“PCC: Poder Secreto” é um dos melhores filmes sobre o crime organizado

“PCC: Poder Secreto” é um dos melhores filmes sobre o crime organizadoDA REDAÇÃO

Baseado no livro “Irmãos: uma história do PCC”, do professor e escritor são-carlense Gabriel Feltran, o filme “PCC: Poder Secreto”, surpreendeu, liderando a audiência da plataforma de streaming HBO Max Brasil durante duas semanas em 2022, quando foi lançado. Até hoje, a obra é um dos melhores documentários sobre o surgimento e ascensão da maior organização criminosa do Brasil.  

O filme é a uma adaptação do livro de Feltran e foi dirigido pelo documentarista Joel Zito Araújo e produzido pela Butique Filmes. Lançado pela HBO Max Brasil foi o filme mais visto no Brasil na plataforma de streaming no Brasil durante duas semanas. “Rompemos a lógica de 10% das plataformas. Está aí o reconhecimento do público que demonstra não só a qualidade do Brasil, mas também a necessidade de ser discutir a questão da segurança no Brasil de uma forma diferente”, destacou Feltran.  

Feltran, professor da UFSCar, que atualmente está lecionando na França, ficou muito feliz com o sucesso do documentário.  “Fiquei muito satisfeito com o resultado. Participei da adaptação do meu livro em documentário desde a ideia inicial, que surgiu no dia em que o livro foi lançado. Um produtor me procurou naquele mesmo dia para fazermos a adaptação. Participei da montagem da equipe. Participei da seleção dos interlocutores, dos personagens e depois da montagem das entrevistas. Participei de parte das entrevistas. Todas elas foram conduzidas pelo diretor Joel Zito de Araújo. Foi um prazer participar de parte das entrevistas. Foi um trabalho muito rico e muito bonito com o Joel e toda a equipe. Temos muito orgulho do produto final, que traz uma narrativa diferente do que estamos acostumados a ver sobre o PCC. A narrativa que vê o PCC nos seus contextos e na sua realidade e não da imaginação ou de forma fantasmagórica do submundo. Não. Pessoas concretas, reais, com as caras limpas, contando as experiências delas neste mundo criminal, no passado e do que conheceram desta organização”, ressalta ela.

Segundo Feltran, tentar esconder o PCC não deu qualquer resultado positivo. “Penso que o debate público tem que dar conta da realidade em que a gente vive. Se existe PCC ele tem que ser discutido. Se existe polícia, ela tem que ser discutida. Se existe uma guerra, este conflito tem que ser midiatizada para que as pessoas possam reconhecer o mundo em que elas estão e vivem. Todos os temas têm que ser tratados. O PCC surge em 1993 e a primeira coisa que se diz no âmbito da segurança pública é que não se podia falar de PCC porque aí o PCC iria deixar de existir. Faz mais de 10 anos que a imprensa paulista não fala de PCC. E ele não deixou de existir”, pondera ele. 

Para o escritor,  não é impossível combater o crime organizado, mas é necessário uma mudança de foco. “Tenho certeza de que é possível termos políticas de segurança efetivas no Brasil que diminuam o poder das organizações criminosas no Brasil, que diminuam o poder dos mercados ilegais e estas políticas de segurança tem que ser baseadas em quatro princípios que a gente vem dialogando já há bastante tempo no universo acadêmico e temos que pensar isso de modo mais geral. O primeiro princípio é a regulamentação dos mercados ilegais, que são mercados transnacionais hoje”, completa. 

