Infodemia: notícias falsas sobre saúde dominam redes sociais, induzem ao erro e desafiam autoridades

Com o excesso de informações disponíveis em tempo real, a mentira sobre vacinas e tratamentos de saúde pode estar na próxima mensagem que você vai receber

Plataforma Avaaz (2020) indicou que 73% dos brasileiros acreditavam
em notícias inverídicas sobre coronavírus

Sinal de alerta para o mundo, o grande fluxo de fake news presente no ambiente digital não está distante dos lares brasileiros. Com certeza você já ouviu de algum familiar, por exemplo, discursos contra a ciência, estímulo à violência e/ou incitação ao preconceito por motivações nada racionais. Tais práticas revelam uma necessidade urgente de enfrentamento à disseminação de conteúdos danosos a existência humana em escala global. Alvo permanente de ataques em plataformas digitais e aplicativos de mensageria, a saúde e suas práticas profissionais não ficam de fora desse “faroeste digital”.

Para 91% dos entrevistados na pesquisa “Condições de Trabalho dos Profissionais da Saúde no Contexto da COVID-19 no Brasil”, realizada pela Fiocruz, em 2021, as fake news se tornaram um obstáculo no combate ao vírus Sars-CoV-2. No mesmo estudo, 76,1% declararam ter atendido pacientes que expressaram fé em notícias falsas sobre a covid-19; 29,3% concordam que os posicionamentos das autoridades sanitárias sobre a covid-19 foram consistentes e esclarecedores, e 62,6% discordam. A amostra da Fiocruz, de abrangência nacional, incluiu mais de 16 mil profissionais que atuaram na linha de frente do enfrentamento à covid-19 em instituições de saúde de todo o Brasil, segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS).

O excesso de informações, precisas ou não, que enganam pessoas comuns e os conduzem ao abismo da ignorância submissa, pode ser chamado de infodemia, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O duelo entre o que é real e fruto de pesquisas científicas e o metaverso das bolhas de desinformação fez com que a pergunta filosófica sobre “o que é realmente verdadeiro e o que não?” atravessasse o tempo e ganhasse força no século XXI novamente.

Para se ter ideia do tamanho do desafio, atualmente o país conta com 480 milhões de dispositivos digitais, conforme levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGVcia). A Pesquisa Anual do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada aponta que cada vez mais os brasileiros acessam notícias através de dispositivos móveis. Sem qualquer tipo de checagem dos fatos, um notebook, tablet, computador ou celular, pode se tornar uma arma contra a realidade concreta.   

Houve ainda uma ampliação da presença da Internet no cotidiano do brasileiro. Mais de 140 milhões de pessoas se conectaram ao ambiente digital nos três meses anteriores ao estudo realizado, entre março e agosto de 2024, pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).

O avanço na democratização do acesso parece uma excelente notícia no rumo da educação digital e desenvolvimento de senso crítico. A TIC Domicílios revelou que 80% dos usuários de Internet, com Ensino Superior, afirmaram ter buscado verificar uma informação encontrada no ambiente digital. Essa proporção foi de 31% entre aqueles com Ensino Fundamental. De maneira geral, essa prática foi realizada por 52% dos usuários.

Mesmo com números positivos de acesso, a pesquisa da Cetic.br constata que uma grande parcela da população permanece exposta a conteúdo sem comprovação científica ou fonte confiável. Aconteceu diante de nossos olhos, enquanto os principais veículos de comunicação corriam atrás da elucidação dos acontecimentos. Em meio a pandemia da covid-19, que ceifou a vida de milhares de pessoas, as informações falsas serviram ao discurso contra a saúde e a ciência. As mentiras sobre a pandemia se espalharam numa velocidade estonteante, tornando difícil a vida da população que precisava encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis, alertou a OMS.

Uma pesquisa divulgada pela plataforma Avaaz, no mês de maio de 2020, indicou que 73% dos brasileiros acreditavam em notícias inverídicas sobre coronavírus. Os entrevistados receberam nove afirmações sobre a covid-19, sete delas eram classificadas como falsas ou enganosas por checadores de fatos independentes.

Mais de 140 milhões de pessoas se conectaram ao ambiente digital,
entre março e agosto de 2024, aponta Cetic.br

Ao cenário perturbador da pandemia foi somada a irresponsabilidade de alguns líderes políticos e influenciadores digitais de extrema direita, ecoando ataques ao Sistema Único de Saúde (SUS), a vacinação em massa e ao isolamento social necessário. Nessa onda de absurdos em sequência foram compartilhadas mentiras sobre profissionais da saúde, viralizadas contestações da ciência e desacreditados tradicionais veículos de informação.

Por isso a urgência do tema infodemia ser abordado. A ciência deve retornar ao destaque das redes e ruas, estar na palma da mão como instrumento de cidadania. Divulgar pesquisas confiáveis em espaços de compartilhamento permanente do conhecimento acadêmico e saberes ancestrais. Micro e macro universos da saúde abertos ao público precisam ser valorizados para que não sejamos engolidos por algoritmos e métricas da morte. É tempo de elevar o discurso em favor dos profissionais de saúde e fazer a defesa intransigente da vida.

