Rota matou inocente cego para vingar morte de soldado, diz MPSP

São Paulo — Um capitão e um cabo das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) mataram um homem cego, inocente, em São Vicente, litoral paulista, durante a Operação Verão, em fevereiro de 2024, em uma ação para vingar a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo, ocorrida dias antes.

A informação é parte da investigação que embasou o Ministério Público de São Paulo (MPSP) a oferecer a denúncia contra os dois policiais militares (PMs) envolvidos no caso. A denúncia foi aceita pela Justiça.

O capitão Tiago Morato Maciel e o cabo Nielson Barbosa Medeiros foram denunciados por homicídio qualificado (motivo torpe e com emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima). Segundo as investigações, eles assassinaram Hildebrando Simão Neto, que era cego e estava desarmado. Também mataram o entregador de colchões Davi Gonçalves Junior por ter presenciado a execução, como “queima de arquivo”.

As operações policiais comandadas pelo governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), sob a responsabilidade do secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, deixaram entre julho de 2023 e abril de 2024 um rastro de sangue com mais de 100 mortes na Baixada Santista. O Metrópoles foi em março de 2024 até locais onde ocorreram supostos confrontos e entrevistou familiares e amigos de pessoas que morreram durante as ações da PM. A irmã de Davi, assassinado pelos PMs da Rota, foi uma das pessoas ouvidas pela reportagem.

Nas execuções do rapaz cego e do entregador de colchões, os promotores apontam que o capitão e o cabo da Rota agiram de forma premeditada. Eles identificaram aquele que seria o endereço da namorada de Kaique Coutinho do Nascimento, o Chip, que matou o soldado Cosmo cinco dias antes e estava foragido.

A atual namorada de Chip teve, no passado, um relacionamento com Hildebrando. Os dois chegaram a ter um filho, mas estavam separados e a mulher não morava mais no endereço encontrado pelos PMs da Rota.

Sem ordem judicial ou flagrante, os policiais entraram na casa perguntando sobre a ex-companheira de Hildebrando, atual namorada de Chip. Mandaram que os moradores saíssem, entraram pelo corredor até o cômodo onde, primeiro, executaram Hildebrando. O capitão fuzilou o rapaz cego com dois tiros e o cabo disparou uma vez com uma pistola.

O entregador de colchões Davi estava junto com Hildebrando e foi morto cerca de oito minutos depois, com dois tiros.

“O lapso temporal de 8 (oito) minutos entre o primeiro disparo e o último comprovou a inexistência de agressão. A suposta ameaça sofrida pelos acusados não justifica ação de alegado revide que dure vários minutos dentro de um local confinado. O cômodo onde os fatos se deram é minúsculo e a presença de outra pessoa que representasse ameaça seria imediatamente identificada”, disse a denúncia oferecida pelos promotores.

A conclusão do MPSP foi a de que “Hilderbrando foi morto por ter sido confundido com o assassino (Chip) do policial da Rota Cosmo, e Davi porque testemunhou sua execução (queima de arquivo)”.

Segundo os promotores, os policiais montaram uma farsa, inclusive dizendo as vítimas tinham armas consigo. “Para encobrir o acerto de contas da Rota, os acusados adotaram condutas para dissimular confronto e encontro de armas (pistolas e fuzil).”

De acordo com laudo médico, Hildebrando era incapaz de enxergar a mais de 30 centímetros e foi morto com disparos efetuados entre 50 e 70 centímetros. Ou seja, nem sabia o que estava acontecendo no momento em que foi assassinado pelos policiais.

Segundo as investigações, os dois responsáveis pelos disparos entraram na casa com as câmeras corporais, mas ambas estavam sem bateria.

Além dos capitão e do cabo, faziam parte da guarnição outros dois policiais, que tiveram os inquéritos arquivados pelo MPSP. Durante as execuções de Hildebrando e Davi, viaturas da Rota patrulhavam o entorno.

O que diz a SSP

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que os casos mencionados foram investigados pela 3ª Delegacia de Homicídios da Deic de Santos e pela DIG de Praia Grande, e pela PM por meio de Inquérito Policial Militar (IPM). “Todos os procedimentos foram relatados ao Poder Judiciário”, afirmou, em nota.

As defesas dos três acusados não foram localizadas pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.

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