Para Feltran, em segundo lugar é necessária uma política de esclarecimentos de homicídios. “Quem define a vida e a morte é o soberano. Não podemos deixar os mundos ilegais decidirem quem vive e quem morre no Brasil sem qualquer tipo de investigação. Hoje menos de 15% dos homicídios no Brasil são investigados.  É preciso que retomemos uma política séria de esclarecimento de homicídios no Brasil. Isso seria uma política de retomada da soberania cidadã sobre o universo criminal. Em terceiro lugar, é necessário construirmos uma lógica de política cidadã que não faça divisão entre cidadãos, mas que, sim, proteja o conjunto da cidadania de modo que possa inclusive disputar as mentes e corações de jovens que hoje são facilmente aliciados pelo crime”, alerta o pesquisador.    Em quatro e último lugar, segundo o escritor, o Brasil tem revisar a política penitenciária. “Esta política hoje é construída sobre um mito de que você isola o ladrão ao prendê-lo. As principais organizações criminais do Brasil não apenas nasceram, mas também se fortaleceram e se fortalecem com base no sistema prisional. Você tira o menino da esquina que tá vendendo droga para ganhar dinheiro e bota ele na cadeia. Aí você passa a ter dois criminosos: um que vai estar preso e o outro que vai tomar o lugar do menino que estava na esquina. A gente vem fazendo isso no Brasil e, especialmente em São Paulo, há 30 anos, ampliando o exército criminal e oferecendo estes jovens de graça para as facções. Então, a nossa política carcerária é parte do crescimento das facções. Isso tem que mudar”, conclui. 

DOCUMENTÁRIO

No último capítulo de PCC: Poder Secreto, um dos antigos membros da facção termina de contar sua história descrevendo o dia em que foi mostrar para o juiz que o libertou o diploma que conseguiu após sua soltura. Ele termina o relato dizendo que o que ficou de seu tempo de prisão foi a capacidade de resolver problemas: “O papo reto que eu tinha com os manos da prisão… eu não tinha ideia que isso era uma ciência. Eu sou formado no Instituto de Coach 15 anos de Cárcere”. Logo depois, o grande “personagem” do documentário – o Macarrão, ex membro criador da organização – fala de perdão, de arrependimento, de uma nova chance.

Por todos os episódios da série documental dirigida por Joel Zito Araújo essa é uma dinâmica usada para manter a perspectiva humana do projeto. Os escolhidos para dar depoimentos são ex-membros da facção, jurídicos que entraram em conflito direto com eles e famílias de criminosos que ficaram pelo caminho. Os familiares que falam, inclusive, não falam em nome de grandes alcunhas da organização. São famílias de criminosos comuns, que estão ali para ilustrar como tudo começa e como tudo termina.

A criação do PCC, inclusive, é o ponto do documentário em que ele entra num território de expansão cultural. Para que esse momento alcance a audiência, a edição precisa ilustrar como era a vida nas periferias e dentro das principais cadeias da época. Começa, então, uma viagem impressionante pela rotina das favelas, que vivem a ambiguidade constante de admirar e temer o crime, já que é o crime que influencia diretamente nos níveis de segurança que eles experimentam no dia a dia. A banalização da morte é tão chocante quanto coerente. Em dado momento, um dos homens que dá depoimento conta como era “mais legal” naquele tempo; e faz isso logo depois de relembrar o dia em que havia alguém enforcado na trave do campo de futebol do bairro e eles só colocaram o corpo de lado para jogar.

O professor e escritor Gabriel Feltran: “As principais organizações criminais do Brasil não apenas nasceram, mas também se fortaleceram e continuam se fortalecendo com base no sistema prisional”

LIVRO

Baseado em extensa pesquisa de campo na periferia de São Paulo, o livro de Gabriel Feltran, “Irmãos: uma história do PCC” traz a mais original e elucidativa interpretação sobre a facção que vem desafiando o Brasil.

Um dos grandes méritos da escrita de Gabriel Feltran é evitar o academicismo tornando a leitura fluida.  Imparcial, sem defender ou demonizar, e contundente a narrativa envolvente do autor narra não apenas a gênese da organização, como também momentos cruciais e determinantes na história. Dessa forma o autor conta como acontece a sua fundação, numa casa de detenção em Taubaté no ano de 1993, fatos da rebelião de 2001, o levante interno em 2002 e também disputas internas.

Fonte: São Carlos Agora. Leia o artigo original: “PCC: Poder Secreto” é um dos melhores filmes sobre o crime organizado

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