Veja íntegra da entrevista da deputada federal Sâmia Bomfim

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSol-SP) concedeu entrevista exclusiva ao Metrópoles nesta semana. A parlamentar falou sobre a cassação do diploma de deputada federal de Carla Zambelli (PL-SP), em uma ação movida por Sâmia e o PSol. Ela também lamentou a demora para cassação do deputado Chiquinho Brazão (Sem partido-RJ), acusado de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol).

Veja a entrevista completa:

Metrópoles: Gostaria de começar perguntando para a senhora da recente decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo que cassou o mandato da deputada Carla Zambelli. Foi uma ação apresentada pela senhora e também pelo PSOL. Queria saber: essa cassação mostra um avanço no combate à disseminação de informações falsas durante a campanha eleitoral?

Deputada: Eu vejo essa cassação justamente como um marco histórico para a política brasileira, porque é uma reação da sociedade diante de tantas fake news, tantos ataques ao sistema democrático e à vontade popular. A decisão do TRE ainda precisa ser referendada pelo TSE, mas já é uma grande vitória.

É uma grande sinalização e desde já é valida a inelegibilidade da Carla Zambelli. Ou seja, ainda que o TSE demore para apreciar essa matéria, ela já não pode ser candidata em 2026. Eu vejo isso como um recado também importante para todos os demais que, assim como ela, se utilizam do seu poder político, do seu poder econômico, das redes sociais, organizando outras pessoas para atentar contra a democracia, de que há um limite e de que eles serão responsabilizados por tudo que fizeram.

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Sâmia Bomfim destaca o papel do Judiciário para conter a disseminação de informações falsas

Sâmia foi eleita com mais de 225 mil votos
Sâmia apresentou uma ação contra Carla Zambelli por disseminação de fake News nas eleições de 2022
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Metrópoles entrevista a deputada federal Sâmia Bomfim (PSol-SP)

KEBEC NOGUEIRA/METRÓPOLES @kebecfotografo

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Sâmia Bomfim destaca o papel do Judiciário para conter a disseminação de informações falsas

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Sâmia foi eleita com mais de 225 mil votos

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Sâmia apresentou uma ação contra Carla Zambelli por disseminação de fake News nas eleições de 2022

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Metrópoles: Deputada, a cassação da deputada Carla Zambelli tem um impacto direto na direita brasileira. A senhora acredita que pode ter o reflexo dentro do bolsonarismo no Congresso Nacional?

Deputada: Eu acredito que sim. Aliás, quando nós movemos essa ação, foi justamente com essa expectativa de que seja, se tudo der certo, uma condenação que seja, inclusive, pedagógica para os demais. Eu vi uma entrevista recente do Jair Bolsonaro esses dias dizendo que ele vê essa possível cassação como uma sinalização para ele. Eu acho que de algum modo também é porque a Carla Zambelli, ela é uma das principais lideranças do bolsonarismo, ainda que hoje ela esteja isolada dentro do PL, ela tem uma projeção importante para essa base social, para esses eleitores.

Então, a sua condenação impacta de forma muito profunda nos demais que se utilizam de métodos semelhantes ao dela.

Metrópoles: Deputada, ainda falando sobre redes sociais, a senhora acionou recentemente o Ministério Público para que a Meta implemente um sistema de checagem de fatos aqui no Brasil. A senhora acredita que essa decisão da Meta em acabar com esse sistema pode impactar, de certa forma, disseminação de informações falsas, especialmente em ano eleitoral, como vamos ter no ano que vem?

Deputada: Infelizmente, sim. Eu acho que, inclusive com a ascensão do Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, no alinhamento muito grande com as principais direções dessas grandes big techs, isso vai reverberar no Brasil de forma profunda. Ou seja, você abre mão de um sistema de checagem ou mesmo tem uma liberalidade maior, com disseminação de fake news, de discurso de ódio, de ataques a mulheres, a LGBTs, principalmente no caso dos Estados Unidos, de imigrantes.

Isso dá mais espaço para que esses setores se organizem socialmente, politicamente e dificulta todos aqueles que defendem os direitos humanos, a diversidade, defendem os direitos das mulheres. Então, eu vejo que a extrema direita no Brasil ficou muito feliz com essa decisão. É por isso que nós acionamos a Justiça e nós, ainda que saibamos que seria difícil tratar desse tema no Congresso Nacional, não podemos abrir mão de que a gente precisa regulamentar as redes sociais, propor limites para aquilo que eles chamam de liberdade de expressão, mas que, na prática, significa organização de atentados nas escolas.

Por exemplo, todos eles foram anunciados em redes sociais sem que elas tivessem instrumentos para coibir. Imagina agora, sem nenhum tipo de regra. O que não pode acontecer significa, na prática, ameaças para mulheres. Para parlamentares, significa disseminação de mentiras, de discurso de ódio. Significa uma violência que está na rede social, mas que vai para o mundo concreto, para o mundo material também.

Por isso que precisa ter um freio.

