Quem é “Firmeza”, sócio de rapper e apontado como fornecedor do CV

São Paulo — Apontado pela Polícia Federal (PF) como um fornecedor graúdo de drogas e armas ao Comando Vermelho (CV), Bruno Santana da Silva, conhecido “Firmeza”, tinha um patrimônio milionário, ostentava carros de luxo, e se apresentava como empresário de sucesso e agente de rappers famosos até ser preso, no ano passado.

“Firmeza” passou a ser visto por investigadores como chefão do tráfico de drogas e armas em Santa Catarina e ligado à facção criminosa do Rio de Janeiro após a apreensão de 720 kg de cocaína com o filho de um vereador. Trocas de mensagens do grupo investigado trazem imagens de negociações de drogas e armas de grosso calibre pelo WhatsApp, e até menções ao líder máximo da facção. “Sou criminoso, pô”, diz “Firmeza” em uma delas.

A imagem que Bruno Santana da Silva tentava passar era a de um bon vivant. Ele se apresentava como dono de uma empresa de internet e TV a cabo e empresário de rappers, como TZ da Coronel, um fenômeno do trap brasileiro ouvido por mais de 6 milhões de pessoas todos os meses em plataformas de streaming.

Ao contrário de outros acusados por integrar o alto escalão do tráfico de drogas, ele não tinha antecedentes em sua ficha criminal. No depoimento de um dos investigados, é citado, por exemplo, como o intermediário de uma relação de negócios de um desenvolvedor de softwares com o famoso site de apostas PixBet, que patrocina clubes de futebol.


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Em um relatório de 277 páginas, no entanto, a Polícia Federal afirma que ele tem a “experiencia própria de traficantes profissionais há tempos engajados no mundo do crime”, com “poder de mando”, “know-how” e “expertise para negociação, aquisição e distribuição de armas e drogas para facções criminosas de várias partes do Brasil”.

Seus carrões, casas e apartamentos milionários, segundo a PF, estão, em grande parte, em nome de laranjas. Dificilmente, ele ficava muito tempo com o mesmo celular, e se recusava a falar ao telefone.

“Firmeza” foi indiciado pela PF e denunciado pelo Ministério Público por tráfico de drogas, organização criminosa, agiotagem, lavagem de dinheiro e porte ilegal de armas. Assim como outros três investigados, responde pela ação preso preventivamente. O processo está na fase de alegações finais para o MP. Em seguida, as defesas vão se manifestar e a Justiça poderá sentenciar os acusados.

Apreensão de 720 kg de cocaína levou a “Firmeza”

Bruno Santana da Silva foi preso em abril de 2023, na Operação Facção Litoral, da PF em Santa Catarina. A investigação teve como origem a apreensão de 40 kg de cocaína, um ano antes, pela Polícia Rodoviária Federal, escondidos no painel de um carro do carateca Ruan Arno, que é filho de um vereador da região.

O veículo era dirigido por outro condutor. Na investigação, a PF passou a suspeitar de outro carro que estaria na função de batedor do veículo apreendido com a droga. Trata-se de outro integrante da quadrilha que abre caminho e guia o carro com os entorpecentes ao seu destino. Ele fazia o mesmo trajeto e pertencia a um amigo de Ruan Arno.

Arno e seus amigos passaram a ser monitorados por policiais. Na semana seguinte, o grupo foi preso com 720 kg de cocaína no apartamento dele. Câmeras do prédio captaram tudo, desde a entrada dos carros na garagem do condomínio até o transporte das caixas de drogas nas escadas do prédio. Ruan e seus comparsas eram apenas um braço de um grupo maior, segundo a PF. No celular de um deles, logo os policiais encontraram mensagens que levaram a “Firmeza”.

Um dos comparsas que participou do transporte da droga, Augusto Caparra, o “Guga”, foi gravado justamente falando da apreensão e sobre como “Firmeza” estava lhe devendo por causa da carga perdida. A gravação foi captada em microfones instalados por policiais em sua casa. “O Firmeza, ele me deve um milhão e pouco irmão, só que, tipo assim, nós perdemos 700 e poucos quilos de cocaína aqui em Navegantes, a maior daqui, da Penha, e aí não me pagou mais frete porque perdeu a mercadoria, entendeu?”, disse.

“Entocado” após droga apreendida

No celular de Guga, que é réu confesso, a PF ainda encontrou conversas sobre a venda de outros 550 kg de maconha e 41 fuzis no Rio de Janeiro. Essa carga também acabou apreendida. Outro investigado, Italo Saraiva, o “Tatá”, também tinha o celular recheado de negociações de drogas. Mas o que chamou a atenção no caso dele foram as fotos de venda de armas, desde pistolas até fuzis. Em um áudio, segundo a PF, ele diz trabalhar para o “Abelha”, apelido de Wilton Quintanilha, conhecido como o líder máximo do Comando Vermelho (CV) no Rio.

Todos estavam relacionados a “Firmeza”, tido pela PF como um líder do grupo, que atuava na região de Itajaí, em Santa Catarina, e fornecia drogas e armas para traficantes do Rio de Janeiro. No celular dele, a PF diz ter encontrado mensagens incriminadoras. “Sou criminoso, pô, se liga nessa porta [sic] e para de falar meras [sic]”, disse em uma conversa com a própria namorada.

