, embalado pelo sucesso avassalador de Ainda Estou Aqui e em meio à expectativa pelo Oscar, o setor cinematográfico já contabilizava um público de 9,96 milhões de espectadores até o dia 22 de janeiro, segundo o Painel Indicadores do Mercado de Exibição, da Ancine. A arrecadação parcial era de R$ 204,2 milhões (contando filmes brasileiros e estrangeiros).

“Nós estamos entre os principais mercados audiovisuais do mundo, em termos de consumo de filmes. As pessoas gostam de assistir, e o cinema brasileiro nunca deixou de ser relevante e sempre teve destaque em festivais internacionais. Nossa indústria tem muito potencial. A questão é saber se vai aproveitá-lo ou não”, afirma o cineasta Josias Teófilo, diretor de O Jardim das Aflições (2017) e Nem Tudo se Desfaz (2021).

“Essa exposição do Globo de Ouro [Fernanda Torres levou o prêmio de melhor atriz] e do Oscar é excepcional. O Walter Salles está salvando a reputação da elite brasileira”, brinca Teófilo.

“O resultado é bom para todo mundo: para o cinema brasileiro como um todo, para a economia, para a arte brasileira e para a memória do país.”

Outro marco histórico alcançado no ano passado foi o recorde de salas de cinema em funcionamento no Brasil. Segundo a Ancine, foram 3.509 em operação, ante 3.478 em 2019, último ano antes da pandemia. Em 2020, no auge das medidas restritivas para evitar a propagação da Covid-19, as salas ficaram fechadas por sete meses e, depois da reabertura, a volta do público foi tímida.

Apesar dos números auspiciosos de 2024 e deste início de 2025, o desempenho do setor ainda se mantém distante do patamar pré-pandemia. Em 2019, mais de 177,2 milhões de pessoas compareceram às salas de cinema no Brasil, gerando uma arrecadação de R$ 2,8 bilhões em bilheteria.

De acordo com estimativas da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex), o padrão de três anos atrás só será recuperado em 2027.

Indústria teme “voo de galinha”

Apesar da euforia, a indústria brasileira do audiovisual teme que, como aconteceu em outros momentos, haja um arrefecimento da presença de público – e, por tabela, uma queda da arrecadação – depois que a onda de Ainda Estou Aqui passar.

Para Marcos Barros, presidente da Abraplex, a maior preocupação é evitar o “voo de galinha” experimentado algumas vezes pelo cinema nacional.

“Precisamos de uma política de Estado voltado ao setor que independa de um governo ou de outro. Vem o [Jair] Bolsonaro, faz de um jeito, depois volta o Lula, faz de outro jeito, e se vier algum outro fará de outra forma. É necessária uma política que seja duradoura para que não tenhamos mais voo de galinha”, diz Barros.

Antes de Ainda Estou Aqui, o Brasil já havia obtido outras 10 indicações ao Oscar. Quatro produções já disputaram a estatueta de melhor filme internacional: “O Pagador de Promessas (em 1963), O Quatrilho (1996), O Que É Isso, Companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999), protagonizado por Fernanda Montenegro. No mesmo ano, a mãe de Fernanda Torres também foi indicada ao Oscar de melhor atriz, mas acabou não levando.

A primeira “retomada” do cinema brasileiro ocorreu entre meados da década de 1990 e o início dos anos 2000, a partir da promulgação da Lei do Audiovisual, em 1993 – três anos após a extinção da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), no governo do ex-presidente Fernando Collor. A indicação de O Quatrilho ao Oscar, em 1996, foi o emblema daquele período, marcado por outras produções de sucesso, como Carlota Joaquina: Princesa do Brasil (1995), Policarpo Quaresma (1998) e Cidade de Deus (2002).

Pirataria preocupa

Ainda segundo Marcos Barros, a pirataria é outro obstáculo para o crescimento da indústria do cinema no país, algo que foi potencializado na última década, com o avanço das redes sociais.

“Hoje, temos filmes que são transmitidos pelas redes sociais no momento da estreia. Assim que um longa é lançado, links e mais links se espalham pela internet e a velocidade do combate é inferior à da propagação desses materiais. Isso precisa mudar”, afirma.

“É urgente a ampliação do combate à pirataria. O parque exibidor, especificamente, é bastante afetado. O único momento em que os cinemas rentabilizam é quando o filme está em cartaz e ter, simultaneamente, esses conteúdos à disposição de forma ilegal na internet prejudica a adesão do público e traz grandes prejuízos.”

Leis de incentivo

O melhor ano da indústria cinematográfica brasileira coincide com a adoção da chamada “cota de tela” para filmes nacionais, que entrou em vigor em 2025. O decreto assinado no fim do ano passado regulamentou um mecanismo que já estava previsto na legislação desde 2001, mas havia perdido a validade (de 20 anos) em 2021. Agora o instrumento é válido até 2033.

A Lei da Cota de Tela determina a obrigatoriedade da exibição de filmes brasileiros, de forma proporcional ao total de sessões de cada complexo de cinema. Também estipula uma quantidade mínima de títulos nacionais a serem exibidos de acordo com o tamanho do cinema, além da ampliação de uma cota suplementar para os casos em que o número de sessões programadas com um mesmo título, independentemente da nacionalidade, extrapole o percentual estabelecido no decreto.

“Eu já defendi publicamente a Lei da Cota de Tela e sigo defendendo. Porque você pode ter um filme brasileiro extremamente bem-sucedido e, de repente, vem um blockbuster que ocupa quase 100% das salas na maioria das cidades”, observa Josias Teófilo.

“O espectador fica sem opção, não pode escolher. Isso não é livre mercado, é monopólio. Além disso, é bom lembrar que as cinematografias da maioria dos países protegem o seu próprio cinema, inclusive as nações mais desenvolvidas”, explica.

Na avaliação de Marcos Barros, por outro lado, o cinema brasileiro precisa “ser mais competitivo tanto no mercado interno quanto no internacional e “isso só acontecerá com a revisão dos modelos de financiamento e fomento atuais”. “Hoje, temos políticas de fomento que privilegiam a quantidade de produções, mas que não têm o sucesso comercial dos conteúdos produzidos como prioridade. Isso prejudica o impacto econômico dessas obras.”

Ainda Estou Aqui

Desde sua estreia no circuito brasileiro, em 7 de novembro de 2024, Ainda Estou Aqui havia levado mais de 3,6 milhões de pessoas aos cinemas até o dia 26 de janeiro, arrecadando quase R$ 74 milhões.

O filme de Walter Salles, que conta a história de Eunice Paiva, esposa do ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar no Brasil e cujo corpo jamais foi encontrado, ostenta uma arrecadação de quase R$ 85 milhões em bilheteria. É um dos 20 filmes brasileiros mais vistos de todos os tempos.

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