Metrópoles: Deputada, a senhora falou sobre a eleição do Donald Trump. Estamos vendo que a direita está crescendo cada vez mais, tanto nas redes sociais como também na sociedade. A senhora acredita que essa decisão da Meta facilita então, a direita nas redes e como a esquerda pode combater esse movimento e conseguir avançar cada vez mais nas redes e furar as bolhas?

Deputada: Eu acho que a esquerda tem um duplo papel. Primeiro, de tentar reverter essa situação de extrema permissão permissividade com a disseminação de fake news sem nenhum tipo de regulamentação. Então, é fazer uma luta política e uma luta jurídica para que não continue como está. Precisa ter freio a violência nas redes. E nós temos instrumentos legais para atuar diante disso.

Mas, por outro lado, a esquerda também precisa ser mais ofensiva nas redes sociais. Acho que se reinventar na linguagem e no método, se articular melhor entre perfis de influenciadores e tudo mais. Só que, de fato, enquanto houver esse bloqueio político e econômico das big techs, sem nenhum tipo de freio, a gente está numa situação de desvantagem. Por isso que eu acho que é uma luta combinada, um movimento combinado.

Saber utilizar bem, saber se reinventar, ser criativo, fazer o que for possível e necessário, mas ao mesmo tempo tentar frear essa violência institucionalizada.

Metrópoles: Deputada, sobre se reinventar, o governo Lula recentemente trocou toda a sua comunicação para tentar avançar cada vez mais nas redes sociais, diante da desaprovação que teve em pesquisas recentes. O que a senhora acha que o governo Lula pode fazer para conseguir melhorar sua aprovação diante da aproximação das eleições?

Deputada: Olha, eu acho que melhorar a comunicação ajuda muito, mas seria leviano da minha parte dizer que é só um problema de comunicação. Acho que é uma questão essencialmente política. Acho que nessa segunda fase do governo, nos próximos dois anos, é muito importante entregar medidas concretas que têm um impacto profundo na vida da população. Por isso que é um acerto colocar como prioridade, neste ano, a isenção de imposto de renda para aqueles que ganham até R$ 5 mil.

Nós, do PSol, inclusive eu agora, hoje mesmo, protocolei um projeto de lei nesse sentido, para mostrar que tem respaldo no Congresso Nacional e respaldo na sociedade. É uma medida que pode impactar 85% da população brasileira. E é uma medida justa, claro. De que forma que vai ter um equilíbrio fiscal diante disso? É aumentando a taxação daqueles que ganham mais.

A nossa proposta é de R$ 39.300 como rendimento, porque é uma forma de construir um equilíbrio, um ecossistema ali que não seja deficitário do ponto de vista de arrecadação, mas que, ao mesmo tempo, beneficie a população trabalhadora do nosso país. Mas, para além disso, o tema dos alimentos é óbvio. Isso impacta mesmo, fui ao mercado ontem. Preço, enfim, itens básicos de consumo estão com preço bastante elevado.

Então, atuar em medidas de contenção do aumento do preço dos alimentos é importante. São só alguns exemplos que já foram anunciados pelo governo como intenção de melhoria no próximo período e que eu acho que a prioridade é ter entregas nessas áreas, porque daí, por mais que haja fake news, por mais que haja ataques, quando a vida do povo é melhorada materialmente, tudo isso fica em segundo plano.

Metrópoles: Agora, em relação ao imbróglio em torno das emendas parlamentares no STF, o PSol entrou com mandado de segurança no STF contra Arthur Lira, agora ex-presidente da Câmara, alegando ilegalidade na distribuição das emendas. Para a senhora, o novo comando da Câmara e do Senado pode melhorar a transparência das emendas?

Deputada: Não foi essa a disposição que tanto o novo presidente da Câmara quanto o novo presidente do Senado demonstraram ter. Ao contrário, eu vi, sobretudo no discurso do Hugo Motta, uma sinalização de que quer fortalecer os poderes do Parlamento brasileiro, que, em outras palavras, se traduz em fortalecer o poder sobre o Orçamento do país. Nós entramos com essa e demais ações no Supremo Tribunal Federal desde a época do ex-presidente [Jair] Bolsonaro, que foi quando deu início ao orçamento secreto.

A resposta do Congresso, no meu ponto de vista, foi muito ruim, porque tentou maquiar, incorporou nas emendas, mas manteve a lógica sem nenhum tipo de transparência e com a reação que teve no final do ano passado, com a relatoria do ministro Flávio Dino, que depois foi referendada por todo o Supremo Tribunal Federal. Fato é que muitos líderes e presidentes partidários ficaram furiosos com o que aconteceu porque se sentiram afrontados naquilo que eles acham que é o direito, mas que definitivamente não é, que é fazer mau uso dos recursos públicos.