“Não é um jogo, cada vida é única”

Na esteira das discussões sobre desinformação no período da pandemia, o presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Manoel Neri, afirmou que o boicote as diretrizes das autoridades sanitárias colocava toda a população em risco. “Na luta contra o novo coronavírus, precisamos nos guiar por evidências. É chegada a hora dos gestores de redes sociais repensarem estratégias e priorizarem a Saúde, acima da audiência. Não é um jogo, cada vida é única”, disse Neri.

Diante dos mitos que incentivavam discursos antivacina e agressões a profissionais da saúde, incluindo enfermeiros e enfermeiras, em 2020 o Cofen aderiu à campanha internacional da Avaaz contra a divulgação de fake news. Causou espanto ao mundo o que ocorreu no Brasil pandêmico, onde o próprio presidente da República tinha por hábito divulgar medicamentos sem resultados comprovados contra o coronavírus.

A mentira que mata

Vale acentuar que aspectos físicos e mentais da sociedade são severamente afetados com informações erradas. A tragédia da desinformação resultou, durante o ciclo da covid-19, em ao menos 400 mil famílias enlutadas. É o que apontou a Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Senado Federal, em 2021, para investigar ações e omissões do governo federal de turno.

Os membros da “CPI da Covid” concluíram que as vidas silenciadas pelo coronavírus poderiam ter sido salvas, não fosse a inação do Estado e o colapso provocado pela intoxicação de conteúdo falso que tomou as redes sociais e adoeceu brasileiros e brasileiras.

Mesmo depois de tanto sofrimento, alguns desavisados ainda repetem, inflamados ideologicamente, que as vacinas não funcionam, têm chip de controle mental e/ou causam novas comorbidades. Esqueceram o que todos e todas aprendem cedo nas escolas: a ciência está, até que se prove o contrário, à serviço da vida. E na extensão desse lapso, entre lágrimas e perdas irreparáveis, foram 700 mil futuros impactados e 700 mil histórias interrompidas. Nunca a palavra solidariedade fez tanto sentido, jamais a expressão “fake news” esteve em tamanha evidência.   

Em meio a pandemia da covid-19, as informações falsas
serviram ao discurso contra a saúde e a ciência

Infodemia e seus impactos na saúde da população

A infodemia sobre a covid-19 confundiu os pacientes, prejudicou a adesão a medidas sanitárias fundamentais e estimulou comportamentos negativos da população em relação à pandemia. A falta de posicionamento assertivo das autoridades influiu no processo infodemico sobre a covid-19.

Visto por muitos estudiosos como principal desafio do século XXI, o combate vigoroso às fake news é pauta da sociedade globalizada. Mesmo sob ameaça de bilionários donos das principais plataformas de redes sociais, o debate sobre regulação de conteúdos nas redes sociais ganha força no cenário mundial. Em tempos sombrios, parece que a luz da verdade indica que o monitoramento e a checagem de fatos está apenas começando a despertar a razão humana.

Iniciativas educacionais em defesa da vida

Nesse sentido, o Cofen e Conselhos Regionais de Enfermagem lançaram, em setembro de 2021, a multiplataforma digital Cofenplay. O aplicativo é dedicado ao processo educacional, de informação, prestação de serviços e iniciativas da Autarquia. O objetivo é facilitar o acesso dos profissionais, além de disponibilizar conteúdos confiáveis ligados a Enfermagem e Saúde. Além da prestação de serviço para a cidadania digital, a plataforma reúne centenas de livros especializados na área da saúde, jornais, revistas, vídeos, podcasts e audiolivros.

Na linha de frente de hospitais, unidades básicas, laboratórios e farmácias, a Enfermagem que realiza o primeiro contato com pessoas adoecidas e impactadas pela mentira, ficou também responsável, por ofício, a conduzir em certa medida o letramento científico da população. Setores importantes da saúde estão mudando procedimentos para valorizar o que a ciência já pesquisou e estão situados no campo da verdade. 

Em 2024 a pesquisa TIC Saúde, organizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), identificou avanços no uso de ferramentas de segurança da informação por parte dos estabelecimentos de saúde. Os principais aumentos se deram no uso de criptografia dos arquivos e e-mails (passou de 46% para 54%, entre 2023 e 2024), e criptografia da base de dados (de 40% para 46%). Além disso, a utilização de certificado digital subiu de 52% para 57% no mesmo período.

Coordenado pela professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF), Maithê de Carvalho e Lemos Goulart, o aplicativo “Enf na Dose Certa“, desenvolvido para apoiar profissionais de enfermagem na prática clínica e auxiliar na prevenção de erros de medicação em adultos e idosos, visa minimizar um problema crítico. A escolha por um aplicativo como tecnologia educacional foi estratégica, pois a geração atual está, cada vez mais, imersa em dispositivos digitais.

A palavra da ciência levada aos mais diversos e longínquos cantos do país, descomplicando o fazer acadêmico, aproxima da realidade concreta tantos e tantas que se aventuraram pela borda da “terra plana”. Diante da disseminação de conteúdos falsos, o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e a Secretaria de Comunicação (Secom) do governo federal, criou a plataforma “Saúde com Ciência“.

Além de combater as fake news com informação precisa e de qualidade, a iniciativa da pasta visa proteger as pessoas de doenças e auxiliar no diagnóstico precoce, como no caso da covid-19. O “Saúde com Ciência” conta ainda com espaço para denúncia de crimes cibernéticos contra a saúde pública e esclarecimento de dúvidas através do conhecimento científico.

Fonte: Ascom/Cofen – Iberê Lopes

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