Após a apreensão da cocaína com Ruan Arno, “Firmeza” disse a ela que ficaria “entocado” para “segurar as pontas” à distância. “Mantém a vida como se nada aconteceu [sic]. A coisa tá grave”, disse. Sua defesa afirma que as provas são ilegais e foram tiradas de contexto por investigadores.

Corvette, BMW, lanchas…

A vida de luxo do casal chamava a atenção de pessoas próximas. “Firmeza” dirigia um Corvette vermelho que estava em nome de um corretor. Em uma das mensagens, a namorada dizia a ele que o dono da academia onde malhava havia a reconhecido em uma “Ferrari” vermelha.

Atribuídos a Bruno, foram apreendidos ainda uma Toyota Hilux, dois carros e uma moto BMW, e um Porsche. Ele também tinha uma lancha em nome de um outro homem preso por tráfico batizada como “Di Boa”. Tentou comprar outra embarcação, por R$ 700 mil, em nome de “Tatá”, mas não deu certo porque tinha avarias. “Tatá, tô indo ali pra desfazer o negócio do barco”, disse em uma das mensagens apreendidas. “Ele [vendedor] é um agiotinha lá de Navegantes, entendeu? Querendo me enrolar, me vendeu o barco cheio de bucha ali”.

No patrimônio em nome de terceiros, segundo a PF, havia cinco apartamentos, sendo que somente um deles tinha 600 metros quadrados e valia R$ 4 milhões. Ele ainda usava uma casa de R$ 5 milhões e outra residência de campo de R$ 1 milhão. Este último imóvel foi pago em dinheiro vivo por um terceiro, a mando de Bruno, segundo depoimentos à PF. “Firmeza” usava a desculpa de que estava abrindo empresas e não poderia ter imóveis em seu nome. Em uma foto encontrada pela PF no celular do casal, há maços robustos de dinheiro vivo.

“Firmeza” alega inocência e provas nulas

Os criminalistas João Pedro Barreto e Juliana França David afirmam que Bruno Santana da Silva é reconhecidamente um empresário com atividade lícita, o que inclui a empresa de TV a cabo e internet e o agenciamento de artistas de rap, como é o caso de TZ da Coronel.

Eles relatam que o processo da Operação Facção Litoral é recheado de nulidades, principalmente no que diz respeito à interceptação de mensagens e gravações ambientais como aquela que menciona a carga de 720 kg de cocaína.

Em resposta à acusação, os criminalistas afirmaram que o MP denunciou Bruno por tráfico com base em “ilações desconexas e imprecisas” baseada na “interpretação dos fatos”, como mensagens de terceiros captadas durante a investigação. Segundo essa premissa, diz a defesa, qualquer um que tivesse relação com Bruno Santana deveria ser denunciado.

O advogado ainda afirma que o MP não conseguiu provar na denúncia o crime de lavagem porque não demonstrou o crime antecedente – ou seja, a origem criminosa do dinheiro. E que as provas dos autos não demonstram como os acusados teriam se associado para cometer crimes, o que derrubaria, em tese, o crime de organização criminosa.

Os advogados ainda afirmam que o “indiciamento do Sr. Bruno ocorreu com base em provas ilícitas”. Além disso, salientamos que todas as empresas [de Bruno] existem, empregando diversos funcionários e recolhendo adequadamente todos os encargos trabalhistas e tributários devidos. Por fim, a Defesa espera o devido reconhecimento da ilicitude das provas referentes a ele que culminaram na deflagração da Operação Facção Litoral”, afirma a defesa.

A perícia contratada pela defesa conclui que há escutas ambientais e interceptações telefônicas cujos dados não abrangem todos os dias em que valia o monitoramento, o que indica, segundo o perito, a entrega parcial de provas à Justiça pelos investigadores. Em resumo, o perito afirma que “não é possível validar a integridade e a integralidade da prova digital formada pela investigação denominada Operação Facção Litoral”.

TZ da Coronel defende empresa com “Firmeza”

Por meio de sua assessoria de imprensa, o rapper TZ da Coronel afirma que “a empresa TZ da Coronel Produções Artísticas LTDA trabalha há anos no mercado de atividades artísticas e espetáculos ao vivo, com atividade empresarial absolutamente lícita e funcionamento regular”.

“O indiciamento por parte de um de seus sócios, não possui qualquer relação com o objeto empresarial da companhia e com o desenvolvimento da carreira artística do artista TZ da Coronel, que continua a gerir normal, lícita e regularmente seus negócios empresariais”, diz.

Guga diz que colaborou com investigação

O advogado Rafael Marquesi, que defende “Guga”, disse ao Metrópoles que ele é réu confesso em dois crimes de tráfico, sendo um deles aquele relativo à apreensão de 720 kg de drogas em Santa Catarina e o outro relativo à apreensão de drogas e armas no Rio de Janeiro. Ele nega uma terceira suspeita que recai sobre sua conduta.

Ele afirma que seu cliente não tem antecedentes criminais, era dono de uma empresa do ramo de transporte que chegou a faturar R$ 800 mil mensais de forma lícita, e que após a pandemia, em meio a dívidas e ameaças de agiotas contra sua família, conheceu uma pessoa que o apresentou ao mundo do crime.

“Recebeu uma proposta em meio a uma situação financeira delicada, de diversas ameaças inclusive aos familiares, resolveu ter uma oportunidade e iniciar no mundo do crime de formam momentânea. Dos três tráficos ele assumiu a participação em dois, não como proprietário da droga, mas como quem teria supostamente auxiliado na logística”, diz.

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