A gente tá falando de R$ 50 bilhões que não se sabe pra onde, não se sabe quem é, não se sabe o que está sendo feito desse recurso. Não tem o menor cabimento. E Hugo Motta, no discurso dele, chamou isso de democracia, chamou isso de fortalecer o parlamento, mas na prática significa: Olha, parlamentares, vou trabalhar para que vocês sigam tendo acesso ao tamanho do montante de recursos que possam seguir, inclusive chantageando o governo, considerando que tem mais dinheiro com os parlamentares eles do que dentro de muitos ministérios.

E, para que qualquer projeto que venha do governo que possa ser bom para o país, também vai passar. Sobre a chantagem, o escrutínio no Congresso Nacional a partir desse esquema do dinheiro, então, por isso que é um dos temas principais que o PSol vai seguir persistindo no próximo período. Não dá pra ter tamanha irresponsabilidade com o dinheiro público.

Não dá para ter tamanho poder sobre o Congresso, porque, ainda que queiram, a gente não vive num sistema parlamentarista. Não é justo, não é correto. Com o programa que foi aprovado nas urnas, que foi votado pela população brasileira, que qualquer projeto só pode ir adiante se for com base na chantagem da grana para ir para as bases eleitorais dos deputados.

Para a gente, se não tem, não diz respeito a um modelo democrático, a qualquer projeto de país minimamente justo e democrático.

Metrópoles: Deputada, agora chegando ao fim, última pergunta. O Conselho de Ética aprovou a abertura de um processo contra o deputado Glauber Braga (marido de Sâmia), mas o relator ainda não foi apresentado. Queria saber da senhora, como avalia essa demora?

Deputada: Para mim, foi muito grave a abertura desse processo. A gente tem uma série de casos grotescos, escabrosos, de deputados que fizeram coisas horríveis, desde empunhar uma arma contra o cidadão em pleno dia de eleição, até um deputado que espancou a sua namorada. E isso foi noticiado na televisão e nada aconteceu. E aí a reação do Glauber diante de um provocador dentro da Câmara, que já provocou muitos outros parlamentares do Congresso, do Brasil afora, se torna um caso, na visão do Arthur Lira e do Conselho de Ética.

Grave ao ponto de precisar abrir um processo de cassação. Para nós, isso foi um processo claro de perseguição, Arthur Lira, o ex-presidente agora, não gosta do Glauber. Glauber também não gosta dele, mas não pode ser tratado dessa forma. Uma indisposição, uma disputa política. O relator, ele chegou a protocolar o voto dele no final do ano passado. Só que esse voto não foi revelado e ele está sob sigilo.

Pode ser lido a qualquer momento. Talvez seja lido somente quando houver a volta das comissões, ou seja, em março ou mesmo em abril. Para nós, o melhor é que seja lido o mais rápido possível, até pra gente saber o que reserva. Se eles vão de fato querer cassar o mandato. Vai colocar essa desproporção lembrando o mandante do assassinato de Marielle, o Chiquinho Brazão, até hoje não foi cassado.

Ele segue recebendo o seu salário, segue com o seu gabinete. Agora querem dar uma punição máxima gravíssima para reação de um parlamentar que foi provocado mais uma vez por um provocador dentro do seu ambiente de trabalho. Isso mostra muito do que se trata o perfil do agora ex-presidente Artur Lira e até onde vai a sanha por perseguir adversários políticos.

Metrópoles: A senhora falou da Marielle, Chiquinho Brazão. O que a senhora acha que está por trás da demora para votação da cassação do Chiquinho Brazão na Câmara?

Deputada: São alguns elementos. Primeiro, acho que, de fato, muitos deles menosprezam o impacto político e humano do que significou o assassinato da Marielle. Só se posicionam quando são muito instados pela sociedade, quando são constrangidos. Mas, de fato, muitos ali realmente não dão a gravidade que o tema teve para nós, que somos correligionários dela. Mas para todos aqueles que, enfim, têm um sentimento humano democrático diante, enfim, do mundo, das atrocidades todas que acontecem, mas também de algum modo, é uma forma de responder ao Judiciário, porque, infelizmente, esse virou uma tônica da política no Brasil.

Os diferentes embates que existem entre o Congresso e o Judiciário, sobretudo o STF, e eu vi muitos parlamentares identificando o tema do Brazão como se fosse mais uma etapa das respostas que o Judiciário vem dando ao Congresso. Eu acho completamente lamentável. Primeiro, que eu discordo dessa tese de que há uma perseguição do Judiciário com relação ao Congresso. Acho que muito pelo contrário.

Muita coisa horrível aconteceu com o Brasil e, até então, pouquíssima resposta jurídica foi dada. Espero que elas avancem, mas ainda não avançaram. E, segundo, que o caso da Marielle não tem a ver diretamente com o tema das emendas, com o tema da disseminação de fake news, com os atos golpistas. Tem a ver no sentido de que, bom, significa a barbárie, a crise e a deteriorização do país, da política.

Isso tem relação, mas não é um fato que tenha motivação para dar uma resposta ao Judiciário. Acho que é um caso que merece respeito, atenção e, portanto, passar um pano, como se diz, para o Brazão, é um ato de extrema crueldade e de desprezo com a vida, mesmo.

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