Como as ameaças de “tarifaço” de Trump já afetam o bolso do brasileiro

O vaivém de ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor sobretaxas contra produtos de diversos países já afeta o bolso do brasileiro, ainda que de maneira incipiente. Esse impacto, porém, vai se aprofundar se confirmadas as medidas anunciadas pelo líder republicano, ainda que o Brasil fique fora do “tarifaço”.

Especialistas consideram que o efeito imediato da intimidação de Trump é criar uma onda de instabilidade no mercado mundial. E sempre que uma nuvem de incerteza se forma no cenário econômico do planeta, os investidores compram dólares para se proteger de eventuais turbulências. Com isso, a moeda americana valoriza-se frente às demais divisas. O resultado é mais pressão inflacionária, em especial nos países emergentes.

Não por acaso, oscilações do dólar têm sido frequentes quando Trump aponta para um alvo de sobretaxas. Na segunda-feira (3/2), a moeda americana disparou com o anúncio da decisão do republicano de impor tarifas de 25% para o Canadá e o México, além de 10% para a China. O dólar registrou uma alta de mais de 1%, cotado a R$ 5,90,  por volta das 12 horas.

Depois disso, os governos mexicano e canadense afirmaram que a implementação das medidas seria adida por ao menos um mês. Com o recuo do presidente americano, o dólar foi para o outro lado da gangorra. Ele inverteu a tendência de alta e fechou em queda de 0,38%, a R$ 5,81, o décimo primeiro recuo seguido frente ao real.

Juros nos EUA

Além disso, para muitos especialistas, há uma agravante de médio prazo nas medidas econômicas cogitadas pelo presidente americano, o que inclui o tarifaço e a deportação maciça de imigrantes. Ambas investidas são inflacionárias – e, nesse aspecto, unem-se com uma redução de impostos no país. Ou seja, essas ações tendem a aumentar os custos de produção e influenciar negativamente os preços no mercado americano.

Se isso ocorrer, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tende a diminuir o ritmo de corte da taxa de juros, algo que também pode elevar a cotação internacional da moeda americana. Isso porque, com os juros americanos elevados, aumenta a atratividade dos títulos da dívida do Tesouro do país, os Treasuries, considerados os ativos mais seguros do mundo. Isso funciona como um aspirador de dólares para a economia americana, o que faz com que a cotação aumente no restante do mundo.

Cedo para um balanço

Os economistas observam que, sem que as sobretaxas sejam de fato aplicadas pelos EUA, ainda é cedo para definir se o efeito dessa política será negativo para o Brasil. É nessa tecla que bate, por exemplo, Carla Beni, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e integrante do Conselho Regional de Economia de São Paulo.

Ela diz que, se Trump aumentar o imposto de um produto de qualquer país, mas que esteja na pauta de exportações brasileiras, o resultado possivelmente seria benéfico para as empresas nacionais. “Vamos supor que o presidente americano aplique uma sobretaxa no café colombiano”, diz. “Isso pode aumentar as vendas do nosso café para os EUA.”

Peso na inflação

Emerson Marçal, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), acrescenta que ainda é impossível precisar até que ponto as eventuais sobretaxas vão afetar os preços dos produtos nas gôndolas dos EUA. “Se praticado, o aumento de tarifa vai exercer pressão inflacionária nos EUA”, diz, notando que essa tensão extra pode ter curta duração. “Os produtos sobem por conta da tarifa uma vez”, afirma Marçal. “Depois, caso não haja alteração adicional, eles param de subir.”

Ele concorda que se as empresas brasileiras escaparem da lista de países taxados talvez se abra espaço para um salto das exportações brasileiras para os EUA. “Mas, se virarmos um alvo, a coisa muda”, diz. “Nosso saldo comercial vai piorar e haverá impacto no câmbio. Regiões que exportam para os americanos vão sofrer. E se o Brasil retaliar aumentando as tarifas aqui, isso pode atrapalhar setores industriais que dependem de insumo vindo dos EUA.”

Instrumento de barganha

Até agora, contudo, como Trump tem recuado em aplicar mesmo as sobretaxas já anunciadas  – o que já ocorreu com o Canadá e o México –, alguns analistas questionam se as tarifas de fato são para valer. Eles perguntam se elas são parte de uma estratégia do presidente americano para obter concessões de países com os quais os EUA já mantêm pendências.

Para evitar a sobretaxa, os mexicanos comprometeram-se a enviar 10 mil integrantes da Guarda Nacional para a fronteira com os EUA para conter o tráfico de drogas. Os canadenses confirmaram o plano de investir US$ 1,3 bilhão na divisa entre os dois países, para combater o crime organizado, o contrabando de fentanil (um opioide utilizado como medicação para a dor) e a lavagem de dinheiro.

Na segunda-feira (3/2), a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que Trump também deverá conversar com o presidente da China, Xi Jinping, “provavelmente nas próximas 24 horas”, a respeito da questão das sobretarifas.

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