Brasil em ruínas: a História sucumbe ao abandono (por Hubert Alquéres)

No Brasil, não basta o tempo corroer lentamente as estruturas físicas de construções históricas. Nosso patrimônio cultural, carregado de significados e símbolos, também sucumbe às tragédias anunciadas. O desabamento do teto da Igreja do Convento de São Francisco, em Salvador, na Bahia, se soma a uma longa lista de catástrofes nas nossas instituições culturais. Não foi apenas uma estrutura que caiu: foi mais um golpe em nossa memória coletiva, mais uma prova de como deixamos o passado se perder pela negligência.

Esta é uma tragédia com duas causas imperdoáveis. A primeira, silenciosa e previsível, é o abandono sistemático ao longo dos anos: falta de manutenção, orçamentos insuficientes, promessas vazias. A outra, mais brutal, ocorre quando o colapso se torna irreversível e transforma as ruínas em símbolos de nossa inércia. Assim foi com o Museu Nacional em 2018, destruído pelo fogo após décadas de descaso. Com o Museu da Língua Portuguesa em 2015, devastado por um incêndio que só reforçou fragilidade e abandono. Com a Cinemateca Brasileira, em 2021, quando um incêndio destruiu obras importantes do cinema nacional. Ou com o Memorial da América Latina, em São Paulo, atingido por um incêndio devastador em 2013.

A destruição da memória no Brasil não é fruto do acaso, mas de um padrão sistêmico. A cada nova tragédia, ouvimos declarações e o jogo de empurra de autoridades lamentando o ocorrido e prometendo reconstruções que, muitas vezes, nunca se concretizam. As tragédias se repetem porque o problema não está em eventos isolados, mas na estrutura de gestão da cultura no país.

Monumentos históricos e culturais não desabam de um dia para o outro. Eles dão sinais: rachaduras nas paredes, infiltrações, degradação visível. Mas esses sinais costumam ser ignorados por falta de verba, burocracia ou, pior ainda, falta de prioridade. Quando visitei a Igreja de São Francisco, parte dela já estava interditada devido a problemas de infiltração. O ambiente transmitia uma sensação de abandono, e a área isolada parecia esquecida, sem qualquer perspectiva de manutenção. Aquilo já era, de certa forma, um aviso claro do que aconteceria.

E o estado de muitas igrejas coloniais pelo país revela que a Igreja de São Francisco não será a última tragédia.

O problema nunca foi a falta de patrimônio cultural a ser protegido. Ao contrário, ele é riquíssimo, com um vasto legado histórico: igrejas barrocas, museus dedicados à ciência, ao idioma, à arte e à literatura, casarões coloniais que testemunharam momentos cruciais da formação do país. Mas a memória nacional não está entre as prioridades das políticas públicas. Segundo dados do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura, entre 2019 e 2023, os investimentos públicos em preservação cultural caíram cerca de 40% em várias esferas do governo.

Porém, tão grave quanto a falta de políticas públicas é a descontinuidade das boas iniciativas. Um exemplo simbólico é a coleção Aplauso, produzida pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que lançou mais de 300 títulos com biografias de grandes personalidades do cinema, teatro e televisão brasileira. Era um esforço valioso para documentar a história das artes cênicas no Brasil, mas foi descontinuado após uma mudança de comando. Nenhum novo título foi editado, os livros em estoque acabaram e nenhuma reedição foi feita. Em vez de ampliar o legado, a iniciativa foi simplesmente abandonada — e com ela, parte da memória do país.

Essas tragédias são sintoma de um país que teima em não aprender a cuidar da própria história. Quando uma igreja desaba ou um museu arde em chamas, o impacto vai muito além da destruição material. É a memória de gerações que se perde, é a educação das futuras gerações que fica comprometida.

É urgente que se repense a política de preservação do patrimônio no Brasil. Não adianta reativar discussões apenas depois das tragédias. Precisamos de uma política contínua, que envolva inspeções regulares, financiamento adequado, um sistema de atendimento eficaz em situações de emergência e a garantia de continuidade dos projetos que já se mostraram bem-sucedidos. Também precisamos parar de enxergar a preservação apenas como gasto, mas como investimento em nossa própria identidade e desenvolvimento.

Enquanto o país seguir nesse ciclo vicioso, o que restará para as próximas gerações além de lembranças de monumentos que existiram um dia? O Brasil está desmoronando lentamente, mas não podemos esperar até que tudo vire ruína. Cuidar do passado é garantir que as próximas gerações tenham um país ao qual possam pertencer. Sem isso, não teremos memória — apenas lamentos sobre o que poderia ter sido salvo. O momento de agir é agora.

Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.